Um acontecimento com o casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, no qual a atriz e apresentadora foi vista em vídeo brigando cara a cara com uma mulher que cometeu um ato de racismo, chamou a atenção para um tema muito importante: a posição das pessoas brancas na luta antirracista.
No citado episódio, as celebridades estavam almoçando com os filhos num restaurante em Portugal, quando uma mulher começou a disparar falas racistas para uma família de angolanos que também comia no local. Giovanna Ewbank, mãe adotiva de duas crianças negras, Titi e Bless, confrontou a criminosa, deixando escancarado o racismo cometido e xingando a mulher — momento que foi gravado em vídeo e viralizou na internet.
Além de ter provado, na prática, ser uma mãe feroz, já que seu ato de confrontamento foi também em defesa de seus próprios filhos, a artista demonstrou uma consciência racial e de classe que tem muito a dizer a outras pessoas brancas. Venha refletir sobre o assunto e entenda como os brancos podem e devem agir contra o racismo.
Saiba como se posicionar contra o racismo sendo branco
O que é privilégio branco?
Embora muitas pessoas bem intencionadas digam coisas como “O racismo está nos olhos de quem vê” ou “Para mim, todo mundo é igual”, não é assim que a questão racial funciona. Afinal, o privilégio branco existe, está presente no cotidiano de todos e é um conceito que diz respeito a uma estrutura social, não a uma individualidade.
Em primeiro lugar, esse conceito se prova de forma numérica, em estatísticas: apesar de 54% da população brasileira ser negra, apenas 18,3% das pessoas pretas entre 18 e 24 anos se matricularam em universidades no ano de 2018, enquanto esse percentual entre os brancos é de 36,1% (o dobro). Além disso, os negros são também a maioria nas taxas de desemprego, representando 72,9% dos desocupados no Brasil. Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e foram acessados no ano de 2022.
A explicação disso é histórica e tem as raízes no período da escravidão. A abolição da escravatura no Brasil foi uma das últimas a acontecer no mundo inteiro e deu-se em 1888, mas, conforme afirma o jornalista Gilberto Maringoni, “(…) passado o 13 de maio [data da Lei Áurea], os negros e as negras foram abandonados à própria sorte, sem a realização de reformas que os integrassem socialmente”. Assim, enquanto senhores de escravos e seus herdeiros acumulavam riquezas advindas do trabalho de negros escravizados, o novo povo livre tinha que começar uma vida do zero.
Portanto, a branquitude é uma classe que goza de inúmeros privilégios, independentemente de fatores econômicos ou outros recortes minoritários. O fato de isso ser algo estrutural, e não individual, significa que, por mais que não se entenda como racista, você precisa reconhecer que tem vantagens e facilidades perante a sociedade apenas por ser uma pessoa branca. Este é, em suma, o primeiro passo para se tornar antirracista.
Sobre ser antirracista
É fato que a luta do povo negro não pode ter como representante uma pessoa branca, porque só os pretos sabem o que é estar nesse lugar de opressão racial e só eles têm propriedade, de fato, para argumentar sobre isso. Mas, ao mesmo tempo, o famoso “lugar de fala” da minoria não pode ser desculpa para que pessoas de outros recortes sociais se mantenham neutras perante a opressão.
Ou seja, não é porque o protagonismo do movimento negro é das pessoas negras que as pessoas brancas não possam atuar como aliadas. Muito pelo contrário: é de suma importância que os brancos tomem consciência de sua posição e comecem a ir na contramão dela.
Então, para ser antirracista, é necessário, em primeiro lugar, entender o que é a branquitude e o que a envolve. Isso inclui todo o privilégio branco; para uma pessoa branca se tornar uma aliada, ela precisa aprender a reconhecer o lugar que ocupa e de que modo isso é diferente para pessoas negras.
Se você é branco e vê uma maioria de pessoas brancas em lugares diversos do seu cotidiano, como no trabalho, na universidade, nos restaurantes que frequenta e afins, você se pergunta o porquê de o número de pessoas negras ser pequeno nesses ambientes, principalmente ao se tratar de locais mais elitizados? Se você não se faz essa pergunta, é bom começar a questionar.
