O ano é 2022. Estamos esperançosamente marchando para o que parece ser o fim de uma pandemia sem precedentes no mundo moderno. Perto do horror que foram os anos de 2020 e 2021, 2022 parece mostrar uma luz no fim do túnel, depois de vidas ceifadas, medo da morte, luto, insegurança financeira e mudanças drásticas na rotina.
Estamos caminhando em um clima de quase novo normal, recompondo a vida e catando os cacos. Após dois longos – e quase eternos – anos de incertezas e perdas, a missão é tentar entender como está a nossa cabeça. E nem é tão difícil descobrir: está no olhar. O mundo está mais depressivo.
O Brasil, conhecido por sua fama de país acolhedor e sorridente, ainda trava uma batalha contra a depressão, a ansiedade e outros males psicológicos e psiquiátricos – e, por que não?, da alma – todos desencadeados pela pandemia de Covid-19.
E há vários dados comprovando isso. Aliás, o que mais foi feito no mundo foram estudos sobre saúde mental na pandemia. Agora que estamos tentando retomar as rédeas das nossas vidas, depois de tanta apreensão e sentimentos sufocados, a tendência é que casos de ansiedade e depressão “explodam” no país.
Saiba como a espiritualidade pode ser importante à sua saúde mental
Um problema geral e sério
Pesquisas sobre saúde mental no contexto da Covid-19 pipocam mundo afora. Um estudo publicado em 2022 na revista científica Trabalho, Educação e Saúde (TES), da Fiocruz, avaliou a prevalência de sintomas de depressão e ansiedade entre trabalhadores brasileiros de diversos setores durante a pandemia. Foram usadas duas escalas que avaliam a saúde mental, e ambas mostraram maior prevalência de sintomas de ansiedade em mulheres (54,3% e 59,9%) e em pessoas solteiras (68,8% e 68,1%).
Há uma infinidade de outros estudos – nacionais e mundiais – sobre o impacto da doença em nossa saúde mental, mas essa conta ainda não pode ser fechada porque ainda estamos sob esse efeito, e é difícil calcular ou prever os resultados e quais desdobramentos psicológicos esse evento ainda vai trazer para nós.
Em entrevista ao Valor Econômico, Tânia Ferraz Alves, diretora das unidades de internação do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas, afirma que os casos de depressão e ansiedade se mantêm em alta. Sem falar no potencial crescimento de fobias e estresse pós-traumático. Segundo ela, podem ser necessários mais dois anos para estabilizar a saúde mental de uma parte da população.
Isso se deve ao fato, entre outras questões, de que muitas pessoas ficaram muito perto da morte – seja pela própria experiência ou por ter perdido parentes para a doença. O isolamento também mexeu com nossas habilidades sociais, aumentando o estresse. Sem falar no aumento significativo dos casos de depressão grave entre os profissionais de saúde – em especial os que atuaram na linha de frente durante o auge da pandemia.
Como lidar?
É bem verdade que a pandemia trouxe à tona a questão da saúde mental, mas depressão e ansiedade, assim como outras doenças psicológicas e psiquiátricas, não são uma realidade estruturada em 2020. A vida moderna parece alimentar essas doenças.
A pressão por um corpo padrão, o mundo competitivo, as cobranças sociais, os preconceitos, as incertezas e, principalmente, as redes sociais… todos são agravantes. Nunca se falou tanto em saúde mental. Nunca se atentou tanto para as doenças mentais. E esse conjunto de distúrbios já é chamado, inclusive, de mal do século.
Em uma realidade em que esses problemas só vêm aumentando ano após ano, é preciso identificar fatores de risco, sinais e sintomas. Buscar ajuda médica é mais que necessário, pois são doenças. E, como tais, demandam o devido tratamento.
Para além das medidas cabíveis – e jamais descartáveis –, porém, é possível trabalhar também o processo de autoconhecimento — não só aquele desenvolvido pelo trabalho psicológico. Mas o que envolve a nossa essência, nossa espiritualidade.
