Olá! Dando sequência à série de artigos sobre o Desenvolvimento Psicossocial da Criança, hoje trataremos da Fase Anal.
No texto anterior falamos sobre a Fase Oral (leia aqui), vivida pelo bebê do nascimento até aproximadamente os 18 meses de idade. Espero que tenham gostado!
O artigo de apresentação da série está aqui: Conceitos Básicos.
A Fase Anal inicia-se por volta dos 18 meses a 2 anos e dura até os 4 anos de idade aproximadamente, e é quando se estruturam a base da Segurança Psíquica e da Formação de Valores da criança.
Nessa fase tão importante entram em cena as características defensivas e sádicas naturais e necessárias a nossa sobrevivência, como a agressividade, posse, egoísmo e dominação.
Sim! Tudo isso é muito importante para seu desenvolvimento saudável.
Essa é a segunda fase da evolução da libido e aqui está sob o primado do anus, mais o trato intestinal e o trato urinário.
Nesta idade a criança já compreende que existe o Outro, começa a perceber que ela não é o centro do universo e que tem alguém que manda nela, a quem ela terá que obedecer se quiser participar da onipotência dos adultos. Aqui começa a formar-se o que chamamos na psicanálise de Ego Ideal, que são os valores que nos são passados por nossos pais, cuidadores, sociedade, religião, etc.
É uma época de grande relevância no desenvolvimento da criança, porque ela já compreende o que lhe é dito e é muito importante que os pais e cuidadores saibam que a criança é totalmente LITERAL nesta idade, ou seja…
…ela não entende o abstrato, ironias, sarcasmos, frases de duplo sentido e muito do que lhe é dito sem cuidado pode ser mal compreendido, gerando angústia.
É preciso dedicação, tempo e paciência para explicar as coisas para uma criança nesta idade… se quando ela for mal educada você disser que “ninguém gosta de você!”, ela vai acreditar; e se quando ela fizer birra você disser “eu vou te deixar aí!”, ela vai sentir-se abandonada; e se quando ela chorar você disser “engole esse choro porque isso não é nada”, ela não vai sentir que seus sentimentos são valorizados e isso tudo terá consequências futuras, então vale ter bastante atenção e cuidado com estas pequenas criaturas que nos são confiadas, pois é através dos nossos olhos que eles serão apresentados ao mundo.
“Um mundo amoroso e acolhedor é um bom começo para a vida.”
Percebemos que uma criança entrou na Fase Anal quando ela começa a importar-se com o xixi e com o cocô.
A criança entende que as fezes são sua primeira produção e funcionarão como objeto simbólico, e através dele buscará sua segurança psíquica pela posse e dominação, quando conseguir reter ou expelir as fezes sob seu controle. E isso é UAU, muito importante!
É seu momento de manifestar vontade própria inclusive pela agressividade como forma de defesa primitiva, porque ela ainda não conhece outra, então morde mesmo o amiguinho, com convicção e sem culpa, para defender o que é seu.
É uma forma de aprender a se defender, sim, e é natural.
Nesta idade a criança já adquire certa autonomia e começa a gostar do objeto, então é necessário ensinar os cuidados de higiene no banheiro, mas sem passar impressão de que se trata de algo sujo, nojento e, portanto, que requer cuidados exagerados ou desproporcionais.
Falar que o cocô da criança é fedido, nojento e fazer caretas não é uma boa prática, já que isso é uma criação dela e, portanto, deve ser valorizado como tal. É aquela hora de dar tchauzinho para ele no vaso sanitário para ele ir com a mãe dele, por exemplo! Rsrs. Tudo bem tranquilo e bem prazeroso…
O ato de defecar, expulsar as fezes, representa o sadismo normal, ou seja, livrar-se do que não é necessário, desprender-se… é importantíssimo para que, quando adulta, consiga livrar-se de relacionamentos ou situações que não sejam boas para ela. Ao “colocar para fora” suas fezes de forma tranquila, ela aprende também sobre desprendimento e, por tabela, atividade e iniciativa.
