Você já ouviu falar em pessoas intersexo e gostaria de saber mais sobre essa parcela da população, diga-se de passagem, bastante invisibilizada socialmente? Neste artigo, vamos desmistificar a intersexualidade, trazendo uma compreensão objetiva e respeitosa acerca dessa condição natural.
Aqui você vai entender os conceitos fundamentais da intersexualidade, conhecendo suas características físicas e biológicas, além das questões de identidade de gênero que as pessoas intersexo podem enfrentar.
Vamos falar também da importância da visibilidade intersexual, a luta pelos direitos dessas pessoas e como a promoção da inclusão é essencial para uma sociedade mais justa, igualitária e evoluída. Prossiga com a leitura e abrace a diversidade!
Direto ao ponto
- Intersexo: o que é e como se caracteriza
- Aprofunde-se no significado e nas pautas de cada “letra” da sigla LGBTQIA+
- Dia da Visibilidade Intersexo: um marco para a comunidade
- A bandeira intersexual e sua simbologia
- Desafios da população intersexo
- Desmistificando os paradigmas
- Mitos que precisam ser derrubados
- Tudo sobre intersexualidade:
Intersexo: o que é e como se caracteriza
Intersexo é um termo usado para descrever quem nasceu com características sexuais que não se encaixam estritamente nas definições típicas de masculino ou feminino.
Essas características podem incluir genitais, cromossomos, hormônios ou órgãos reprodutivos que não correspondem ao padrão binário de sexo masculino ou feminino.
Portanto, como você pôde perceber, a intersexualidade é uma condição biológica. Em algumas pessoas intersexo, os atributos sexuais podem ser ambíguos ou apresentar variações atípicas. Por exemplo, pode haver um misto de aspectos típicos de ambos os sexos, ou os traços sexuais podem não se desenvolver completamente conforme as expectativas médicas convencionais.
Essa diversidade biológica pode implicar questões de identidade de gênero. Dessa forma, há pessoas intersexuais que se identificam como homens, outras como mulheres ou mesmo não binárias. Há ainda aquelas que vivenciam uma jornada de autodescoberta para identificar seu gênero ao longo do tempo.
Cumpre ressaltar que ser intersexo é uma variação natural da biologia humana, e não uma condição médica ou doença. Portanto, é uma questão de direitos humanos, tratada pelos Princípios de Yogyakarta, um documento internacional dedicado à orientação sexual, à identidade e expressão de gênero e às características sexuais.
E é vital levar essa questão muito a sério, já que, infelizmente, ao longo da nossa história como sociedade, muitas pessoas intersexo foram submetidas a procedimentos médicos para “corrigir” características sexuais ambíguas, o que se configura como uma grave violação aos direitos humanos.
A boa notícia é que hoje em dia há uma maior conscientização sobre os direitos das pessoas intersexuais, incluindo o respeito à sua autonomia na tomada de decisões médicas — ou seja, realizar algum procedimento deve ser uma iniciativa da própria pessoa, se assim ela julgar necessário.
Aliás, parte de ser respeitoso inclui o uso do termo “pessoa intersexo”, em vez de falar da intersexualidade em si. E cabe uma orientação quanto à identidade de gênero: essa é uma experiência pessoal. Portanto, não existe uma forma certa ou errada de ser intersexual.
Aprofunde-se no significado e nas pautas de cada “letra” da sigla LGBTQIA+
Dia da Visibilidade Intersexo: um marco para a comunidade
Agora que você tem uma melhor percepção sobre o que é intersexualidade, já tem uma melhor compreensão de que as pessoas intersexo estão sujeitas a diversos desafios seu dia a dia — sobre os quais falaremos mais à frente.
Então é mais do que válida qualquer medida que venha tornar a vida delas um pouco menos difícil. Uma dessas medidas é o Dia da Visibilidade Intersexo.
Comemorada anualmente em 26 de outubro, a data foi estabelecida como um marco importante para a comunidade intersexo e tem a missão de aumentar a conscientização sobre a intersexualidade e promover a igualdade de direitos nesse aspecto.
A escolha do dia homenageia o primeiro protesto intersexo de que se tem conhecimento, ocorrido em 26/10/1996, em Boston (EUA). Nesse dia, ativistas intersexuais se reuniram do lado de fora da conferência da Associação Americana de Pediatria para protestar contra práticas médicas não consensuais e nocivas constantemente realizadas em bebês e crianças intersexo para tentar “normalizar” seus atributos sexuais.
