Uma criança começa a rabiscar algumas linhas em um papel e o que se vê é uma série de linhas sinuosas, sem sentido, que levam a lugar nenhum e não produzem uma imagem que seja capaz de ser reconhecida como algum objeto ou ser que conhecemos nos limites de nossa visão. Rabiscos sinuosos, usando todo o espaço permitido por uma folha de papel, com as duas mãos e duas canetas. Traços descompromissados e que absolutamente não refletem nada além da falta de coordenação de uma criança de 2 ou 3 anos, certo? Claro que não!
Esse foi o início de um vídeo entre os tantos que circulam no mundo digital. Uma psicóloga ou psicopedágoga poderia muito bem conseguir ler esses traços de forma subjetiva, encontrando significados para a representação gráfica. Talvez encontrem conflitos, dúvidas, medos, alegria, luz, felicidade, paz, quem sabe? Assim, o profissional poderia acompanhar essa criança e ajudá-la com seus conflitos, valorizando aquilo que apresentam de positivo. Mas, nem todos têm a oportunidade de usufruir dos benefícios de um acompanhamento profissional.
A verdade é que todas as pessoas que lidam com crianças, precisam considerar que nossa visão nem sempre alcança até onde deveria. Nem sempre estamos dispostos ou prontos a enxergar com os olhos da alma, aqueles olhos que conseguem encontrar um sentido positivo em tudo o que se apresenta diante de nós. Mas bem, voltemos à cena.
Ao final da construção gráfica da criança, temos um papel, cheio de linhas que mal podem ser definidas. Todas em preto sobre a folha branca. Entra em cena então, a mãe que com seu olhar interno, constrói sobre aquelas linhas incertas um mundo mágico, de imagens coloridas, definidas, claras, como se o tempo todo essa cena estivesse ali, guardada, escondida apenas para ser vista por olhos atentos, os do coração. E do nada surgem árvores frondosas, barcaças, um rio de águas límpidas e cristalinas, um vale montanhoso cheio de verde, um céu azul com muita luz, um entardecer banhado pelo sol, alegre e cheio de paz! Por fim, surgem duas figuras humanas, mãe e filha? Talvez! Contemplando tudo aquilo que poderia ser o nada, mas que se transformou numa imagem maravilhosa da natureza, de integração e acolhimento.
Acolhimento sim, dos limites do outro, daquilo que ele pode nos oferecer e de nosso empenho em entender esse limite e transformá-lo em algo construtivo, livre de críticas e censuras. Será que não fizemos ou ainda fazemos isso com nossos filhos com mais frequência que imaginamos? Quantas vezes boicotamos a produção que vem da imaginação das crianças julgando com os nossos limites, aqueles com os quais não queremos ser julgados? Será que não está nos faltando observar mais e julgar menos?
Se essa mãe tivesse apenas pego essa folha com traços incertos e dito: – Que lindo minha filha! Mamãe vai guardar com todo carinho! Ou pior que isso, se tivesse simplesmente descartado o desenho logo após a criança ter acabado, o que poderíamos ter ensinado a essa criança sobre sonho e realidade, sobre construção e desconstrução, sobre respeito e valorização do olhar do outro sobre as coisas, sobre criatividade e expansão de limites? Pensar fora da caixinha, essa foi a grande sacada dessa mãe que se predispôs a ver além, a incluir e acolher a obra da filha mostrando-lhe que tudo pode ser transformado para melhor.
Já soube de um caso de uma criança de 3 para 4 anos que foi julgada pela própria professora porque pintou uma vaca com a cor verde ao invés da cor marrom? Ela foi duramente criticada diante dos amiguinhos. Como assim, vaca não é verde? É marrom, branco, malhada, mas verde? Pois é, esse era o limite de percepção de uma criança que demorou muitos anos a descobrir que era daltônica. A questão em si, não é o problema do daltonismo, mas a falta de sensibilidade em respeitar e acolher o que é diferente, o que foge ao “padrão”.
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Essa mãe dá uma aula de como se incentiva uma criança a exercer sua criatividade, a respeitar o próprio olhar e o ponto de vista do outro, que somos complementares e podemos criar juntos. Ensinou a entender que tudo tem um sentido, até aquilo que parece apenas rabiscos jogados numa folha!
Fica a dica! Quem sabe tem uma criança perto de você, pronta para aprender da maneira mais inusitada o que é o amor, a alteridade, a compreensão e o acolhimento pelo outro! Aproveite e dê a ela uma folha e uma caneta e complete o trabalho com ela! Dê a chance e se dê a chance. Depois, mostre pra gente!
• Texto criado por Silvia Jara da Equipe Eu Sem Fronteiras