Parece algo simples, mas para muita gente não é por toda a vida!
O ato de reter as fezes, controlar os esfíncteres, representa o controle, a dominação normal, e na vida adulta significa o guardar, o poupar, saber cuidar das suas coisas.
Aqui vemos a atividade x passividade:
É de grande importância também lembrar que, nesta fase, muitas mamães e papais ficam aflitos e ansiosos para o desfralde, mas muita calma nessa hora, porque cada criança tem seu tempo e são vários os fatores que influenciam esse processo. A ansiedade e angústia dos pais são componentes que não ajudam, bem como cobranças e exigências antes da hora, que são prejudiciais à saúde física e mental da criança.
Se não houver nenhuma disfunção orgânica, mental ou emocional, sua criança aprender a usar o peniquinho sim! Se perceber que ela precisa de ajuda especializada, não hesite em buscar, inclusive para você, se for o caso de ansiedade extrema..
Sobre a influência na personalidade nas Boas Fases e Más Fases, como mencionei no texto anterior, segue breve resumo:
Boa Fase
A criança recebe o cuidado adequado dos pais ou cuidadores e aprende sobre segurança psíquica. Os pais ensinam com brandura, inclusive os cuidados higiênicos adequados nas idas ao banheiro, mas sem excessos, e ela aprende que pode ter controle.
Recebe incentivo ao ato de defecar, no ato de expelir, sem inibições, sem ouvir que é feio ou fedido seu cocô, desenvolvendo nela o sadismo normal saudável, para que ela compreenda que pode “colocar para fora” e desprender-se durante a vida daquilo que não lhe serve ou não lhe faz bem.
Quando a criança aprende a reter, a segurar as fezes por vontade própria, até que possa evacuar com higiene ou em local apropriado, ela desenvolve a capacidade normal de dominação e aprenderá a poupar, pensar no amanhã, de forma saudável.
Má Fase
A criança que teve excesso de escrúpulos com o sujo, ouviu que seu cocô era sujo e fedido, ou ainda não teve cuidados nenhum com a higiene pode desenvolver, pelo ato de expelir, a agressividade destrutiva, e não conseguirá “botar para fora” com tranquilidade aquilo que lhe faz mal, ou pode desenvolver passividade e covardia.
“Pelo ato de reter e controlar mal feito, ela pode desenvolver o egoísmo, a mesquinhez, ciúme e controle de ter somente para si, além de irritabilidade e mau humor ao querer expelir o que lhe foi impedido.”
O masoquismo, pela dor que sentiu ao ter que reter as fezes quando não lhe foi permitido evacuar naturalmente por excesso de escrúpulos ou nojo, também é desenvolvido nesta fase.
O prazer pela dor… e ela pode achar natural sofrer pela vida afora…
A criança, e depois adulto, pode desenvolver excesso ou a falta de escrúpulos e preconceitos com aquilo que “considerar sujo”, devido a introjeção do nojo passado pelo adulto cuidador.
Vamos lembrar que toda falta, excesso ou trauma sofrido durante a fase leva a uma possível fixação patológica nela. Então cuidados na medida do bom senso é o recomendado.
Acho que deu para perceber de forma clara o quanto o rigor na higiene relativos a este assunto pode gerar de negativo no desenvolvimento da criança. Podem ser consequências bem severas que dificultarão seu convívio social e a sua evolução moral e ética.
Portanto, aqui novamente vale a dica do caminho do meio. Usar sempre do bom senso.
Sim, vamos cuidar das crianças com higiene, ensinar a limpar bem o bumbum, lavar as mãos sempre que for ao banheiro, mas também permitir que ela use um banheiro quando disser que está apertada, mesmo que este banheiro não esteja dentro dos padrões de higiene da mamãe, salvaguardado os cuidados básicos, obviamente. Ter na bolsa lencinhos e protetores de assento ajudam para que as saídas sejam mais tranquilas.
