Convivendo Filosofia

Filosofia com arte

Livros abertos sob a mesa com óculos de leitura ao lado
Kobackpacko / Getty Images / Canva
Escrito por Luis Lemos

Um certo Filósofo estava apresentando o seu novo romance ao público, na Bienal do livro em São Paulo, quando um leitor se aproximou, visivelmente emocionado por estar diante do seu ídolo, e exclamou.

— Deus meu, acudi-me! Que genial, que espanto, que alegria poder encontrar-me com aquele que me inspira tanto: sonhos, amor, empatia, um mundo mais justo, acolhedor e belo. Tudo isso eu encontro nos seus livros.

O Filósofo, porém, fê-lo parar para pensar ao dizer:

— Meu caro leitor, nenhum talento cai do céu. A arte da escrita, assim como do filosofar, do falar em público, do dançar etc., é resultado de muito esforço pessoal, dedicação e prática.

O leitor franziu a testa. O comentário do filósofo tinha estragado o prazer que estava sentido ao contemplar presencialmente aquele que só conhecia pela leitura de seus livros, pela imaginação.

Leitor entregando livro em sessão de autógrafo para escritor sentado na mesa
pixelshot / Canva

E ele, pensando consigo mesmo, refletiu:

— Oh filósofo ingrato! Como pode pretender que tal habilidade seja fruto da prática? Pelo contrário, eu penso que, ou a pessoa tem talento, ou não tem talento.

O Filósofo, parecendo que estava lendo os seus pensamentos, continuou:

— Talento construído soa falsidade. O que a pessoa pode fazer é aperfeiçoar o talento, mas nada pode surgir do nada!

Aquele jovem olhou para o Filósofo com desprezo e gritou.

— Você não tem nenhum talento mesmo. Fora daqui! Vamos cancelá-lo! Quando perder todos os seus patrocínios, todos os seus contratos, você se lembrará de minhas palavras.

A reação foi instantânea. As redes sociais reagiram negativamente. Aquele filósofo saiu do estrelato ao anonimato em questão de dias. Perdeu todos os patrocínios e nenhuma editora queria saber dos seus escritos. Tentando dar um novo rumo para a sua vida pessoal e profissional, foi morar em Brasília.

Na capital do rock, o filósofo conseguiu um emprego no Congresso Nacional, como assessor parlamentar. Na convivência com deputados e senadores, o filósofo esqueceu da ética, do respeito mútuo, da solidariedade, da família, de Deus. Um dia, porém, numa conversa com um amigo padre, decidiu recuperar sua essência.

— Toda natureza cresce e produz, por que eu não posso ser bom? Por que eu não posso ser verdadeiro?

E no meio de uma crise existencial, dizia para si mesmo:

— É necessário amar o que fazemos e não fazer somente o que amamos.

Anos mais tarde, o leitou que provocou toda aquela mudança na vida do filósofo, estava em Brasília para participar da Bienal do Livro. Ele havia se tornado um renomado escritor, com milhões de cópias do seu primeiro livro vendido, com milhares de patrocinadores.

Feira do livro
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O filósofo decidiu, então, prestigiar o seu antigo leitor. Chegando lá, acomodou-se numa cadeira, bem na frente do palco. Quando o famoso escritor deitou os olhos sobre a plateia, foi dominado pelo espanto:

— Deus meu, acudi-me! Que milagre, que espanto!

O Filósofo, com os olhos ´marejados, respondeu com as mesmas palavras de outra vez:

— Meu caro leitor, nenhum talento cai do céu. A arte da escrita, assim como do filosofar, do falar em público, do dançar etc., é resultado de muito esforço pessoal, dedicação e prática.

— Conte-nos. O que você aprendeu com tudo isso?

— Eu precisei ir ao inferno para aprender que vencer por vencer, enganando os outros, não vale a pena. O que vale a pena mesmo na vida é ser ético, ser verdadeiro, primeiramente consigo mesmo, depois com os outros. Se não for assim, não vale a pena continuar vivendo.

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— E você aprendeu a ser ético aqui em Brasília?

— Sim. Aprende-se com todos e em qualquer lugar.

E o leitor que se tornou escritor terminou sua palestra dizendo:

— Você tem razão. Nenhum talento cai do céu. Minha escrita é o resultado de meu esforço e de minha prática.

Sobre o autor

Luis Lemos

Luís Lemos é filósofo, professor, autor, entre outras obras, de “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas – Histórias do Universo Amazônico” e “Filhos da Quarentena – A esperança de viver novamente”.

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