E levar o tema da depressão na direção espiritual não tem nada a ver com “achismos” ou mesmo questões exclusivamente religiosas. Tem a ver com autoconhecimento, contato com o nosso próprio eu. E isso é balizado, inclusive, por grandes universidades – no Brasil e no exterior –, sociedades médicas, institutos de psiquiatria e centros de pesquisa que realizaram estudos que podem evidenciar o impacto da espiritualidade em nossa saúde e em nosso bem-estar.
Com a palavra, a ciência
Entidades como a Sociedade Brasileira de Cardiologia e o Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), bem como a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) já trabalham há um bom tempo na investigação da contribuição da espiritualidade para a cura de doenças físicas e mentais e do agravamento destas por parte de pensamentos destrutivos.
Um estudo divulgado pela editora científica Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI), em 2011, sobre integração da espiritualidade nos cuidados com a saúde mental, indicou que 70-80% de pacientes com desordens psiquiátricas usam suas crenças espirituais para melhorar o ajustamento emocional e manter a esperanças e o sentido da vida. Para eles, servir a um propósito além de si mesmos torna possível conviver com algo que seria insustentável caso não tivessem esse sentimento.
Outra pesquisa, publicada em 2020 na Academia Paulista de Psicologia, destacou a importância da espiritualidade/religiosidade na prática clínica e sua influência na saúde mental como um recurso de enfrentamento e bem-estar. O trabalho revelou que a religiosidade e a espiritualidade podem estar associadas a mais resiliência em condições estressantes ou cenários que envolvem perda.
E não é exclusivamente de religião que estamos falando. Conectar-se consigo mesmo, criando uma visão mais otimista das coisas e trabalhando o autocontrole (aí, sim, mais relacionado com espiritualidade) também ajuda.
Um trabalho divulgado por pesquisadores da Universidade de Berkeley, em 2019, no PNAS, publicação oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, revelou que o otimismo pode fomentar hábitos capazes de promover a saúde, pois o otimista se engaja mais no autodesenvolvimento, ganhando forças para transpor qualquer obstáculo em nome do bem-estar (físico e emocional).
O que é espiritualidade?
Como vimos mais acima, não faltam pesquisas e estudos sobre o tema. A Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive, reconheceu oficialmente a espiritualidade, incluindo-a em seu conceito de saúde. Depois de tudo isso, você deve estar se perguntando o que realmente significa espiritualidade. É sinônimo de religiosidade? Está associada a alguma crença ou doutrina religiosa?
A palavra “espiritualidade” vem do latim “spiritus”, que significa “sopro”. Para além de ser uma conexão nossa com o que é divino ou transcendental, a espiritualidade é a essência da nossa alma.
É um conceito que está mais ligado com propósito e sentido para a vida. Ao nos conectarmos ao divino, estamos nos conectando a nós mesmos, já que a espiritualidade é o sopro divinal em nossas almas. É a nossa busca por algo maior do que nós mesmos.
A diferença entre espiritualidade e religiosidade
Espiritualidade e religiosidade são duas coisas que até podem se complementar, mas não significam o mesmo. Enquanto a primeira, como já vimos mais acima, é a nossa conexão com algo maior que nós mesmos – pautada em relacionamentos, prática de atividades como meditação, contato com a natureza –, a religiosidade está associada a um conjunto de dogmas e práticas como adoração a Deus ou a um ser transcendental.
Veja que a espiritualidade pode se relacionar com o divino e o transcendental de uma forma geral, porém sem necessariamente atribuir uma entidade específica, não criando um vínculo comunitário (o despertar espiritual é sempre uma experiência individual) e sem institucionalizar a fé que alguém tem dentro de si.
Isso não quer dizer que a religião não tenha os mesmos efeitos benéficos sobre a saúde mental. Nos tópicos acima, você pôde notar que alguns estudos também incluem a religião.
