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Episódio VII – A conturbada relação de uma aranha e sua mosca: Aprendendo a lidar com portadores do Transtorno de Personalidade Narcisista

Homem narcisista apoiado no espelho se admirando
Viorel Sima / Shutterstock

“Araruta tem seu dia de mingau” – garante o provérbio popular – e para a mosca que está tentando desgrudar as asas da teia da aranha, esse dia é quando a “ficha” realmente cai e a traz de volta para a realidade. E isso resulta no entendimento pleno de que a aranha não deixará que ela tente voar em nenhuma hipótese: nem antes, nem durante, nem depois, enquanto acreditar que a teia ainda mantém viscosidade o bastante para imobilizar sua vítima.

Estudiosos do comportamento da aranha manipuladora não têm dúvida em relação às suas três fases, das quais já tratamos em episódios anteriores dessa trilogia: a da sedução, a do domínio e a do descarte, mas poucos são os que descrevem as duas facetas desta última, que vamos conhecer a partir deste episódio. Ao começar pelo fato mais importante que toda “mosca” precisa saber, é que o descarte tem que partir da aranha caso sua vítima deseja que ela a deixe em paz de uma vez por todas. E preste muita atenção: existe uma tendência de se acreditar que, já estando clara a fase de descarte, a mosca poderá agora declarar abertamente sua independência e voltar a decidir sobre sua própria vida. Ledo engano! O sentimento de domínio do narcisista não se esgota no momento em que ele já tem uma nova mosca em vista: seu sentido de posse lhe diz que cabe unicamente a ele decidir quando a última vítima será colocada fora de sua teia, e não a ela.

Isso porque suas vítimas não são vistas como pessoas, mas como propriedades dele, sobre as quais ele deve reinar absoluto enquanto for seu desejo. Se a “mosca” tentar sair por vontade própria, ele nunca aceitará e vai fazer tudo para transformar a vida dela num inferno, bem como de todas as pessoas que se colocarem ao lado dela em prol de sua libertação. Ele não admite a hipótese de “ser descartado” por sua vítima simplesmente porque encara isso como um desafio ao seu poder e uma prerrogativa apenas dele. Ele só cuspirá a vítima para fora da teia quando já tiver sugado todo seu conteúdo vital e tiver certeza de que só resta agora uma casca morta que não lhe servirá mais para coisa alguma.

Sua vaidade e seu orgulho com relação ao seu poderio são incomensuráveis e ele encara as tentativas alheias de libertar a vítima como uma medição de forças, um desafio em que precisa provar que é a parte mais forte. E que ninguém duvide: vai fazer uso de todo o seu poderoso arsenal de guerra para isso e levá-lo até as últimas consequências, não se descartando inclusive partir para a violência caso as demais estratégias não funcionem. E isso ocorre porque, a cada tentativa fracassada, sua raiva aumenta e o esvaziamento de poder cada vez mais exposto faz com que seu ódio cresça em escala progressiva, com resultados sempre imprevisíveis.

Ele começa com uma atitude aparentemente carregada de compreensão quanto à vontade da vítima de se libertar de sua teia. Vai se oferecer para facilitar tudo para ela, podendo se mostrar solícito e dizer que “tudo o que deseja é que ela seja feliz”, que ela é “a melhor das criaturas do mundo” etc., mas tudo não passa da conhecida estratégia de “virar o jogo” e retomar o controle até que toda a situação lhe seja favorável de novo, como a vítima atual sendo sugada até a última gota e a nova que já tem em vista bem envolvida na teia e incapaz de fugir dela. Então, pronto! Ele se sentirá vencedor na batalha e agora pode descartar – por sua própria iniciativa – a que o está incomodando para colocar a outra em seu lugar.

Homem olhando para a frente segurando um espelho que mostra seu reflexo olhando em sua direção representando uma pessoa narcisista
Art-of-Photo / Getty Images / Canva

Caso, porém, a mosca em posição de descarte continuar insistindo na decisão de não esperar tanto, ele só a deixará em paz se ela tiver algum trunfo importante nas mãos, algo que possa expô-lo de tal forma que comprometa todo o jogo que ele precisa continuar fazendo. Estando sua vítima já fora de alcance, ele pode tentar uma última cartada, como tentar jogá-la contra todos os que a ajudaram a se libertar. Vai mentir deslavadamente dizendo, por exemplo, que descobriu tudo o que vinha sendo feito, que os ouviu tramando o plano contra os dois e que nunca a estiveram ajudando de fato, mas apenas tentando separá-los porque o odeiam e só queriam destruir a felicidade de ambos, além de outras estórias que conseguir criar com sua mente doentia. Cautela, portanto, para não ser envenenado por elas, porque sua criatividade para inventar essas estórias é inesgotável. Elucidar os pontos obscuros, então, e buscar descobrir o que há de real nisso é fundamental para não cair no “conto da vítima traída”, mas, principalmente, admitir que tudo ocorreu de forma bem diferente e não passou de uma tentativa de virar o jogo e jogar a culpa em alguém, já que precisa manter sua imagem para convencer outras vítimas.

