Regina Hostin nasceu em Blumenau (SC), se formou em jornalismo e teve experiência em diversos locais de trabalho. Procurou paz e acima de tudo sempre tentou se sentir bem no que fazia. Se não se sentia feliz, ela mudava: começava um curso, viajava. Mas não se permitia ficar apenas esperando o tempo passar.
Recentemente, Regina lançou o livro “Quando o hoje não basta” através do financiamento coletivo da plataforma Eco do Bem. No livro, fala de experiências, anseios, viagens e o que aprendeu e viveu até hoje. Nós conversamos com Regina e abaixo você confere esse maravilhoso bate-papo:
Eu sem Fronteiras: Me conte um pouco de você. Onde nasceu, cresceu, morou?
Regina Hostin: Morei quase sempre em Blumenau (SC), onde nasci e de onde fiz sucessivas tentativas de sair. Éramos eu e mais uma irmã e um irmão. Tive uma infância colorida numa rua sem calçada, vários terrenos vazios e muitas árvores que viravam casas durante o dia. A vida não exigia chinelo nem relógio nem tempo bom para sair de casa. O que importava era a presença dos amigos. Sempre estudei em escola pública. Amava ir aos ribeirões tomar banho durante os verões blumenauenses. Tive sempre muito contato com a natureza. Lá pelos meus nove anos, fomos morar em Navegantes, no litoral catarinense. Se a vida já era boa, ficou ainda melhor. O cheiro do mar, das frutas, o caju, o araçá, as brincadeiras nas casas de veraneio vazias, a bicicleta dos amigos, as lendas da pequena cidade, as aventuras em cemitérios abandonados e a alegria maior: ver as estrelas deitados na areia da praia. Éramos livres, sem medos nem ameaças nem grades nas casas. Com meus amigos, vivia um mundo à parte, cheio de histórias. Mas foram apenas nove meses junto ao mar, o suficiente para me apaixonar para sempre. Voltamos para Blumenau. Na adolescência, cursei Magistério porque pensei um dia ser professora de Matemática. Por fim, cursei Jornalismo.
ESF: Qual era pra você um dos questionamentos que levava para o dia a dia para tentar ter uma vida com mais sentido?
RH: Não pensava muito nesta questão de sentido até os 40 anos. Mesmo assim, sempre fiz escolhas com o coração, pelo que realmente gostava. Das viagens ao mundo profissional, não tinha medo de ir, de arriscar e de mudar. Mas quando chegaram os 40, comecei a questionar o porquê de ir todos os dias para um determinado local chamado trabalho? Qual era a razão daquilo? O que eu estava impactando no meu transformar? E aí a coisa pegou. Não encontrei respostas e me deparei com um vazio muito grande. Então, em 2011, deixei a empresa na qual trabalhava em São Paulo e saí para um período sabático. Consegui uma bolsa e comecei estudando Alfabetização Ecológica na Schumacher College, na Inglaterra. Queria fazer uma viagem diferente e aprender algo totalmente diferente. E foi mágico. Os dias na escola, os aprendizados, os colegas, a rotina, tudo me mostrava o quanto eu precisava me reconectar comigo mesma.
ESF: Você sempre tentou trocar de emprego quando percebia que faltava algo. Como foi toda essa experiência?
RH: Isso acontecia de forma natural. Quando não tinha mais encantamento, eu não me martirizava: embalava a viola e partia. Nunca tive quem pagasse minhas contas, mas também nunca tive muitas contas. Então, sempre que saía, apareciam oportunidades muito mais bacanas. As coisas aconteciam naturalmente. Meus pais ficavam bem inseguros, mas a coisa fluía. Depois do meu período sabático, foi um pouco mais difícil. Voltei da Índia e logo entrei em outra empresa grande. Mas fiquei apenas três meses e saí. Só que tomar a decisão de sair já não era mais tão fácil. Tinha medo de ficar sem plano de saúde, tinha medo de não conseguir mais ficar em emprego algum, tinha medo até de não ser mais chamada para nenhum processo de seleção.
ESF: No livro que lançou, você conta um pouco de sua experiência, de sua busca. Como foi escrever este livro?
RH: Na realidade foram muitas fases. Eu tinha várias anotações. Sempre tive o hábito de anotar percepções, sentimentos, descobertas. Nas viagens, sempre levava um bloquinho (coisa de jornalista). No período sabático, isso se intensificou. Fui anotando muita coisa e, conforme comentava com as pessoas o que tinha vivido, elas diziam: “Por que você não escreve um livro?” Aos poucos, senti que minha experiência talvez pudesse ajudar outras pessoas que estivessem passando por uma grande mudança. Então, me dediquei a juntar tudo o que tinha escrito. Passei um ano fazendo isso aos poucos. Um dia me determinei e estipulei um prazo. “Em três meses, termino”, disse a mim mesma. Não aceitei nenhum trabalho freelancer neste período e me concentrei no término da escrita. Quando tudo parecia pronto, depois de ler e reler muitas vezes, busquei profissionais parceiros para revisar, diagramar, ilustrar, imprimir etc. Até o dia que chegou o momento de liberá-lo para a gráfica. Afe! Precisei de muita coragem e desapego. Esta parte foi bem difícil. E aí comecei outra fase. Já tinha ideia de fazer um financiamento coletivo. E foi lindo! Foi mágico. Ter 163 pessoas apoiando a minha ideia dava outra dimensão ao livro dentro de mim mesma. Não era apenas escrever e colocar numa livraria. Era contar meu sonho e ver meus amigos, colegas, família e até quem eu não conhecia junto comigo nesta experiência.
