Espiritualidade

Filosofia & Cristianismo –Filósofo Nilo Deyson

Bíblia aberta com plantas em cima.
Jasmin Ne / Unsplash

Amigo leitor, você talvez nem sabia destas informações nem esperava vir até este meu artigo, contudo, como filósofo, eu quis deixar aqui registrado este artigo para que periodicamente possa ser lido por estudantes e leitores. Portanto tenham uma ótima leitura e espero que gostem. Obs.: Quem quiser conhecer melhor sobre o filósofo Nilo Deyson Monteiro Pessanha pode pesquisar no Google. Enfim, ótima leitura a todos.

A divisão da primeira etapa do cristianismo e o seu desenvolvimento na Antiguidade consiste primeiramente na verdade revelada por Jesus Cristo, na doutrina, ainda que embrionária, que começou a ser desenvolvida pelos Padres Apostólicos, também pelos Padres Apologistas, que se dispuseram a interpretar os ensinamentos recebidos e, por fim, já consideravelmente distante três séculos, o desenvolvimento da patrística, que de certa forma não podemos negar que deu início a uma sistematização do pensamento filosófico que culminou no desenvolvimento de toda a doutrina na Idade Média. Sem qualquer pretensão de querer construir uma forma de pensamento teológico, temos que levar em consideração que neste mesmo período não havia ainda uma divisão sistemática entre filosofia e teologia. Isso significa dizer que filosofia e teologia, razão e fé, caminhavam juntas. Nesse sentido, nossa pretensão, neste primeiro momento, é justamente analisar os elementos da sabedoria pagã, sobretudo do pensamento estoico no contexto cristão da época.

Ao considerarmos que toda a religião é composta por uma sistematização de crenças, que, por sua vez, é precedida sempre pela investigação e posteriormente por uma aceitação, percebemos que no cristianismo essa sistematização se dá sobretudo por meio da verdade revelada. Muito embora sempre que uma investigação filosófica ou mesmo científica é feita sobre a religião, exista um “pré-conceito” de que a religião repudia a ciência. Na relação entre ciência e fé, o homem, ao se deparar com o significado da verdade revelada, deve arriscar entender a fé por meio de um meio investigativo verdadeiro. Uma vez que o homem procura questionar e reconhece a verdade revelada, no seu valor real, bem como por meio do fato “transcendente”, é submetido a ele a exigência de se aproximar e de compreender seu significado para com ela e dela viver. Nesse sentido, o que queremos enfatizar é que essa investigação pode ser feita por meio da investigação filosófica, demonstrando que não há uma oposição, uma ruptura total entre fé e razão, porém tal investigação surge da própria fé. De outro modo, poderíamos afirmar que, de uma forma cíclica, quanto mais o homem investigar acerca da verdade revelada, mais próximo estará dessa mesma verdade.

Com efeito, juntamente com o desenvolvimento cristianismo, floresceu também a própria filosofia cristã. Portanto podemos dizer que a investigação filosófica, dentro do desenvolvimento do cristianismo, tem o objetivo específico de levar o homem ao pleno conhecimento da verdade, da verdade revelada. Tanto Abbagnano como Boehner e Gilson asseguram quanto a filosofia cristã herdou, em vez de ter desprezado os pensamentos da filosofia grega. Nesse sentido, a própria investigação do helenismo, para a filosofia cristã, é uma forma de expressar ao homem o significado da revelação cristã ou ainda de demonstrar um certo modo de vida, ainda que isso seja de forma ampla.

Sendo a verdade revelada aquilo que foi proferido pelo próprio Cristo, podemos investigar o mais profundo dessa revelação. Os meios pelos quais acedemos a este objetivo estão em muitos aspectos compatíveis com elementos da sabedoria pagã. Podemos, assim, afirmar que as doutrinas do último período do helenismo refletem uma posição essencialmente religiosa que, de um caráter amplo, torna acessível o sentido da sabedoria cristã.

Todavia ao falarmos em filosofia, logo pensamos em sistemas. Mesmo os gregos, desde os pré-socráticos, tinham seus “sistemas filosóficos”. No entanto, ainda que, enquanto sabedoria cristã, não evidenciamos uma estrutura sistematizada, pois “ao falarmos de sistemas filosóficos cristãos, não pensamos em estruturas filosóficas acabadas e definitivamente encerradas”, consideramos que no período em que estamos falando, não podemos afirmar sobre uma origem da filosofia cristã aplicando a evidência de um conjunto de reflexões. No entanto esse sistema se torna evidente ao concatenarmos a reflexão acerca da verdade revelada. Não obstante, os registros históricos, o que hoje chamamos de Escrituras, eram a base de todo desenvolvimento filosófico e teológico da época.

A história demonstra que o cristianismo nunca se apresentou nem mesmo pretendeu ser uma doutrina ou mesmo um sistema filosófico. Desde sempre, o cristianismo é uma religião, e a partir disso os primeiros cristãos viram a necessidade de refletir sobre suas convicções posteriores à revelação. Todavia os sistemas e as linhas de pensamentos sempre foram imbuídos de crenças. Ainda que, utilizando a sabedoria pagã, tendo como base as Escrituras, desde o Antigo Testamento, e no decorrer do desenvolvimento da sabedoria cristã, Boehner e Gilson, afirmam:

Imagem disponibilizada pelo autor Nilo Deyson.
Imagem disponibilizada pelo autor Nilo Deyson.

