Outro dia me perguntei quando foi que percebi a presença da morte na minha vida pela primeira vez. Quando foi que comecei a entender o que significava morrer.
Há pessoas que perdem parentes e amigos quando crianças e já sentem a presença dela – da morte, desde cedo. Há também quem passe pelas perdas quando criança, mas não tenha noção exata do que significa nunca mais ver determinada pessoa.
Busquei minhas memórias e recordei que por algum motivo que desconheço, durante um período de minha infância, minha ideia sobre morte era: somente adultos e velhos morrem. E morrem por serem adultos e estarem doentes. Mas, ao ler o livro “Cazuza”, de Viriato Corrêa, aos 10 anos, aprendi que crianças adoeciam e morriam. Morrer não era coisa de gente grande.
Essa “descoberta” me causou espanto e passei dias pensando sobre a morte dos meus amigos e notando a presença da morte nos jornais, nos filmes e até nos desenhos. Creio que um ano depois, minha tia retornava da guerra do Golfo (era missionária) e trazia com ela muitas histórias sobre morte; fome, guerra, corpos ou pedaços deles na beira das estradas. E, assim, minha visão infantil compreendeu que a morte também acontecia em outros países, com outras pessoas; crianças e adultos. E que nem sempre era causada por doenças.
Ainda criança, num domingo qualquer minha cachorrinha morreu diante dos meus olhos… Foi a primeira vez que presenciei um último suspiro. E a cada dia eu notava a morte se fazendo presente em todos os lugares.
Há uns três anos tive uma hemorragia interna que me levou para o pronto atendimento durante a madrugada. A dor era intensa e eu mal conseguia respirar e me manter em pé. Já no hospital, fui levada para um exame de ressonância magnética.
A dor estava insuportável e nos minutos que permaneci dentro da máquina para a realização do exame pensei comigo mesma: tenho certeza de que estou morrendo, é meu fim… Preciso fazer algo para aproveitar meu último instante de vida. Preciso me despedir agradecendo. Fechei os olhos e comecei a listar meus agradecimentos. Um a um, bem devagar.
Quando notei este pensamento, estranhamente me acalmei. Senti alguma conexão forte com meu espaço interno de paz. Não sei explicar; sabia que estava mal, mas sentia que estava bem. O medo estava presente – o medo de morrer, mas sentia que tudo bem partir. Até porque estava com tanta dor que minha mente não aguentava mais e se ficar sem aquela intensa dor física significava morrer, naquele momento estava tudo bem morrer.
O exame acabou, tomei medicação e passei mal. Quase morri parte 2. Durante as convulsões lembro-me de ter perguntado ao médico se estava morrendo. Não, não estava. Era apenas reação alérgica.
Foi um susto e tanto! Não sei se passei perto, se foi o auge da dor, o medo, o hospital e todo esse pacote de acontecimentos, mas foi assustador perceber o fim da linha.
Recuperei-me bem, sem qualquer sequela. Mas morri naquele dia. Algo em mim morreu. Talvez um personagem, uma certeza, uma ilusão…
A cada história que escrevo, percebo que algo no meu passado se desfaz. Detalhes e lembranças morrem nas entre linhas e uma nova história nasce em outro lugar. É o constante ciclo de nascimento e morte.
É difícil lembrar-me e aceitar que nada está garantido. Não há O final feliz. Qualquer momento pode ser final. E o que seria um final? Assim como qualquer momento pode ser feliz.
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Mas acredito tanto na oportunidade de um novo dia! Aprecio o nascer do sol, o brilho das estrelas, o vento soprando, a chuva que chega, a chuva que vai… Quero ficar! Sempre um pouco mais, mais um dia.
Tento estar presente e fazer valer cada instante, cada respiração. Tento compreender com respeito e humildade, que a morte está presente porque ela é parte da vida.
Desejo que todos nós saibamos contemplar sabiamente a morte para sermos capazes de apreciar e viver em harmonia e compaixão com a vida! Com a nossa vida e toda vida que nos cerca e nos completa.