Além disso, para agir contra o racismo, é obrigatório que se saiba o que é racismo. Isso parece algo óbvio, mas, na verdade, não é, porque essa opressão está instalada de tal modo no dia a dia da sociedade, que há muitos atos racistas que não conseguimos perceber. O racismo é uma violência que, na maioria das vezes, é velada, por isso, não é lida como violência. Então, é necessário que se abra os olhos e os ouvidos também para aprender a reconhecê-lo e, assim, combatê-lo.
Racismo inverso existe?
Outra pauta muito recorrente quando o assunto é racismo é o tal do “racismo inverso”, que é, nada mais, nada menos do que um mito. Isso porque a ideia de um racismo inverso é uma falsa simetria, ou seja, não se pode comparar um ato de preconceito contra uma pessoa branca com um ato de preconceito com alguém preto, afinal, a opressão do povo negro é histórica.
Além disso, existe o privilégio branco. Uma vez que os brancos são entendidos como seres em posição de privilégio na estrutura da sociedade, não tem como eles sofrerem racismo.
Uma piada sobre o cabelo crespo de uma pessoa preta é racismo. Uma piada sobre o cabelo de uma pessoa branca é um desrespeito, mas ainda é apenas uma piada. Na edição de 2021 do Big Brother Brasil, o brother João sofreu racismo do cantor Rodolffo, que comparou seu cabelo crespo com uma peruca bagunçada de uma fantasia de homem das cavernas.
O caso do BBB repercutiu muito, porque, até hoje, cabelos crespos são entendidos como feios e malcuidados nos padrões estéticos da sociedade, e a comparação de Rodolffo sobre a cabeleira de João foi infeliz porque explicitou esse racismo incrustado. Para se defender em rede nacional, o cantor sertanejo relatou já ter sofrido várias piadas com seu cabelo, dizendo que não via maldade em comentários do tipo, pois ele mesmo já havia passado por isso, mas a comparação não é possível de ser feita, justamente por causa da falta simetria.
Afinal, se está incrustado na sociedade que cabelos crespos são feios e equiparáveis aos pelos sem higiene dos homens das cavernas, é porque, por muitos séculos, o povo negro foi desumanizado, tratado como objeto de compra e venda a serviço dos brancos. Por mais desrespeitoso e invasivo que seja fazer piadas sobre o cabelo de Rodolffo, que é branco, não tem o mesmo peso da violência que tem para o negro João.
Todos contra o racismo: o que pode ser feito
Há uma frase do ativista social Desmond Tutu que diz: “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”. Essa é a síntese para se ser antirracista. Portanto, ao entender seu privilégio branco e reconhecer de que formas o racismo atua, você deverá sempre agir em situações de violência racial. É impossível querer lutar contra a opressão sem se posicionar.
Ao constatar qualquer ação racista, você deve agir contra ela, como fez Giovanna Ewbank, no restaurante em Portugal, ao confrontar a mulher que xingou os negros que frequentavam o local, mandando-os voltarem para a África.
Se você estivesse presente na situação do BBB21 em que Rodolffo comparou o cabelo de João à peruca de homem das cavernas, o que você faria? No mínimo, o correto seria chamar a atenção de Rodolffo e fazê-lo entender o porquê de o comentário ter sido inadequado.
Até aqui, você viu o básico sobre o papel das pessoas brancas na luta contra o racismo. Mas algo muito importante sobre assumir uma posição antirracista de fato é informar-se e saber ter autonomia nessa luta. Isto é: não espere que as pessoas negras te ensinem o que é racismo e como combatê-lo, vá você mesmo atrás da informação.
Não faça perguntas como se o povo preto estivesse a seu serviço para ensiná-lo.
Por isso, informe-se sobre as pautas diversas que compõem o movimento negro. Além disso, esteja em contato com o movimento negro; leia obras de autores negros, consuma produtos fabricados por negros, aprecie arte de pessoas negras.
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Com certeza, não é do sofá de casa e nem das militâncias nas redes sociais que se muda o mundo. Pense sobre isso, orgulhe-se em ser um aliado!