A um pequeno grupo de galileus incultos coube anunciar ao mundo a boa nova do aparecimento, no país da Palestina, de um homem extraordinário chamado Jesus. Nascido de uma virgem, num estábulo de Belém, apresentou-se como Messias anunciado pelos profetas ao povo judeu e a toda humanidade. Viveu como homem entre os homens, e não obstante declarou ser Deus, confirmando seu testemunho com milagres. Prometeu a vinda do reino de Deus, a que os homens deviam preparar-se pela penitência e pelas boas obas. Depois de percorrer a Palestina, fazendo o bem e operando milagres, morreu na cruz, dando cumprimento às profecias e resgatando a humanidade pecadora. Ao terceiro dia ressuscitou do sepulcro, demonstrando definitivamente sua divindade. Finalmente subiu ao céu, donde tornará com grande poder e gloria, para julgar os vivos e os mortos e fundar um novo reino que não terá fim A imagem temporal deste reino é a comunidade dos seus discípulos, presidida pelos apóstolos.

Essas palavras utilizadas por esses autores ainda na introdução da obra História da filosofia cristã sem dúvida sistematizam de forma breve os acontecimentos e a mensagem que o próprio Cristo deixou. Entretanto, como mensagem da redenção humana, do ponto de vista histórico, deparamo-nos com algumas exigências, como morais, ascéticas e religiosas, que acompanham o desenvolvimento do cristianismo. Desse modo, evidenciamos, como explicado anteriormente, que o cristianismo antes de tudo é uma religião, a qual seus seguidores sempre tiveram a pretensão segui-la tal qual ela é, e o que provém disso são consequências da história.

Deixando mais claro, quando nos deparamos com o estudo de história da filosofia, percebemos que toda a filosofia, em todos os seus períodos, cada um com suas particularidades, têm como pano de fundo o homem e seus anseios. Haja vista, mesmo correntes da Antiguidade, no seu caráter cosmológico, que lidavam com o intelecto do homem e, dessa maneira, com problemas de ordem natural. Em suma, podemos dizer que a filosofia concede um olhar racional sobre o mundo ao homem enquanto tal, como ser social, para seu conseguimento natural.

Poderíamos considerar, desse modo, um abismo intransponível entre a sabedoria pagã e a sabedoria cristã. Nesse sentido, a sabedoria cristã, de modo geral, sem especificidades, dificilmente se preocupará com argumentos racionais. Em linhas gerais, ela parte sempre de Deus para o homem, direcionando-o. No entanto o cristianismo, em particular, vem da parte de Deus e se encaminha para a indigência espiritual e moral do homem, oprimido e pela culpa, incapaz de encontrar por si mesmo o caminho do retorno a Deus. Com efeito, no cristianismo há um redirecionamento por meio da graça que reapresenta o sentido da vida após uma decisão, na qual a vida rumará para o destino eterno. Nesse sentido, fica muito forte na doutrina cristã o direcionamento pela graça, de forma que não se aponta o pecado como origem e causa dos sofrimentos, mas que, paradoxalmente, manifesta-se a graça como solução.

Entretanto, a partir dessa novidade cristã, originou-se uma imensa movimentação filosófica. Tal mudança de pensamento está ligada não apenas à necessidade histórica, mas também à exigência psicológica e antropológica interna. Porém não podemos ignorar que o cristianismo se deparou com o pensamento já predominante e que ele exigia, antes de tudo, uma posição. Isso significa dizer que o cristianismo estava diante das ideias passíveis de serem desenvolvidas e valorizadas por meio de uma forma especulativa e sistematizada.

Além das semelhanças, no sentido da graça, o cristianismo assume inicialmente um grande antagonismo, ou mesmo crítica, perante a sabedoria pagã, sobretudo no que diz respeito ao seu contexto religioso. O fato que abrange e proporciona esse aspecto é que os cristãos têm um critério de verdade absoluta diante da verdade revelada. De certa forma, isso proporciona um critério seguro de julgamento mediante as especulações gregas. A especulação cristã, portanto, tem o dever de desmascarar os desacertos da sabedoria pagã. Nesse sentido, a fé cristã compreende pela razão a necessidade de se deixar curar pela fé e pela graça. Alicerçada pela razão, a fé torna capaz de corrigir e aprofundar as conquistas da razão, muitas vezes mutilada pelos pagãos, e de concluir o cumprimento que a sabedoria pagã traçara de forma geral.

Contudo não podemos permanecer nessa espécie de justificativa da filosofia grega. Seria de um caráter muito reducionista, pois, além de justificar os fragmentos da sabedoria pagã, a sabedoria cristã se desenvolve e aprofunda racionalmente as verdades da fé. Por isso devemos levar em consideração também as verdades filosóficas esclarecidas pelo esforço especulativo que sucedem por consecutivas gerações. Encontramos, assim, a justificativa no decorrer da história para delinear o valor filosófico da revelação cristã nos meandros da evolução histórica.

A origem e o desenvolvimento da sabedoria cristã

A sabedoria cristã de modo algum se opõem à sabedoria pagã. As primeiras comunidades cristãs eram formadas por pessoas humildes sempre preocupadas com a fraternidade e a assistência recíproca na esperança de alguma mudança. Por isso Émile Bréhier afirma que: “A única fonte são os registros dos escritos apostólicos, por isso não há uma doutrina coerente e racional”.