E endossando o que já foi dito, mencionamos aqui um trabalho realizado em 2015 por pesquisadores da Universidade de Fortaleza e da Universidade Estadual do Ceará, que fez uma associação entre qualidade de vida e religiosidade, em que esta (em conjunto com a espiritualidade) tem papel fundamental no enfrentamento de adversidades (como a morte) e doenças crônicas, depressão, câncer e AIDS.
Saúde mental e espiritualidade
Neste contexto todo abordado aqui, pudemos perceber que os estudos reconhecem a espiritualidade como tendo um papel de extrema importância na saúde mental e no bem-estar emocional, sendo uma eficiente fonte apoio terapêutico.
Isso envolve criar uma série de hábitos que levem a uma melhoria da saúde tanto física quanto emocional, já que ambas não se dissociam. Nutrir pensamentos positivos, praticar o autoconhecimento, resgatar a conexão com seu eu interior… Tudo isso ajuda a manter o equilíbrio entre mente e corpo.
Até abraçar uma árvore ou pisar na terra descalço geram uma conexão com forças e energias superiores. Não há uma fórmula para essa busca espiritual, dado que, como já falamos, a espiritualidade está ligada à essência de cada um, então o despertar é particular.
Apenas tenha em mente que problemas de saúde – sejam eles físicos ou emocionais – devem ser acompanhados por médicos e outros profissionais de saúde. Se você tem algum transtorno psíquico, deve procurar um psicólogo ou psiquiatra. A espiritualidade é um apoio terapêutico importantíssimo e válido, mas quem trata uma doença é o médico. Então é essencial manter o equilíbrio nessa questão, aliando-a aos tratamentos, mas não os abandonando.
O que eu posso fazer?
Já demos uma breve pista de como buscar sua espiritualidade. Mas vamos deixar aqui algumas sugestões para você praticar. Porém nada te impede de adaptar essas práticas ou mesmo criar as suas próprias.
- Medite: essa é uma prática excelente para nos voltarmos para dentro de nós e também nos concentrarmos no aqui e agora. A meditação auxilia no controle da ansiedade, da depressão, regula a respiração e os batimentos cardíacos, acalma e nos conecta a energias superiores.
- Conecte-se com a natureza: eis uma poderosa forma de resgatar nossa essência. A natureza pulsa, é viva. Somos parte dela. Dela viemos, para ela voltaremos. Contemplar o mar, tomar um banho de cachoeira, apreciar o balançar das árvores, fazer uma horta… tudo isso nos conecta a algo maior que nós.
- Seja grato: essa é a melhor forma de viver. Seja grato pelo que tem, pelas pessoas da sua vida, pelos ensinamentos, por tudo. A gratidão torna a vida simples e leve.
- Perdoe os outros e si mesmo: não guarde rancores, não intoxique seu coração e suas emoções com coisas que não voltam mais. Elas podem te ensinar (agradeça a lição), mas não se acorrente a elas.
- Pratique o mindfulness: essa prática, também chamada de atenção plena, nos coloca no tempo presente, fazendo com que estejamos cientes do que estamos fazendo no momento, atentos a cada detalhe do que estamos vivenciando. E ainda ajuda a lidar com emoções negativas e dores físicas.
- Seja solidário: ofereça seu tempo para ouvir, ajudar e fazer companhia. Nosso propósito em comunidade é espalhar boas sementes por aí, que darão bons frutos – para nós e para os outros.
Você também pode gostar
Mesmo que você não siga uma religião ou nem mesmo acredite em um deus, a espiritualidade pode fazer total diferença na sua vida. E isso, a própria ciência é que está dizendo! Estabeleça a conexão consigo mesmo, busque seus propósitos e um sentido para a vida. Está aí, dentro de você, o fôlego da vida, força que floresce, sustentando e equilibrando a sua essência.