Entre essas práticas, incluíam-se intervenções hormonais e cirurgias genitais irreversíveis. Tudo sem o consentimento declarado das vítimas ou de seus responsáveis legais.
A partir daí, o movimento pela visibilidade intersexual começou a ganhar impulso, trazendo à luz questões enfrentadas pelas pessoas intersexo e reforçando a necessidade de garantir e proteger seus direitos, sobretudo de autonomia sobre seus corpos.
Portanto, esse é um dia não só de reflexão e homenagem. É uma oportunidade de aprendermos mais sobre diversidade biológica e intersexualidade. Para quem não tem lugar de fala, é o momento de empatizar com a realidade dessas pessoas.
A data é também um ensejo para reivindicar mudanças legais e médicas que garantam às pessoas intersexo o direito de fazer suas próprias escolhas quanto a intervenções médicas e cirúrgicas.
É o gancho para nos estabelecermos, verdadeiramente, como uma sociedade inclusiva.
A bandeira intersexual e sua simbologia
E, por falar em inclusão e representatividade, assim como todos os outros grupos do movimento LGBTQIA+, as pessoas intersexo — representadas pela letra I da sigla — também têm sua bandeira.
Símbolo de orgulho e visibilidade, foi criada em 2013 pelo bioeticista, ativista intersexual e pesquisador australiano Morgan Carpenter, presidente da Intersex Human Rights Australia, organização que promove os direitos humanos e autonomia corporal dos intesexuais.
A bandeira é formada por um fundo amarelo-dourado sob um emblema circular roxo. Tanto o roxo quanto o amarelo representam a neutralidade — fugindo dos estereotípicos azul e rosa. E o círculo ininterrupto sem ornamentos simboliza totalidade, completude e as potencialidades das pessoas intersexo.
Mais que um símbolo que define, a bandeira também fortalece a visibilização dessa população. Além disso, se constitui em um recurso de identidade visual que ajuda a transmitir uma mensagem, além de representar esse grupo nas redes sociais, marchas, manifestações e outros eventos e situações.
A bandeira intersexo é um símbolo poderoso que caracteriza essa comunidade, sua representatividade na sociedade e sua incansável luta por igualdade de direitos e visibilidade.
Literal ou figuradamente, vamos levantar essa bandeira e promover uma causa tão importante como essa, que, assim como todas as outras, felizmente vem ganhando cada vez mais espaço em nossa sociedade.
Desafios da população intersexo
Mas, ainda que a visibilidade população intersexo venha crescendo — diga-se de passagem, graças a muita luta e coragem por parte dessas pessoas —, ainda há uma série de desafios a serem enfrentados.
São vários os percalços vivenciados por elas e que afetam negativamente a sua vida e seu bem-estar. Veja apenas alguns deles e procure fazer uma reflexão.
- Discriminação e estigma: a falta de compreensão e de respeito levam ao preconceito, uma realidade muito dolorosa para as pessoas que não nasceram na caixa de padrões impostos pela sociedade. O entendimento limitado sobre sexo, gênero e orientação pode resultar em exclusão social, bullying, violência verbal e física e atos até mais extremos.
- Falta de conscientização médica: nem sempre existe conscientização suficientemente adequada sobre a intersexualidade, o que pode acarretar diagnósticos errôneos, tratamentos inadequados e aconselhamento sem bases científicas, que podem até mesmo piorar a vida dessas pessoas — tanto na saúde quanto no psicológico.
- Intervenções desnecessárias: não é incomum que bebês e crianças intersexuais sejam submetidos a procedimentos cirúrgicos invasivos e irreversíveis, desnecessários e quase sempre não consensuais. Não é demais repetir: não há nada para se “corrigir” numa pessoa intersexo, e qualquer mudança na sua sexualidade é algo que depende exclusivamente da vontade dela!
- Direitos e proteção legal: os intersexuais sofrem todo tipo de discriminação, e a omissão do Estado brasileiro reforça essa situação, já que não existe uma legislação que regulamente o nascimento ou registro dessas pessoas. Isso não é uma questão apenas de nome na certidão: a falta de um reconhecimento legal da identidade de gênero delas priva-as, desde crianças, de usufruir direitos básicos, como acesso ao SUS e planos de saúde, tornando-as invisibilizadas socialmente.