Sendo a sabedoria pagã muito anterior ao cristianismo, o mundo estava mergulhado na razão. O grande questionamento acerca do destino próximo tinha as suas respostas no epicurismo e no estoicismo, quanto à ideia de Epicuro, chamada “morte imortal em nada atingia os vivos”. Por outro lado, a aceitação estoica da morte como um dos acontecimentos era desprovida dos mitos dos deuses que haviam sido reduzidos à proporção de uma simples narração histórica, por meio da qual se pode encontrar a história dos defuntos apenas por um simbolismo físico. Nesse sentido, a atitude prática do filósofo da época estava ligada por esse “racionalismo” e guiada, portanto, pelas suas consolações, seus conselhos e sua direção de coincidência.

Com efeito, Émille Bréhier afirma que: “Ao mesmo tempo que os filósofos persuadiam em Roma, Jesus pregava na Galileia para pessoas ignorantes e sem qualquer conhecimento das ciências gregas”. Não obstante às limitações, essas pessoas eram capazes apenas de compreender a mensagem de Jesus por meio de parábolas e pelas imagens que eram ilustradas pela própria linguagem. Em relação a esse conhecimento de mundo, a natureza e a sociedade não intervêm como realidades penetradas da razão e pregadas à compreensão do filósofo; apenas se tornam um inesgotável depósito de imagens para a compreensão do filósofo, porém cheias de significados espirituais. Nesse sentido, encontramos aqui expressas as devidas imagens, inclusive como Bréhier aponta, como os lírios dos campos, o filho pródigo, a dracma perdida e muitas outras que iluminam o caráter popular, contrastando com toda a força da retórica grega.

Um outro aspecto da sabedoria cristã — ou talvez a consequência dos ensinamentos de Jesus — se refere aos ensinamentos para alcançar a felicidade, muito embora não é mediante uma forma de heroísmo da vontade para considerar todos os sucessos externos como mera indiferença. A pobreza, os castigos, as condenações, as injúrias, as injustiças e as perseguições são verdadeiros males. Contudo males que, devido à predileção de Deus pelos humildes e pelos pobres, abrem-nos o Reino dos céus. O sofrimento, portanto, que procede da espera da felicidade, é o estado de discípulo de Cristo.

Imagem disponibilizada pelo autor Nilo Deyson.
Imagem disponibilizada pelo autor Nilo Deyson.

Podemos considerar também, a partir dos ensinamentos de Cristo, que sua doutrina herda do helenismo no tocante à moral, sobretudo à abstração dos prazeres. Porém a ausência de prazeres, segundo Émile Bréhier, não consiste em uma identificação direta com a sabedoria pagã, uma vez que a ausência total de temas e a razão acerca do Universo e de Deus, a história da filosofia deve fundamentar-se no seguinte problema que, por outra parte, não é apenas certo aspecto de um problema um tanto quanto maior e geral que está presente na essência da civilização ocidental. Muito embora não há quem diga, e isso pode se tornar uma afirmação para o pensamento racional. Com a primeira intenção se demonstra que a dogmática cristã, pressupõe o Evangelho e os escritos paulinos, durante os cinco primeiros séculos, principalmente as especulações sobre a natureza do Lógos e da Trindade.

Os períodos posteriores do cristianismo apontam o contrário: uma revolução importante, ou seja, uma nova concepção de Universo. Nesse sentido, buscava-se, por meio da histórica, uma dialética que fosse interna e não fazia perceber que a sabedoria pagã cedia à representação objetiva das coisas, uma imagem do Universo que é sempre uma forma para o espírito que contempla e que nos remete à filosofia aristotélica de que se torna idêntico ao objeto aquele que o conhece. Contudo “já no estoicismo o sujeito tem autonomia do que a adesão inteira ao objeto”. O cristianismo, por sua vez, conhece o sujeito autônomo, independente do Universo dos objetos, cuja atividade não se esgota toda em pensar no Universo, apenas que tem vida própria, vida de sentimento e de amor incapaz de ser traduzido em términos da representação objetiva. O cristianismo afirmou, com maior e melhor originalidade de sua colaboração no pensamento humano, o descobrimento de toda irredutibilidade pertence ao sujeito — o coração, o sentimento, a consciência — que resulta, assim, apenas na civilização cristã e poderia desenvolver o idealismo que fez da natureza íntima do sujeito, o princípio de desenvolvimento de toda a realidade.

Com efeito, no decorrer do início do desenvolvimento da sabedoria cristã, precisamos considerar vários fatores, não apenas da relação entre o cristianismo e a cultura grega. Todavia não são necessários muitos fatores que primeiramente extraídos da sabedoria pagã se posicionam no sentido de um discurso e que proporcionam uma organização relacionada com os conflitos e as divergências entre pagãos. Contudo, na tentativa de refletir de modo próprio o subsídio de instrumentos racionais oferecidos pela civilização que o cristão encontrava, simplesmente lhe permitiam a revelação, a qual não necessitava de reflexão filosófica.

Nesse sentido, logo surgiram as exigências da “evangelização” diante dos pagãos — e era preciso uma vasta e profunda cultura, porque Jesus pregava para homens sem a noção de mundo e de cosmos que os gregos tinham. Porém, devido a esse avanço do cristianismo, os seguidores e adeptos ao cristianismo viram a necessidade de acederem à cultura, e isso se tornou uma exigência urgente e determinante. Por isso os cristãos se adequaram ao plano teórico de outros pensamentos, assimilando tudo o que era benéfico para o cristianismo para propagar sua própria doutrina. Sustando isso, afirma Moreschini: “Logo o grego tornou a língua da Igreja e isto favoreceu em muito o diálogo com a cultura grega. Sobretudo Lucas, evangelista e autor do terceiro evangelho e dos Atos dos Apóstolos, desenvolveu seus escritos em um grego muito coerente naquilo que era falado na época”. Também as atitudes missionárias determinavam a demonstração e a colocação da mensagem cristã de modo que não estivesse muito distante da que obteriam os pagãos cultos, da mesma forma que esse perceberá aceitável.