Dar tchauzinho para o cocô no vaso sanitário, não desdenhar dessa produção das crianças, não dizer de forma pejorativa que o cocô dela é feio ou fedido e ter muita paciência na retirada das fraldas e transição para o peniquinho, são formas de ajudar seu pequeno a passar por esta fase de forma saudável, e trará grandes resultados positivos para todos na família.
Agora entrando no comportamento, precisamos lembrar que os limites são necessários nesta fase e a criança precisa sentir que os pais cuidam dela, e dizer NÃO é importante para que ela faça a distinção entre o que é ela e o que é o outro.
Nesta fase começa a funcionar na criança o Sistema Límbico, que é um mecanismo de proteção que envolve as amígdalas cerebrais, no hipocampo, e o córtex.
Confira aqui: Sistema Límbico, inteligência emocional e autoestima.
O Sistema Límbico entra em ação num ato de defesa quando perdemos o prazer e nesta fase e está em seu mais alto grau de desenvolvimento. Terminada esta fase ele cede para voltar novamente com força total na adolescência!
Então, quando a criança é obrigada a fazer algo que a tira do seu prazer, seu sistema límbico é acionado e ela reage com raiva, e a pequena criatura que teve sua fase oral bem feita e criou uma identidade começa a dizer NÃO.
Época de desespero para muitos pais, que afinal, também têm sistema límbico e precisam ser suficientemente lúcidos para controlá-lo e não discutir de igual para igual com uma criança de 3 anos.
Nesta idade está acontecendo o reconhecimento do OUTRO e de SI MESMO, e começa a fase do “NÃO’, do “POR QUE” e do” “É MEU!”.
“NÃO! É MEU” é uma frase comum para uma criança anal, e este egocentrismo faz parte da formação de identidade dela. Quando o adulto interfere nesse egocentrismo da criança anal, mandando que ela divida seu brinquedo, seu lanche ou que empreste algo para o amiguinho, ele interfere também no seu pleno desenvolvimento.
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Quando dizemos a uma criança que não queremos que ela faça alguma coisa que ela queira fazer, acionamos o seu sistema límbico e ela fica com raiva. Suportar a raiva que essa criança sente por consequência da perda do seu prazer é tarefa árdua, mas importante.
Quando é permitido à criança que o seu sistema límbico inicie e termine seu funcionamento fazendo seu ciclo completo de começo, meio e fim, para que, finalmente, ela submeta-se a autoridade da mãe ou do cuidador, ela aprenderá algo muito importante, que é a AUTOESTIMA. O autoamor. O gostar de si mesma. Algo de importância máxima, que a livrará de tornar-se um dependente emocional de terceiros.
O desejo dos pais deve ser o limite para a criança, sem maiores explicações. Apenas: não pode porque a mamãe não quer! Ponto. Ela precisa saber que tem alguém que cuida dela, e nessa idade não precisa de grandes explicações sobre ordens.
Vale lembrar que autoridade é diferente de autoritarismo.
Com autoridade os pais determinam o que pode ou não pode, mas permitem que a criança sinta raiva e passe pelo processo límbico, enquanto no autoritarismo os pais mandam engolir o choro, não permitindo que o ciclo aconteça.
O sentimento gerado nela ao perceber que alguém foi capaz de suportar seu lado mal e que, inclusive, ela mesma foi capaz de suportá-lo sem que nada de grave tenha acontecido, e que os pais continuam a amá-la e tratá-la normalmente é o que dará a criança a possibilidade de gostar dela própria.
“É uma tarefa muito importante criarmos adultos sadios e que se aceitem como são”.
Para que não sejam dependentes de padrões da sociedade e da atenção e reconhecimento do que é externo. Uma criança com segurança emocional e psíquica tem muito mais chances de ser resiliente e suportar as adversidades da vida sem sucumbir a elas, então coragem e muita paciência, que todo esforço será recompensado ao perceber que sua criançaa se valoriza pela ética e não pela estética.
No próximo artigo, falaremos da Fase Fálica, que vai dos 4 aos 6 anos….
Até lá!
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