- Cuidados de saúde adequados: é preciso garantir que pessoas intersexo tenham acesso a cuidados de saúde respeitosos e adequados. Isso inclui o direito de receber informações precisas sobre sua condição (que não tem nada de errado), a possibilidade de fazer escolhas esclarecidas sobre tratamentos médicos, apoio psicológico e acesso a serviços de saúde que respeitem não só sua identidade de gênero como também suas características físicas.
Esses são apenas alguns dos desafios a serem transpostos. E isso não é um processo que acontece da noite para o dia. Requer educar e conscientizar a sociedade e cobrar do poder público a criação de leis que garantam, no mínimo, os direitos essenciais dos intersexuais.
Além disso, é importante realizar treinamentos na área de saúde para que seus profissionais estejam preparados para atender às necessidades específicas dessa parcela da população. Acima de tudo, também é preciso combater o estigma e a discriminação.
Desmistificando os paradigmas
Desconstruir os paradigmas em torno da intersexualidade é fundamental para promover uma compreensão mais acurada sobre essa variação biológica e estimular o respeito às pessoas desse grupo.
Dados da ONU de 2019 mostram que de 0,05% a 1,7% da população mundial é intersexo. Se formos considerar uma definição mais precisa — em que o sexo cromossômico não é condizente com o sexo fenotípico, ou quando o fenótipo não é classificável como feminino ou masculino —, esse percentual cai para 0,018%.
A título de esclarecimento: sexo cromossômico é o mesmo que sexo genético, ou seja, aquele definido pelos cromossomos X e Y; o sexo fenotípico está associado ao surgimento dos genitais externos (desde o nascimento) e características sexuais secundárias (na puberdade). E fenótipo, de maneira simplificada, está ligado a nossa aparência, a elementos visíveis de nosso corpo.
Veja, no tópico a seguir, alguns paradigmas a serem desconstruídos acerca desse tema. Já passou da hora de desmistificar essas questões!
Mitos que precisam ser derrubados
A intersexualidade é uma condição médica e precisa ser “corrigida” ou “normalizada”
A intersexualidade, como já dissemos, é uma condição natural. Pessoas intersexo são tão saudáveis quanto qualquer outra. Merecem ser tratadas com respeito e dignidade, e devem ser livres para viver conforme sua identidade de gênero, em vez de serem forçadas a seguir padrões binários rígidos.
Cirurgias genitais e/ou tratamentos hormonais em bebês e crianças intersexo são necessárias para seu bem-estar.
Não há evidências médicas sólidas que ratifiquem — ou mesmo justifiquem — esses procedimentos. Organismos internacionais de direitos humanos têm condenado veementemente essas práticas.
Ser uma pessoa intersexo é o mesmo que ser transexual ou não binário.
Intersexualidade é uma condição biológica, associada às características físicas de alguém. Transexualidade e binariedade estão relacionadas com identidade de gênero — que diz respeito a como uma pessoa se identifica em relação ao gênero: homem, mulher, ambos ou nenhum dos dois. Sendo assim, pessoas intersexo podem ter diferentes identidades de gênero.
A intersexualidade é rara.
Já falamos mais acima sobre a prevalência de intersexuais ao redor do mundo. Considerando a estimativa de 1,7% da população mundial como intersexo (não considerando as especificidades da definição, que também citamos), pode parecer pouco. Mas, em números reais, são mais de 132 milhões de pessoas.
A intersexualidade é apenas uma questão médica.
A intersexualidade é bastante complexa; envolve não só aspectos médicos, como também culturais, sociais e legais. Ainda que não seja considerada um problema de saúde a ser “corrigido”, envolve decisões médicas por parte da própria pessoa intersexo, respeitada a sua autonomia.
Mas vai além disso, porque envolve apoio psicológico, necessidade de legislação específica que garanta direitos em todas as esferas e acesso a serviços básicos.
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Do ponto de vista cultural e social, demanda um esforço de toda a sociedade no sentido de acabar com o preconceito e a estigmatização dessas pessoas.
A intersexualidade é apenas mais um aspecto do nosso corpo, e corpos são diversos, merecem respeito, representatividade e autonomia, sem nenhuma exceção. Derrubar padrões é um ato de resistência e um caminho para criar uma sociedade mais justa e inclusiva. As diferenças não deveriam ser ressaltadas negativamente, mas sim, valorizadas e celebradas todos os dias.