O apóstolo Paulo, segundo o livro dos Atos dos Apóstolos (17, 17-31), dirige-se aos que estavam no Areópago com a pretensão de propor uma mensagem cristã de modo que fosse dirigida a todos os filósofos, com a exclusão dos epicureus e estoicos, ainda que fizesse uso de um fragmento inspirado no próprio estoicismo. Ainda de acordo com Moreschini, provavelmente isso se deve ao próprio materialismo, apesar de que, em última análise, possa ainda parecer uma forma precisamente estoica.

Portanto o discurso de Paulo pode ser considerado também a forma de um discurso missionário dos cristãos da época em contato com um grupo consideravelmente grande de pagãos, que, por sua vez, não tinham qualquer conhecimento dos ensinamentos de Cristo. Paulo contrapõe o politeísmo tradicional à existência de um Deus transcendente, um conceito muito questionável ou ainda incompreensível ou mesmo inadmissível pelos conhecedores da sabedoria pagã ali presentes. Sobre os aspectos formais, as cartas de Paulo recordam a existência de escritos em forma de cartas filosóficas, às quais os leitores pagãos estavam acostumados. Um exemplo claro é a epístola de Sêneca endereçada a Lucídio. Porém Paulo se mostra algumas vezes ressentido da influência da diatribe cínico-estoica, a alegorização dos fatos e das figuras desde o Antigo Testamento, que provinham da contemporânea filosofia estoica em relação à poesia homérica.

Consideremos nesse contexto o autor do quarto evangelho, João. Muito embora ele esteja distante da forma com que os gregos pensavam, há uma forma de interpretá-lo segundo parâmetros da filosofia estoica e também platônica. O conceito primordial para João é o de Cristo-palavra, ou seja, Cristo como o Lógos do Pai, o qual fora transladado para um aspecto racional e de ideias por meio de uma referida função. No estoicismo, o efeito do Lógos representa a suprema razão divina, imanente no Universo em que tudo governa. Todavia o evangelista determinou o filho de Deus como verbo, ou Lógos. Esse Lógos fora interpretado como a “suma sabedoria”, da qual afirmava um texto ainda do Antigo Testamento, do livro da Sabedoria, escrito segundo estudos exegéticos no século I antes de Cristo, período de passagem entre o médio estoicismo e estoicismo romano. Entretanto sejam contemporâneos e complementares, não há registros de que tenha havido qualquer correspondência entre ambos.

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Apesar de todos esses elementos gregos presentes no desenvolvimento da sabedoria cristã, essas influências não foram recebidas passivamente. Havia um “filtro” conceitual. Atestamos esse “filtro”, ou mesmo este discernimento por razões essencialmente cristãs, o mesmo Lógos do prólogo de João não era um conceito abstrato que adentra diretamente na humanidade. Isto significa dizer que, uma vez que se faz carne, ele é, portanto, o mesmo homem que sofreu e morreu na cruz, de morte ignominiosa, a qual Paulo afirma: “Escândalo para os judeus e para os gregos, loucura para os pagãos.” No mesmo período, as pregações que os Apóstolos pregavam a partir de figuras que tiveram relação direta com as parábolas do próprio Cristo, e destinados a seus companheiros, além dos escritos apócrifos ou ainda narrações de fatos adventícios realizados por eles mesmos, que eram chamados de escritos “pseudosclementinos”, e que passaram por influência do romance grego. Segundo Moreschini, é neste mesmo período que a Carta de Clemente de Roma fora enviada à comunidade cristã de Corinto para admoestá-los à concórdia e à paz, demonstrando, assim, atribuições da filosofia estoica e cínica. Porém especificamente esse grau baixo e praticamente nada teórico e rigoroso das escolas filosóficas era evidentemente difundido na cultura pagã e, portanto, era possível servir de pretexto para a doutrinação cristã. Desse modo, a doutrina cristã, por meio dos escritos de Clemente, revela os princípios estoicos de harmonia que reina no Universo e as devidas comparações na pregação moral dos cínicos e também na lista das virtudes que derivam da união cínico-estoica.

Do ponto de interpretação histórico, desde o século I, com todas as incertezas e movimentos que adentraram na Idade Média até à Modernidade — e, de certo ponto de vista, até à Contemporaneidade —, os autores já estavam prontos para dialogar com a cultura pagã grega. Como falamos no parágrafo anterior, sobre a epístola de Clemente, logo foram também desenvolvidas as obras apologéticas. Todavia esse caminho que estamos desenvolvendo e detalhando, ainda que de forma geral, não foi nem para a sabedoria cristã, nem mesmo para a história da Igreja, um caminho retilíneo progressista, mas sim um caminho de tratativas de questões espinhosas que, em forma cíclica, passou por compatibilidades e incompatibilidades que auxiliaram no desenvolvimento da sabedoria cristã. Por isso vamos agora analisar as semelhanças entre o cristianismo e o estoicismo.

As semelhanças entre o cristianismo e o estoicismo, vistos e analisados segundo minha forma de compreensão, digo que é como eu, Nilo Deyson, enxergo.

