Adoro, admiro e desejo o corpo humano. Sou seduzido por ele. Mas por mais que o nosso mundo seja vivido primariamente com imagens, são as palavras que em mim ressoam mais longevamente, palavras que são símbolos de movimentos internos, subjacentes e portanto invisíveis ao olhar. Vivemos uma época de contradições, uma época em que mal dizemos, dizemos sem plenamente significar “o essencial é invisível aos olhos”, porque essa frase se perde em meio a tantas imagens de nossos corpos.
A superfície é o mais maleável. A casca é o que mais sabemos fabricar e mimetizar. Acredite, a alma é mais bruta do que o corpo. É mais fácil trabalhar o corpo do que a alma. Anabolizante, esteroide, proteína, lipoaspiração, implante, silicone, botox, maquiagem, roupa social, roupa íntima, ângulo, pose, penteado, máscara…. E temos uma tradição milenar que nos diz “obra tua alma”, mesmo assim primamos pelo trabalho mais fácil do corpo.
Quero crer que estou errado, quero crer que trabalhamos em duas frentes: que quem vai à academia também produz sua arte, cultiva uma filosofia ou tem seu terapeuta emocional… Não estou dizendo tampouco para esquecer do corpo, também tivemos uma tradição milenar de negá-lo. Talvez precisemos de uma confluência, de algo duplo que se diz no mesmo sentido, que é o contrário da ambiguidade, algo pretensamente uno, mas contraditório ou não resolvido, que tenta ir em duas direções ao mesmo tempo, sem ir realmente ou sendo insuficiente em algum aspecto.
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Acredito haver muitas formas de encontrá-la, mas para mim ultimamente tem sido a Yoga, que cultivo tanto como atitude mental quanto física, um bom encontro de dois mundos. Recentemente encontrei a história de Murakami, que me tocou por ser um escritor que, por compensação e equilíbrio, buscou maratonar. Na corrida encontrou o contraponto balanceado: em oposição ao dizer da literatura, o silêncio dos passos; em complemento ao sedentário sentar imóvel do registro de palavras concatenadas, o movimento contínuo e exasperante do prosseguir em marcha. Dois trabalhos, duas dores. Miro nesse exemplo e convido para a abertura à integridade do ser. Para além do cuidado com a superfície, cultivar profundidades.