A saudade, aquela transmutação de vida em eternidade. Aquele sabor de aurora a cada lembrança. Aquela rebeldia insana de não se conformar com o fim. A saudade, pois, é a confirmação do para sempre, o alvoroço de não caber. De transbordar. O amor, se sabe, quando não cabe no peito, transborda. Inunda. Faz do entorno pura camuflagem de afeto e aconchego. É a constante disposição a tentar de novo, a abraçar na hora da raiva, a chorar pelo sorriso que demora, mas que sempre vem.
Qualquer ameaça de serenidade em tempo de reclusão é senão um alerta ao cuidado eminente, à brisa que não se abstém na distância. Há, dentre todos os verbetes de nossa vasta língua, apenas uma palavra capaz de representar a personificação do excesso que cabe.
Da rotina que parece, a cada amanhecer, uma doce novidade. Uma palavra que transmite, no deleito da pronúncia, a docilidade da ternura emblemática do rosto. Do assaz revestimento, em couro ou em melodia, do que nasceu senão para cuidar e ser essência de paz.
Para amar e silenciar no peito bagunçado dos que vêm ao mundo sem direção. Que é capaz, pois, de sentir saudade antes de partir. De antecipar o sorriso por cada vitória que nem mesmo nós acreditamos sermos capazes de alcançar.
Mãe.
Potência limítrofe entre a vitória e a capacidade de vencer. A prepotência do amor em terra de ausência. Trata-se, então, da palavra que carrega o mundo como conceito. A tempestividade como capacidade de permanecer.
O recanto discreto onde se pode repousar e, de fato, não ter hora para sair. A singeleza transparente das intenções que não recrudescem. Do aprazível que nunca acaba. Encoberta de mansidão e correria, mãe é a criatura tautológica do amor. A inferência desconectada com as nuances arrebatadoras daquilo que nem sempre é bom.
Mãe é sempre maré calma, cama quentinha e comida boa. É senão a ternura da massagem onde dói e do tempero onde falta. Tem, pois, capacidade plena de ser lacuna e conteúdo. De ser o paradoxo quando é preciso que seja, abastecendo nossa vivência de vazios no momento em que nosso excesso é escuridão, ao mesmo tempo que pode ser matéria onde falta compreensão.
Mãe é senão a saudade primeira da vida. Cada filho seu, criatura extensiva de uma obra perfeita criada pelo universo. Mesmo na presença, é excesso que faz falta. É cuidado que não cansa. Mãe é um delírio da capacidade de amar. Uma conjectura mal reconhecida e mal retribuída de favores que custam toda uma vida. É a eternidade insana das tentativas, mesmo quando as chances são negativas.
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Mesmo quando o peito vive em temperatura gélida pela falta de perspectiva. Por isso saudade personificada. Eternidade merecida, mas não bem calculada. Talvez um acidente terrível de excessos que deram certo. Que couberam exatamente nos espaços pequenos a que foram destinados. Mãe é música em terra silenciosa. É pretensão única de amor no mais árido dos corações.