Após termos verificado a origem e o desenvolvimento da sabedoria cristã e a sua relação com a cultura grega de forma geral, muito embora sempre mais tocante ao helenismo, pretendemos agora desenvolver um ponto específico da relação entre o estoicismo e o cristianismo. Evidentemente, antes de desenvolvermos as semelhanças, é necessário retomarmos que o estoicismo é uma escola filosófica dentro do período chamado helenismo. O cristianismo, por sua vez, é a religião fundada por Jesus Cristo, e não é propriamente um sistema filosófico. Todavia, devido à sua expansão geográfica e demográfica, foi necessário adaptar a sua linguagem das pregações para os quais estas eram dirigidas. Todavia não somente isso: foi necessário inculturar a mensagem cristã a muitas outras questões proeminentes na época.

Por isso a estrutura das pregações cristãs era, sem dúvida alguma, essencialmente semítica. Todavia historicamente, a partir do segundo século, o cristianismo se difundiu nos territórios em que predominava a cultura helenística romana e foi imbuído de formas do pensamento ocidental. A influência estoica diz respeito à síntese do pensamento cristão, posteriormente também aos conceitos que podem ser acomodados a expressar verdades cristãs e que por vezes são acolhidas e aplicadas à construção cristã. De outro modo, a referência ao estoicismo versa à orientação espiritual e ao otimismo estoico.

Ao retomarmos o registro do discurso de Paulo no Areópago (relatos bíblicos dos Atos dos Apóstolos), percebemos um grande acento dado a uma correspondência com a filosofia estoica. Se não isso, ao menos Paulo evidentemente conhecia a filosofia estoica e posteriormente a pautou em sua moral embasada na doutrina da stoá.

Nesse sentido, o principal aspecto que nos leva não a uma continuidade absoluta ou mesmo a uma plena identificação do cristianismo com a filosofia estoica é o período histórico no qual surge o cristianismo. Uma leitura ainda que superficial dos estoicos, sobretudo, do chamado estoicismo romano, impressiona pelas proximidades com o pensamento cristão. Essas semelhanças se tornam mais evidentes ao caminho dos antigos estoicos e aos representantes da patrística cristã. Todavia nos livros do Novo Testamento encontramos pontos fundamentais dos últimos estoicos ou dos autores do estoicismo Romano ou Imperial — Sêneca, Epiteto e Marco Aurélio. Essa ligação acontece entre os escritos de certa maneira em Cristo, João, Paulo e outros autores sacros.

Céu azul com nuvens alaranjadas.
Kajetan Sumila / Unsplash

Poderíamos dividir em três conceitos fundamentais essa proximidade: primeiramente a existência de Deus, depois a Natureza Divina e por último a Providência Divina. Ao desenvolver o primeiro conceito, Sanson traz a seguinte citação de Epiteto: “A primeira coisa que é mistério é aprender que existe um Deus que tudo governa com a sua providência e a quem não podem estar ocultos nem nossos atos, nem nossos pensamentos e desejos”. Desse modo, é evidente que Epiteto crê em um Deus que criou o Universo e tudo providencia. Nesse sentido, afirma Sêneca: “Crê-me, isso foi feito por aquele que deu forma ao Universo, seja ele o Deus senhor de tudo, cuja incorpórea razão, artífice das maiores obras, seja o divino espírito difundido com igual intensidade em todas as coisas”. Quanto a Marco Aurélio, Sanson apresenta o seguinte trecho: “Aos que perguntavam onde viste os deuses ou quando averiguaste que existem, para os adoradores: primeiro, eles são visíveis a nossos olhos, depois, ora! tampouco vi minha própria alma, sem embargo, respeito-a. Assim também quanto aos deuses; das provas que tenho, em todo momento, de seu poder, deduzo que existem e venero-os”. Tiramos de conclusão que a apreensão com os enigmas humanos os deixaram na inteira dependência do homem, para que eles não viessem a sucumbir numa desgraça, todavia, caso eles não existissem ou não se ocupassem com os assuntos humanos, de que serviria para viver em um mundo vazio de deuses ou mesmo seria vazio da providência?

Referente aos autores cristãos que, de certa maneira, aplicaram o estoicismo em seus escritos, temos os Padres do século II que adotaram a doutrina estoica pelo conceito de que o homem é animal racional formado por unidade, contra o dualismo platônico como corpo cárcere da alma. Portanto a alma, segundo os estoicos, é corpórea e cresce com o corpo, então se desenvolve e acompanha sua sorte.

Irineu de Lyon concebe a ideia de que o corpo é parte do homem, da mesma forma que a alma. O homem perfeito, para Irineu, é aquele que Paulo define como “corpo, alma e espírito”. Diferentemente, Tertuliano interpreta o homem por uma estrutura unitária, composta de alma e corpo, em uma união sólida, da mesma forma que para os estoicos a morte é a separação da alma e do corpo. Neste mesmo raciocínio, segundo Bernardino, a estrutura do estoicismo remete a Tertuliano, ao desenvolver seu pensamento contra os gnósticos, movimento herético que não abordamos, mas que de modo universal rejeita a encarnação de Cristo — portanto a ressurreição e a recomposição de alma e corpo sob uma interpretação dos que aderiram ao pensamento gnóstico de um modo platonizante. Contudo, para Tertuliano, a alma, como já afirmamos, é corpórea, provinda do sopro de Deus. Tal sopro não é equivalente ao espírito. Da mesma forma que “corpórea” não é a mesma coisa que “material”. Todavia, para os estoicos, toda realidade é corpórea e o que não é corpóreo não é real, haja vista o próprio governo do mundo. A alma é, portanto, a ideia que os estoicos tinham e que apresentam como pneuma. Com efeito, o pensamento estoico, para Tertuliano, não deve ser entendido como antiespiritualista.

