Convivendo

Entrevista com Vitelio Brustolin

Foto cedida pela autora.

quarta-feira, 24 de junho de 2020
ENTREVISTA COM VITELIO BRUSTOLIN – Revista STATTO

PHD em estratégia e desenvolvimento de políticas públicas. É Lemman Fellow, tem pós-doutorado em Harvard, nas áreas de Defesa e Segurança Cibernéticas. E veja como foi sua incrível trajetória de Erechim (RS – Brasil) a Cambridge (EUA)!

Possui formação em Ciências Jurídicas (Direito) e Ciências Sociais. É Mestre e Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento. Concluiu o pós-doutorado em Harvard, nas áreas de Defesa e Segurança Cibernéticas. Professor de Estudos Estratégicos, Direito das Relações Internacionais e Organizações Internacionais no INEST-UFF (Universidade Federal Fluminense). Recebeu bolsa de pesquisa da Capes para o Pós-doutorado em Harvard. É Lemman Fellow. Atua, também, como consultor ad hoc do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) para a Presidência do Brasil.

Conte-nos um pouco sobre quem é o Vitelio, família, infância, amigos. E sobre como foi sua incrível trajetória de Erechim (RS) a Cambridge (EUA)?

Essa é uma pergunta ampla. Um grande amigo e mentor costuma repetir o adágio de que nunca somos os melhores juízes de nós mesmos. Acho que ele tem razão. Nasci em Erechim, uma cidade de 100 mil habitantes, na Serra Gaúcha. Meu pai era militar e costumava ser transferido com frequência. Fazia parte da carreira dele. Quando eu completei 10 anos, nós já tínhamos mudado de cidade umas oito vezes. Por causa disso, foi difícil manter os amigos durante a infância. Acho que fui aprendendo um pouco com cada lugar, com cada nova escola.

O meu único irmão, Renan, nasceu quando eu tinha 9 anos. Como nossos pais trabalhavam muito, fui uma espécie de segundo pai para ele. Comecei a trabalhar formalmente aos 14. Trabalhava todas as manhãs e todas as tardes, depois pegava um ônibus e fazia 30 quilômetros para estudar em outra cidade, à noite. Publiquei o primeiro livro aos 20. Nunca a minha assinatura tinha tido qualquer importância. O livro a tornou relevante. As pessoas liam O Anjo Rebelde, uma obra de 200 páginas, em dois dias. E vinham pedir autógrafo. Aprendi que as minhas ideias tinham valor. Comercial, mas também intelectual e emocional.

Até hoje o livro vende bastante e tenho medo de nunca mais escrever algo que faça tanto sentido. Me formei aos 21 e, no mesmo ano, me mudei sozinho para o Rio de Janeiro. Sem parentes, sem nunca ter estado naquela cidade, com pouco dinheiro. Tinha passado em concursos públicos no Sul. Renunciei a todos eles para ficar no Rio. Trabalhei duro. Estudei mais. Fiz mestrado. Chegava, quase sempre, cansado às aulas, após ter virado as noites lendo.

Passei em mais alguns concursos. Fiz doutorado. Ralei muito. Fui aceito em Harvard. Passei no concurso para professor-doutor da UFF. Fui selecionado para ser professor de Columbia, em Nova York. Comecei a prestar consultoria científica para o governo do Brasil. Voltei para Harvard para fazer pós-doutorado e para lecionar. Atualmente mantenho o vínculo com Harvard e com a UFF.

Você recebeu o Prêmio Shinagel por Melhor Artigo, pela Universidade de Harvard. Conte-nos um pouco sobre seu artigo.

Foi há 7 anos e eu ainda estava no doutorado. Tinha ganhado uma bolsa para Harvard, após competição internacional para ser aceito e competição nacional a fim de conseguir recursos para cobrir as despesas. Cambridge é um dos lugares mais caros dos Estados Unidos, e os custos sempre foram altos, especialmente no entorno da Harvard Square. O artigo foi escrito em inglês e tratava sobre como esse idioma se tornou o “latim” da nossa era, sendo adotado como o idioma da ciência, assim como o latim o havia sido, no passado.

Foto cedida pela autora do artigo.

