Convivendo

Mais interior, menos litoral

Uma mulher cheirando uma flor.
Sjale / Shutterstock

Adoro, admiro e desejo o corpo humano. Sou seduzido por ele. Mas por mais que o nosso mundo seja vivido primariamente com imagens, são as palavras que em mim ressoam mais longevamente, palavras que são símbolos de movimentos internos, subjacentes e portanto invisíveis ao olhar. Vivemos uma época de contradições, uma época em que mal dizemos, dizemos sem plenamente significar “o essencial é invisível aos olhos”, porque essa frase se perde em meio a tantas imagens de nossos corpos.

A superfície é o mais maleável. A casca é o que mais sabemos fabricar e mimetizar. Acredite, a alma é mais bruta do que o corpo. É mais fácil trabalhar o corpo do que a alma. Anabolizante, esteroide, proteína, lipoaspiração, implante, silicone, botox, maquiagem, roupa social, roupa íntima, ângulo, pose, penteado, máscara…. E temos uma tradição milenar que nos diz “obra tua alma”, mesmo assim primamos pelo trabalho mais fácil do corpo.

Um boneco de plástico sendo mensurado por uma fita métrica.
TShaKopy / Shutterstock

Quero crer que estou errado, quero crer que trabalhamos em duas frentes: que quem vai à academia também produz sua arte, cultiva uma filosofia ou tem seu terapeuta emocional… Não estou dizendo tampouco para esquecer do corpo, também tivemos uma tradição milenar de negá-lo. Talvez precisemos de uma confluência, de algo duplo que se diz no mesmo sentido, que é o contrário da ambiguidade, algo pretensamente uno, mas contraditório ou não resolvido, que tenta ir em duas direções ao mesmo tempo, sem ir realmente ou sendo insuficiente em algum aspecto.

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Acredito haver muitas formas de encontrá-la, mas para mim ultimamente tem sido a Yoga, que cultivo tanto como atitude mental quanto física, um bom encontro de dois mundos. Recentemente encontrei a história de Murakami, que me tocou por ser um escritor que, por compensação e equilíbrio, buscou maratonar. Na corrida encontrou o contraponto balanceado: em oposição ao dizer da literatura, o silêncio dos passos; em complemento ao sedentário sentar imóvel do registro de palavras concatenadas, o movimento contínuo e exasperante do prosseguir em marcha. Dois trabalhos, duas dores. Miro nesse exemplo e convido para a abertura à integridade do ser. Para além do cuidado com a superfície, cultivar profundidades.

Sobre o autor

Guilherme Henz Franco

Psicólogo desde 2007, com formação em Antropologia Social na Alemanha (2015), trabalhou por 8 anos em Psicologia Organizacional, tendo também boa experiência em Psicoterapia Adulta e Infantil, e ainda Psicologia Escolar e Avaliação Psicológica. Na área cultural, é editor do site "O Franco Atirador", desde 2016, com produções artísticas e divulgação de material científico e político, e também do Blog "O Auscultador do Invisível", desde 2007, com produção literária (traduções, poemas, aforismos e ensaios).

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