Ainda referente à alma, Cícero e Sêneca, os pensadores do estoicismo romano, dizem que pela natureza ela é um bem ontológico e moral que persiste da mesma forma envolvida e sufocada por cumprimentos de preceitos e erros. Durante o século IV, a partir de Basílio de Cesareia, em um conceito “estoicizante”, a iniciativa do bem favorece pelo bem da natureza. O “bonum naturae” se concretiza também no conceito da origem estoica, como outro termo latino, “semina virtutum”. Essas tais sementes que expusemos são sementes inatas e proveniente da natureza.

Alcançamos, propriamente, o conceito de Deus, no contexto dessa relação entre a religião cristã e o sistema filosófico do estoicismo, que é Deus imanente ao mundo manifesto por meio da ordem do mundo. Mais uma vez, temos que nos dirigir a Tertuliano, que considera Deus cognoscível, mesmo num sentido criacional, ou seja, Deus criou o mundo por si mesmo e por meio de si. Desse mesmo modo, Deus é conhecido.

Quando à Providência Divina, o estoicismo admite a sua concepção, segundo Marco Aurélio, atribuída ao próprio mundo ou mais especificamente ao governo do mundo. Portanto Deus se torna imanente ao mundo e, nesse sentido, o próprio ato de Deus ter vindo ao mundo já é um ato dessa providência. Aqui, o conceito estoico fora equivalido ao dogma cristão.

Desse modo, podemos afirmar que a própria doutrina estoica é essencialmente a doutrina do antropocentrismo cósmico, à medida que Deus criou todas as coisas e colocou tudo à disposição do homem. O mesmo conceito aparece em Justino, sobre o qual também nos deteremos posteriormente, pois, para Justino, Deus ciou o mundo e todas as coisas para a utilidade do homem. Consideravelmente anelar, um dos escritos de Sêneca, que a natureza com deus e com a divina razão que prevalece no mundo. Em Tertuliano, tudo foi criado pelo Verbo. É por isso que Deus e o mundo estão ligados, haja vista que, apesar de Tertuliano concordar com o monismo estoico, Deus e o mundo estão diretamente anelados, por isso que ele identifica que o natural é o racional. A natureza, de acordo com Tertuliano, é a Lei natural vinculada a Deus, porque Deus é o seu autor, contrapondo isto: o que não provém da natureza provém do diabo. No estoicismo, predomina a norma de viver segundo a natureza, consequentemente a lei da natureza física exerce um valor moral, da mesma forma que o homem é parte do cosmo e regido por ele. Clemente de Alexandria se identifica com a ordem racional do mundo e aparece uma evocação a filosófica do Pórtico.

A respeito da autêntica carta referida a Clemente, segundo Drobner, a tradição aplica um segundo escrito a Clemente. Muito embora haja controvérsias, os manuais mais antigos classificam o escrito como a mais antiga homilia cristã conhecida de origem anônima. Há uma pressuposição de que consiste nos mais antigos presbíteros quando, após serem reabilitados no ministério, teriam redigido a próprio punho uma exortação, que foi exposta para toda a comunidade por meio de um deles. Entretanto a primeira parte desse escrito se evidencia em dois aspectos: primeiramente a ação disciplinadora e posteriormente os aspectos da cristologia, penitência e ascética.

Segundo os pesquisadores do estoicismo, últimas fontes que temos, sobretudo as mais recentes, reconhecem no matrimonio a única finalidade de procriação: gamos e paidopoiía são inseparáveis. Por isso separou-se o prazer isolado da procriação. Sêneca e Epiteto estão intimamente ligados à doutrina de Justino. A observância estrita nas relações conjugais se remete ao estoicismo, bem como aos escritos bíblicos. De acordo com os estoicos, o prazer é a exaltação irracional da alma e, como ao absolutamente reprovável, deve apenas triunfar o Lógos. As paixões devem ser erradicadas. Epiteto, por sua vez, encontrou no manaquismo grande aceitação, pois afirma: “O monge perfeito é delineado com os traços do sábio estoico”.

Por fim, consideramos a presença do estoicismo nos Padres da Igreja, e o seu triunfo em seus pensamentos se devem às convergências, muitas vezes apenas exteriores, com o cristianismo. Desse modo, obtemos certos termos e categorias do pensamento, bem como elementos de função doutrinal que concorrem para o desenvolvimento científico do pensamento cristão. Da mesma forma que afluem na tradição filosófica e atestam a veracidade e a potência do movimento de onde provêm.

Realizadas essas considerações acerca das semelhanças entre o estoicismo e o cristianismo de maneira geral, vamos agora direcionar a nossa atenção para aquela que pode ser considerada a maior delas: o Lógos.