Quando saiu o resultado, eu percebi que tudo seria possível, mesmo para um rapaz saído do interior do Rio Grande do Sul. O Prêmio me rendeu uma bolsa complementar de estudos e uma viagem por locais importantes da Nova Inglaterra. No dia em que recebi o Prêmio, postei uma foto nas mídias sociais, agradecendo ao nosso país: “Uma oportunidade de retribuir ao Brasil pelo apoio aos meus estudos no exterior. Vamos ganhar mais prêmios, desenvolver mais a ciência e construir uma realidade melhor, brasileiros!”

Como pesquisador pelo IPEA, seu trabalho de consultoria foi para a Presidência do Brasil, nos anos de 2014 e 2015. Poderia nos dizer como foi para você em termos de resultados? Foi o que esperava?

Essa pesquisa foi conduzida por oito cientistas brasileiros, selecionados em edital de concorrência nacional. Fiquei muito feliz quando vi o meu nome no Diário Oficial, entre os oito. Foi uma experiência importante, pois eu havia apenas concluído o doutorado e já tinha a possibilidade de retribuir um pouco ao país por ter investido nos meus estudos. O time de cientistas era brilhante.

Todos se tornaram meus amigos. Juntos mapeamos a Base Industrial de Defesa do Brasil. Foi o primeiro e único mapeamento governamental da BID feito no país. Fomos visitar chão de fábrica, conversar com empresários, entrevistá-los, em vários estados do Brasil, nas empresas que escolhemos. Analisamos dados privilegiados, das bases de dado do governo. Fizemos pesquisa de ponta.

O resultado é um livro de quase mil páginas, que vem influenciando pesquisas e políticas públicas industriais. Ele está disponível, para acesso gratuito aqui: https://scholar.harvard.edu/brustolin/pub

Como é seu trabalho na Brustolin Intelligency & Strategy, empresa fundada em 2015 e que está sob sua direção?

A Brustolin Intelligence & Strategy é uma empresa especializada em análise estratégica, projeção de cenários e capacitação profissional nas áreas de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento. Dentre alguns clientes e trabalhos realizados, destaca-se a Marinha do Brasil, através de uma consultoria para a análise estratégica de contratos de offset para a aquisição de tecnologias.

Os projetos envolvidos nessa consultoria para a Marinha foram de alta tecnologia, como o submarino nuclear brasileiro e o Sistema de Monitoramento da Amazônia Azul. Também prestamos serviços para a Força Aérea do Brasil, com a capacitação de oficiais sobre questões políticas e orçamentárias na Defesa Nacional. Além disso, prestamos serviços para outras instituições de renome, dentre as quais Columbia University, Fudanção Ezute e IBMEC.

O Programa de Talentos Lemann Fellowship é a principal iniciativa da Fundação Lemann, que contribui com a formação de pessoas de alto potencial, comprometidas com o desenvolvimento do Brasil e com a superação de nossos principais desafios sociais. Como tem sido fazer parte dessa Rede?

A Fundação Lemann vem apoiando as minhas pesquisas desde o doutorado. Me concederam uma bolsa de estudos complementar em Harvard. Além disso, em 2018 e 2019, me ajudaram com recursos para obter dados para a pesquisa de pós-doutorado em Harvard, na área de Defesa e Segurança Cibernéticas. Sempre que posso, participo dos encontros da Fundação.

O Jorge Paulo Lemann é muito ativo e, às vezes, tenho a oportunidade de lhe perguntar algo ou lhe pedir algum conselho. Lembro que ele me cumprimentou pessoalmente quando soube que eu lecionaria em Columbia. A Rede Lemann é composta por pessoas inspiradoras. Algumas vieram de lugares distantes – até mais que a minha querida Erechim.

A maioria dessas pessoas são jovens talentos, que conseguiram chegar nas melhores universidades do mundo através de muito esforço e indo contra a corrente das dificuldades. Considero muito importante o trabalho que a Fundação promove, de filantropia. Esse é um conceito que está começando a amadurecer no Brasil, mas que já tem dado muito certo no mundo todo.

Sua formação é muito robusta. Você se dedica bastante à sua formação. Consegue tempo para lazer, sair com os amigos? Quais suas atividades favoritas para relaxar?

Eu sou um cara bem simples. Faço piadas bobas. Falo com todo mundo. Encontro com os meus amigos sempre que posso e mudo de assunto quando as conversas ficam muito científicas ou técnicas. Procuro relaxar, porque nessa profissão a gente trabalha muito. Sobre as atividades, durante os dois últimos invernos em Cambridge, precisei começar a meditar, porque as temperaturas, que chegam a 30 graus abaixo de zero, e as nevascas tornam a vida bem difícil.