ESF: Como foi o retorno do público? O que mais eles te escreveram, se identificando ou não?
RH: Recebo mensagens todas as semanas. As pessoas escrevem sobre suas vidas e desabafam. Muitas vezes agradecem, outras falam o quanto minhas palavras contribuíram. E isto não tem preço. Os e-mails dos leitores compensa tudo. Na semana passada, uma colega de sala me disse: “Seu livro entra na gente. Quero viajar um dia contigo”. Isto me faz ter certeza de que aquela criança que vivia com bloco e caneta na mão tinha que escrever uma história.
ESF: Acredito que buscar uma vida com sentido tem sido a procura de muita gente. E muita coisa parece que começa no trabalho. O que você tem a dizer a partir de suas experiências?
RH: Talvez comece no trabalho porque é onde passamos a maior parte do tempo. Mas o atual modelo de trabalho está vencido. O trabalho consome todo o tempo de vida de uma pessoa sem ela perceber. E quando percebe pelo que está vivendo é que começa a se questionar. Pelo que estou acordando todos os dias? Qual o sentido de passar tanto tempo no trabalho? Pelo que tenho deixado meus filhos todos os dias na creche? Por que faz tanto tempo que não almoço com meus pais? Por que deixei a dança que amava de lado? Ao não encontrar respostas é que pode surgir uma grande vontade de mudar. Reconhecer esta profunda ruptura das vidas pessoal e profissional é complicado também. Muitas pessoas não querem mais esperar pelas férias ou aposentadoria para fazer o que mais gostam.
Outro ponto importante é que não se resume a estar ou não dentro de uma empresa. Há insatisfeitos com a profissão escolhida por toda parte. Por quê? Porque a profissão escolhida já não faz mais sentido. Por exemplo: ele estudou, batalhou e se tornou um psicólogo, mas na realidade queria ser jardineiro. Só que as escolhas lá do passado em nome de uma carreira dita como promissora esmagaram seus sonhos e suas vontades que, na realidade, eram estar em contato com a Terra e ser jardineiro. E, de repente, isto começa a emergir de uma maneira tão forte que a pessoa sente que precisa mudar, se capacitar para outra profissão, resgatar o sonho abandonado. Mas daí… pode faltar coragem porque o mundo vai rotular esta pessoa de louca ao trocar de profissão.
ESF: Como se sente hoje? Está feliz?
RH: Trabalho com coisas diferentes, estou sempre estudando e procuro manter em mente o que é mais importante para mim: ter tempo, estar com as pessoas, caminhar, meditar. São coisas que gosto e não quero abrir mão. Mas, mas… nem tudo é perfeito. A transição não tem fim. A gente está sempre mudando. Às vezes o incômodo reaparece. Não com a força do passado, mas ele volta. Não me arrependo de nenhuma escolha. Faria tudo de novo. O bom disso tudo foram os aprendizados e principalmente descobrir que a felicidade está no simples. Está no que valorizamos. Está nos momentos nos quais conseguimos colocar atenção plena. O bom é saber que é possível sim ser feliz, mas, claro, isso não é uma constante.
ESF: O que mais aprendeu com suas viagens? O que traz na bagagem?
RH: Desaprendi e aprendi muita coisa. Mas o principal aprendizado é descobrir o longo caminho que tenho pela frente na jornada do autoconhecimento.
ESF: Saúde, família e amigos têm sido umas das questões às quais muitas pessoas têm dado prioridade. Você concorda?
RH: Sim. É porque isso faz sentido. Olhar para si, valorizar a primeira casa que te abriga, ou seja, o “seu corpo”, bem como as relações com a família e com os amigos… Isso faz sentido. Isso é o que importa, é o que nutre. Bem como olhar e sentir a natureza. A reconexão consigo, com o outro e com a natureza é o tripé da nossa essência.
ESF: O que você busca para o seu autoconhecimento?
RH: Pratico o silêncio, a meditação, o que me ajuda muito. Muitas respostas estão dentro da gente.
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E também leio muito e converso com pessoas que têm muito a ensinar. Estou sempre interagindo. Amo gente.
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RH: Se você sente um incômodo muito grande, mude. Não espere pelo momento ideal, “quando” e “se”. É possível!
Entrevista realizada por Angelica Weise da Equipe Eu Sem Fronteiras.