Mulher com a cabeça levantada num campo.
Jackson David / Unsplash

No prólogo do Evangelho segundo João, há afirmação da existência do Lógos, este que no princípio estava com Deus e era Deus. O Lógos dos cristãos, ao qual se refere João, está intrinsicamente ligado à criação e ao governo do mundo que vimos nos estoicos. Ele entrou no mundo e assumiu a carne, ou seja, o corpo humano. Esse Lógos, ou Verbo, por meio do qual foram criadas todas as coisas, levou a carne também a ser redimida. O Lógos estoico é aquele que está imanente ao mundo, dessa forma tudo acontece pela direção do Lógos, e a moral está justamente em se deixar viver sob o governo desse Lógos; o homem tanto é mais sábio quanto mais está ligado a essa ordem imanente:

No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito. O que foi feito nele era a vida, e a vida era a luz dos homens; e a luz brilha nas trevas, mas as trevas não a apreenderam. Houve um homem enviado por Deus. Seu nome era João. Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. Ele era a luz verdadeira que ilumina todo homem; ele vinha ao mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o conheceu.

O que mais nós levamos em consideração na doutrina do Lógos, no contexto da sabedoria cristã, é que a existência desse Lógos e sua encarnação, além de manifestar escândalo para os judeus e loucura para os pagãos, é colocado em uma máxima especulação cristã. Do ponto de vista histórico e filosófico, essa questão foi determinante para a sabedoria cristã. Os primeiros cristãos, ainda que não tivessem um pensamento sistematizado, convenceram-se da necessidade da filosofia para aceder aos mistérios divinos, arraigando a reverência a Deus, incompatível com qualquer forma de um mero racionalismo. Consequentemente, contribuíram perceptivelmente para elucidar os conceitos da pessoa, como afirma tanto da natureza como da hipótese. Podemos assim levar em consideração o aguilhoamento da disciplina lógica, uma vez que as formas de predicação resultaram da comunicação dos idiomas em Cristo.

O Verbo ao qual se refere o início do Evangelho de João — ou melhor, para nos aproximarmos um pouco da linguagem filosófica, o Lógos —, que João considera o próprio Deus, debela em si mesmo todas as ideias. Muito embora o trecho acima que extraímos de João estivesse longe de reiterar a doutrina platônica das ideias, é evidente que ele encorajou os pensadores cristãos a intercalar no seu contexto a teoria do filósofo. Todavia o Lógos, sendo definido como princípio do mundo e luz, faz com que tenhamos a mais eminente das analogias materiais da luz invisível ou do Lógos. Ou seja, ela vem a assumir lugar particularmente importante na explicação do mundo criado por este Lógos. Considerando essa ordem, a ordem das ideias, temos, de forma geral, a continuidade de muitos pensadores cristãos pela metafísica da luz que é por eles concebida como substância original do cosmos.

O Lógos, nesta continuidade, é o princípio que manifesta Deus no decorrer da história, e isso aconteceu no passado, primeiramente na história do povo hebreu. Nesse sentido, Justino interpreta por meio das Escrituras que os profetas teriam sido inspirados pelo Lógos. Daí a doutrina das razões seminais, sendo o próprio Lógos o “princípio seminal” que se estendeu também ao helenismo. Com efeito, tudo o que os filósofos e legisladores dos gregos encontraram e penosamente conseguiram, mediante a procura e a pesquisa, foi graças àquela parte do Lógos que a eles tocara em forma de “semente”. Nesse sentido, podemos considerar que os estoicos, como nos referimos anteriormente, mostraram-se ágeis intelectuais na ética.

Devemos também levar em consideração que o desenvolvimento da sabedoria cristã não é propriamente uma continuidade da filosofia grega. Por isso há também a diferença fundamental a qual os apologetas definiram. Todavia os filósofos gregos adquiriram seu conhecimento por meio da inspiração em parte do Lógos. Portanto podemos afirmar que a sabedoria pagã era limitada, haja vista a própria demonstração de suas recíprocas divergências. Consequentemente, essa demonstração concebida por Justino provinha sobretudo dos filósofos acadêmicos e também dos participantes do ceticismo para levar à exposição da impossibilidade de o homem conhecer a verdade — e servia como um instrumento controverso ao dogmatismo. A grande questão era a utilidade que essa concepção tinha para os cristãos.

O que devemos levar em consideração, sublinhando essa aproximação e diferença, consiste na semente de uma coisa não ser a coisa completa ou ato em si, da mesma forma que a imagem não é o reflexo perfeito da realidade. Assim sendo, o homem a aprende à medida em que é permitido às suas capacidades intelectuais, para participar dela e, posteriormente, para se configurar a ela necessita da graça. Portanto o cristão se encontra em uma condição diferente, porque está livre da incerteza típica da natureza humana, ao mesmo tempo em que a graça de Cristo for derramada sobre ele. Dessa mesma forma, Justino conta não apenas com a capacidade da arte oratória, mas aplica também o dom da graça de Deus. Desse modo, a diferença entre o helenismo e o cristianismo é interpretada racionalmente como diferença entre natureza e graça.

Em todo caso, se a razão humana, que é a profusão ou a configuração, ou inda, poderíamos afirmar, a continuação, diferentemente do modelo inesgotável, apesar de entre uma e outra existir uma estreita finalidade. A ideia que está aqui incutida na concepção justiniana retoma a interpretação que Fílon já tinha exposto para a expressão do início das Escrituras do livro de Gênesis: “Segundo imagem”. O termo seminal, antagonicamente do sentido cristão, contudo, elaborado pelo estoicismo, é derivado, e, portanto, deve ser entendido ativo e indicador de semente, ou, mais precisamente, que semeia as suas doutrinas no homem. Desse modo, como o Lógos é a verdade absoluta, os filósofos participam dele.