E se a “mosca” não for esperta o bastante poderá entregar de bandeja até o que seus aliados fizeram na tentativa de ajudá-la, permitindo que ele possa destilar seu ódio contra eles e buscar vingança até mesmo pela violência, mas sem dispensar a máscara do “cara legal” para os que não sabem do que está acontecendo de verdade. Via de regra, ele não descansará enquanto não o conseguir, para então dizer à sua vítima que “ela foi uma idiota completa” até o fim e que agora pode se lascar, porque ele já conseguiu acabar com todos “os seus inimigos”. O que ele conseguiu com isso? Na prática, aquilo que mais o alimenta: sentir prazer por ter conseguido vencer a todos do início ao fim, primeiro secando a mosca inteiramente; depois, vingando-se dos aliados dela e, por último, inflando seu ego com o fato de que conseguiu derrotar a todos e sair vencedor absoluto dessa guerra! Vaidade pelo domínio que exerce sobre os outros o alimenta. A bem da verdade, é do que se sustenta para fazer tudo o que faz, inclusive a intimidação que aprendeu a usar com maestria para afastar os que desafiam sua “supremacia”.

Portanto, todo cuidado é pouco, pois é bastante comum que sua personalidade dominadora o faça ver traição em tudo, agravando a paranoia advinda do complexo de inferioridade que tenta mascarar com sua arrogância. Por isso que ele é invejoso e nutre forte rancor por quem se revela mais capaz ou melhor que ele em qualquer aspecto, notadamente naquilo que socialmente é tido como sinônimo de sucesso e por isso que o fato de ele acusar sua vítima de o estar traindo para justificar todas as suas maldades é mais comum do que se imagina.

Resolvido o problema do ego ferido, ao constatar sua mosca destroçada e sem chances de resgatar sua autonomia, ele focará na próxima vítima e fará de conta que a última nunca existiu, pois só fica satisfeito quando consegue impor sua superioridade sobre tudo e sobre todos. Caso não tenha ocorrido dessa forma, não se descuide. Alguns psicopatas que todos acreditavam pacíficos podem revelar seu lado mais cruel ao descobrirem a vítima feliz de novo ao lado de outra pessoa, por exemplo, e isso poderá representar um sério risco para ambos. O melhor mesmo é romper com todo e qualquer vínculo e não deixar o menor espaço para aproximação, pois ele não vai esquecer e, caso encontre qualquer oportunidade, não tenha dúvidas de que vai usá-la.

E se você é a vítima em pleno processo de libertação, é bom ter em mente que a história ainda não acabou e que ele fará de tudo o que puder para atrapalhar a sua vida, pois, dificilmente, deixará por isso mesmo, a menos que possua algum trunfo que ele não terá como tirar de você. Não se fie em acordos, pois nenhuma das promessas que ele lhe fez de deixá-la “seguir seu caminho e ser feliz” vai ser cumprida, caso você não conte com alguma garantia. Então, esteja preparada para um “pós-guerra” durando ainda um bom tempo, pois ele tentará dificultar sua vida como se tivesse direito exclusivo ao “espólio” de tudo o que viveram, não hesitando em prolongar seu desespero. Isso só não ocorrerá se ele enxergar na insistência um obstáculo para concretizar os planos que ele já tenha em mente, já que os renova continuamente e só troca o atual por outro que lhe pareça mais vantajoso.

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A solução? Procure ajuda, tanto por fora quanto por dentro! Se a situação ficar no plano das dificuldades de vínculo, busque um advogado para orientá-la sobre o que fazer e parta para a ação! Caso se perceba muito fragilizada – e muito provavelmente estará – procure por auxílio profissional para superar os traumas e procure ainda os meios legais se sofrer ameaças, como uma medida protetiva. Só não espere que tudo seja esquecido a curto prazo, porque não vai ser – principalmente se a decisão foi sua e não dele – pois que guardará rancor por longo período até que esteja envolvido o suficiente com a vítima seguinte para poder ocupar-se de você.

E caso ele não tenha conseguido afastá-la de sua família, busque nela o suporte que precisar para não se sentir tão sozinha e assustada com o que ainda precisará enfrentar até a libertação final e irreversível. E nunca se esqueça de que você tem valor! Você não é a “porcaria” que ele gostaria que você se visse e lembre-se de que você tem toda uma vida lá fora esperando apenas que você se resgate para vivê-la como merece!

Acompanhe a série:

Você está no episódio VII

Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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