Algo parecido com o isolamento que muitos estão precisando fazer agora. Também por conta disso, comecei a pegar mais pesado com a musculação, indo à academia todos os dias. Os exercícios me ajudam a manter o equilíbrio. A ciência demonstra que os gregos e romanos estavam certos sobre o conceito de “mens sana in corpore sano”. O cérebro é uma parte importante do corpo, e ele funciona melhor quando nos exercitamos. Eu costumava correr, mas depois de uma lesão no joelho, passei a pedalar. Procuro andar de bicicleta todos os dias.

Já fiz natação, canoagem e outras atividades, mas atualmente ciclismo e musculação são os meus principais esportes. Com o isolamento, tenho malhado com elásticos e pedalado com um bike trainer, dentro de casa. Sinto falta de sair cedo com a bicicleta e ver o sol nascer, mas tenho meditado mais cedo, por conta dessa impossibilidade.

Recentemente você teve a publicação de um artigo científico – sobre a conceituação de guerra, guerrilha e terrorismo – na Revista da EGN, artigo este que, segundo você, tomou muitos meses de trabalho, dedicados a ler Clausewitz em alemão, inglês e português. Já está tendo a resposta que esperava, por parte de colegas da mesma área? Fale-nos um pouco sobre o tema.

Esse artigo científico demandou dois anos de trabalho. Primeiro foi necessário ler a imensa obra “Vom Kriege”, de Clausewitz em alemão, inglês e português. As ideias de Clausewitz foram, então, contrastadas com descobertas científicas recentes sobre o comportamento de animais sociais, com foco nos seres humanos (perspectivas arqueológicas e antropológicas: Azar Gat; perspectivas políticas e tecnológicas: Jared Diamond; perspectivas biológicas e comparativas: Frans De Waal).

Essa metodologia foi empregada para formatar a conceituação de terrorismo e a sua diferenciação de guerra e de guerrilha, já que a definição desses fenômenos tem sido um problema para a ciência, para as relações internacionais e para os sistemas jurídicos há décadas. O artigo está todo em inglês estadunidense. Ele tem sido bem recebido no meio acadêmico.

Espero que essa contribuição ajude Estudos Estratégicos, Relações Internacionais, Direito Internacional e outras áreas do conhecimento a avançarem. É o terceiro artigo científico deste ano. Dois deles estão com a publicação atrasada, por conta da pandemia. Estou trabalhando em mais dois. O artigo pode ser acessado, gratuitamente, aqui: https://academia.edu/resource/work/42296865

Foto cedida pela autora do artigo.

Conte-nos sobre sua experiência em Harvard. Além de ter feito o pós-doutorado você também leciona lá?

O meu vínculo com Harvard tem foco em pesquisa científica, mas venho tendo a oportunidade de lecionar algumas classes, ao longo desses anos. Acho engraçado que alguns dos meus alunos internacionais prefiram ter aulas comigo do que com alguns colegas estadunidenses, porque acham o meu inglês mais fácil de entender. A pronúncia do inglês na região de Boston é muito marcada pelo sotaque local.

Além disso, o fato de a pronúncia do idioma nos Estados Unidos ser mais rápida e peculiar do que o inglês britânico, também acaba dificultando a vida de muitos estudantes internacionais em seus primeiros meses ou anos em Harvard. No mais, são alunos maravilhosos, empenhados, interessados em aprender e evoluir. Querem fazer o seu tempo ali valer a pena para as suas vidas.

Acho que as abordagens que temos em Harvard e nas universidades de ponta no Brasil não são muito diferentes, pelo menos nas áreas em que trabalho. Há mais recursos físicos e de infraestrutura em Harvard, mas os melhores alunos são bons em qualquer lugar.

Eu gosto muito de Earl Nigntingale, e li recentemente uma citação dele em sua rede social que diz: “Nunca desista de um sonho por conta do tempo que vai levar para alcançá-lo. O tempo vai passar de qualquer forma”. Quais são seus pensadores, escritores ou mestres favoritos?

Essa pergunta vai ser difícil de responder. Eu tive uma infância e uma adolescência em um lugar frio. Meus pais tinham uma pequena biblioteca. Sempre li muito. Descobri Platão quando ainda era pré-adolescente. Fiquei fascinado por Apologia de Sócrates, o Banquete e a República.