Contudo Justino, apesar de louvar a cultura grega, impõe alguns limites ao seu alcance. As semelhanças relacionadas primeiramente entre o pensamento helenístico e judaico, entre helenismo e cristianismo, posteriormente explicam com a imagem muito alastrada desde os tempos áureos do helenismo em aspectos judaicos do chamado “furto grego”. Fílon já havia afirmado que os gregos tinham retomado alguma coisa do Antigo Testamento. Portanto podemos considerar, sem sombra de dúvida, que Justino é certamente condicionado, intelectualmente falando, da tradição greco-judaico, sobretudo no que se desenvolveu em Alexandria, quando afirma que Moisés foi o mais antigo dos escritos gregos.

Nesse sentido, podemos considerar que Justino está situado na tradição de João, o evangelista. O que mais é levado em consideração é acerca da doutrina do Lógos. Para compreendermos isso, é necessário ter em mente que a grande novidade para os cristãos consiste na encarnação de Jesus Cristo, o Verbo, ou seja, o Lógos se tornou pessoa e adentrou a história. Portanto esse é o conceito mais estranho aos gregos. Tão estranho e controverso que se torna um escândalo para as crenças gregas.

Portanto o conceito de Lógos é o mais proeminente na filosofia grega que entra na filosofia cristã. Muito embora, não sendo essencialmente sinônimos em ambas as filosofias, percebemos no prólogo do Evangelho de João, bem como nos apologetas e, mais especificamente, nos escritos de Justino como os cristãos aproveitaram o conceito grego que governa o mundo, provê e movimenta todas as coisas para a aplicação ao conceito que criou, governa e provê. A novidade para os cristãos consiste na encarnação desse Lógos.

A partir dessas considerações, podemos afirmar que a sabedoria pagã não foi absoluta e simplesmente cristianizada. Por sua vez, o cristianismo não é um sistema filosófico que “cultua” o conhecimento e se encerra em apenas um novo pensamento na história. Isto significa dizer que, com o surgimento do cristianismo e o seu desenvolvimento na história, os que aderiram à doutrina viram a necessidade de sistematizar de forma racional seus pensamentos, mais especificamente de racionalizar a mensagem de Jesus Cristo e a sua doutrina, para favorecer a evangelização dos povos.

No que diz respeito à influência estoica, tivemos que nos remeter à significação dessa escola filosófica que resistiu aos períodos da história e prevaleceu de diversas formas, sejam elas do ponto de vista antropológico ou cosmológico. O apreço pela ordem cósmica, com as noções que lhe estão inclusas, de destino e providência, foram conceitos amplamente abordados e delineados pelos estoicos e adentraram à filosofia e à teologia cristã.

Imagem disponibilizada pelo autor Nilo Deyson.
Imagem disponibilizada pelo autor Nilo Deyson.

Nesse sentido, com a finalidade de fundamentar elaborações teológicas oriundas do neoplatonismo e como meio interpretativo do próprio aristotelismo, a contribuição dos estoicos tem a sua validade. E isso, no tocante às doutrinas de caráter cósmico, a análise das emoções e a sua condenação, o conceito de referência e autossuficiência e da liberdade do sábio, que tiveram uma grande contribuição para o desenvolvimento da ética cristã a partir de uma noção de valor. No que diz respeito ao cristianismo, esse valor fundamental da ética é o que determina em muito a doutrina cristã, tanto de um ponto de vista ascético, como o domínio dos prazeres, quanto da supremacia da virtude.

Todavia a grande novidade para os cristãos consiste na encarnação de Jesus Cristo, o Verbo, ou seja, o Lógos que os estoicos já tratavam e que se tornou pessoa e adentrou a história. Portanto esse é o conceito mais estranho aos gregos. Tão estranho e controverso que se torna um escândalo para as crenças gregas. Nessa perspectiva, a forma como João desenvolve o seu prólogo pode ter até mesmo uma interpretação cósmica, que não é o objetivo de nossa pesquisa. Porém o que constatamos com isso é que o governo do mundo, do Universo, que rege, tudo dirige e que, para João, tudo houvera criado, entra de forma imanente, ou seja, rompe a transcendência e entra na história. Isso não só espantava os estoicos, mas também os epicureus e céticos, entre outros.

Podemos considerar, portanto, que, a doutrina do Lógos é a maneira de concatenar em uma doutrina elementos helênicos e judaicos em um único pensamento. A afirmação de João que: “O verbo se fez carne e habitou entre nós” é de caráter essencialmente religioso, não filosófico. Todavia tal expressão não é de fácil compreensão para os estoicos. Porém o fato de que o estoicismo, sobretudo em seu terceiro período, influenciou os pensadores cristãos, tanto filosófica quanto teologicamente a partir do que foi desenvolvido pelos Padres da Igreja é o que Sanson considera como tese verdadeira. Historicamente, no segundo século essa influência se tornou ainda mais forte, uma vez que alguns estoicos se converteram ao cristianismo e possuíam uma leitura da própria fé pautada pela filosofia.

Sobre o autor

Nilo Deyson Monteiro Pessanha

Sou filósofo, escritor, poeta, colunista e palestrante.
Meus trabalhos culturais estão publicados em diversas plataformas. Tenho obras e livros publicados.

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Sou uma incógnita que deve ser lida com atenção e talvez somente outras gerações decifrem meu espírito artístico. Sou muitos em mim e todos se assentam à mesa comigo. Posso não ser uma janela aberta para o mundo, mas certamente sou um pequeno telescópio sobre o oceano do social.

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