Cheguei a escrever uma peça de teatro sobre o julgamento de Sócrates. Descobri Nietzsche quanto tinha uns 13 ou 14 anos. A visão dele de mundo mexeu muito comigo. Zaratustra, Para Além do Bem e do Mal, Genealogia da Moral, enfim, quase tudo o que ele escreveu, mas principalmente o conceito de “além-homem”, ou “Übermensch”, no alemão. Na literatura, os russos foram determinantes. Crime e Castigo e Irmãos Karamazov, do Dostoievski, me influenciaram a fazer Direito.

Guerra e Paz, do Tolstói, me influenciou nos Estudos Estratégicos. Kafka, com suas 300 palavras em alemão e seu jeito de escrever Metamorfose, mudou a minha própria forma de escrever. Hemingway, com o seu estilo jornalístico de escrever literatura e seus incríveis o Velho e o Mar, o Sol também se Levanta, Por quem os Sinos Dobram. Mario Puzo, cujo Godfather eu li quatro vezes. Oscar Wilde, com o seu Retrato de Dorian Gray. Fernando Sabino, com o Encontro Marcado.

Drummond e Fernando Pessoa, com quase tudo o que escreveram. Do Pessoa, gosto especialmente do que ele produziu sob o heterónimo de Alberto Caeiro. Shakespeare, Lovecraft, Guy de Maupassant, Guimarães Rosa, Clarice Lispector. Mario Quintana, de quem sei recitar alguns poemas. Erico Verissimo, com o Tempo e o Vento. Garcia Marquez, com Cem Anos de Solidão. Há tantos outros nomes, tantos outros textos.

Para o meu trabalho atual, sem dúvida, Clausewitz e toda a corrente do realismo clássico são fundamentais: Colin Gray, Michael Howard, Peter Paret. Gosto do que o Stephen Hawking escreveu como divulgação científica, especialmente Uma Breve História do Tempo e o Universo numa Casca de Noz. Azar Gat e Jared Diamond também são fundamentais.

Descobri Harari há alguns anos. Presenteio meus amigos com o seu Sapiens, sempre que posso. Vou parar por aqui. Não quero cansar os leitores desta entrevista. Há muitas coisas boas para serem lidas, algumas delas são as obras que mencionei.

Eu o conheci pessoalmente por volta do ano de 2007, quando você atuava no Degase (Departamento Geral de Ações Sócio Educativas) do Rio de Janeiro. Na época eu fiz uma breve reportagem sobre o lugar. E gostaria de saber, com sua ampla vivência e contato com jovens, desde jovens em conflito com a Lei até alunos de Harvard, o que acha que nós aqui no Brasil temos melhorado ou ainda temos muito a melhorar para a juventude em nosso país?

Trabalhei em muitos lugares e aprendi um pouco com cada um deles. A experiência de fazer um trabalho para ajudar pessoas em conflito com a Lei a se ressocializarem me transformou. Depois disso, cheguei a ser voluntário em uma ONG para ajudar pessoas com deficiência. Acho que acabei entendendo melhor a condição humana, as desigualdades e o sofrimento.

A gente aprende um pouco todos os dias, estamos sempre evoluindo, tentando melhorar. Acredito que conhecer algumas realidades diferentes da minha me ajudou a me tornar um professor melhor. Já fui mais exigente. Quando fazemos um doutorado, somos obrigados a atender o mais alto grau de exigência. Somos cobrados por uma banca de doutores e nos cobramos muito.

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A realidade da sala de aula, no entanto, não pode ser inflexível. Há fatores e circunstâncias que nós, professores, desconhecemos na vida dos alunos. É preciso que se mantenha um nível de qualidade na formação que proporcionamos, mas é também necessário que haja compreensão e colaboração.

Esse equilíbrio é difícil de ser alcançado e nem sempre acertamos, mas precisamos manter a humanidade e a humildade no que fazemos, caso contrário as coisas perdem o sentido. Quanto a melhorar, há dados a respeito. Eles demonstram que, quando a Educação é priorizada, os países avançam. O Brasil se beneficiaria muito ao adotar essa diretriz.

Prof. Vitelio Brustolin, Ph.D. in Public Policy, Strategy and Development
Harvard Website: https://scholar.harvard.edu/brustolin
UFF Website: www.professores.uff.br/brustolin

Extraído: https://revistastatto.com.br/lifestyle/entrevista/entrevista-com-vitelio-brustolin/

Sobre o autor

Daniela Duarte da Silva

Jornalista pós graduada em marketing, com foco em comportamento, saúde e atualidades.