“Nossa, o trânsito estava horrível”, “vou ter que desmarcar porque estou com uma dor de cabeça tenebrosa”, “não tem nada de errado, não, estou bem”… Essas são apenas algumas das muitas mentirinhas que contamos ao longo dos nossos dias, ou até mesmo todos os dias.
A verdade é que, apesar de ser moralmente condenável ou, pelo menos, questionável, mentir é, sempre foi e sempre será parte do comportamento humano, segundo o especialista em mentiras Georg Frey, autor do livro “Eu sei que você mente!”. Segundo ele, quando reconhecemos que nós mentimos e que outras pessoas mentem também, entendemos que isso é parte das necessidades do ser humano.
Mas como lidar com uma pessoa que mente constantemente? Isso é uma doença? Como diferenciar uma mentira “inocente” de uma mentira maldosa? Descubra tudo isso agora neste artigo que preparamos.
Existem tipos diferentes de mentira?
Sim, existem. Ainda que não exista algo como uma legislação que defina graus de mentira ou uma “polícia” que puna os mentirosos com base na gravidade de suas mentiras, há diferentes tipos de mentiras. Diversos psicólogos e estudiosos do comportamento humano fizeram suas próprias separações dos tipos de mentiras, mas vamos recorrer a uma feita por Georg Frey, em seu livro “Eu sei que você mente!”. Segundo ele, há três tipos diferentes de mentiras:
• Mentira inofensiva: também conhecida por aí como “desculpa”, a mentira inofensiva é uma justificativa não verdade à qual recorremos quando nos vemos na necessidade de justificar um comportamento, por exemplo, mas ela não prejudica ninguém (ao menos não diretamente), pois se trata apenas de uma tentativa de não sofrer rejeição. É o que fazemos quando culpamos o trânsito em vez de assumir que acordamos atrasados, quando inventamos uma doença para cancelar um compromisso ou quando criamos uma história para dar início a um assunto. Ainda que seja questionável, é um tipo de mentira que não traz consequências graves ou diretas num primeiro momento;
• Mentira ofensiva: essa é a mentira na acepção da palavra, ou seja, uma história não verdadeira que criamos para enganar alguém ou conseguir uma vantagem que não conseguiríamos sem essa falsidade. A diferença em relação ao tipo anterior, ainda que isso seja bastante subjetivo, é que esse tipo de mentira traz consequências diretas para alguém. Uma pessoa que mantém um relacionamento mas se relaciona com outra pessoa sem o consentimento do parceiro, alegar algo falso para furar uma fila, furtar algo e fingir que não viu… Enfim, são todas situações nas quais o “outro lado” sai prejudicado pela mentira;
• Mentira compulsiva (ou patológica): ainda que manipuladores, egoístas e pessoas com outros tipos de sociopatia, por exemplo, sejam mentirosas compulsivas, suas mentiras geralmente são contadas com fins maquiavélicos, com intenções ruins. É diferente aqui neste caso de mentira compulsiva/patológica porque o mentiroso dessa situação age movido quase que unicamente por uma necessidade de se destacar em relação aos demais. Ele não quer prejudicar ninguém, ainda que às vezes faça isso de maneira não intencional, apenas quer se destacar. Mentir que conhece ou conheceu alguém famoso, que foi a um lugar ou fez uma viagem que não fez, que pratica atividades que não pratica ou que viveu experiências que não têm nada de verdadeiras são alguns exemplos disso. Sabe o famoso “contar vantagem”? É como isso, mas a “vantagem contada” não é verdadeira.
O que é mentira patológica?
Também conhecida como compulsão em mentir, mitomania ou ainda pseudologia fantástica, a mentira patológica é um transtorno psicológico caracterizado, em resumo, por contar mentiras de maneira compulsiva e sem benefícios externos, comumente praticada para que aquele que está contando mentiras seja mais bem-visto socialmente. Diferentemente dos manipuladores ou psicopatas, por exemplo, que mentem para conseguir vantagens das pessoas que ouvem suas mentiras, as pessoas que sofrem com mitomania raramente prejudicam outras pessoas, pois querem somente ser mais bem avaliadas.
É importante dizer que a pessoa que sofre com mitomania não conta mentiras porque escolhe contar e raramente premedita as histórias falsas que vai relatar. Ela mente muitas vezes sem nem mesmo ter consciência do ato enquanto está praticando e também costuma “improvisar” mentiras de acordo com o assunto que está sendo comentado, o que faz com que tenha dificuldade de lembrar das mentiras contadas, causando mal-estar entre seus conhecidos.
O que pode causar ou desencadear a mentira patológica em alguém?
Em quase todos os casos, os mitomaníacos não nascem com esse mal, que é adquirido ao longo de suas vidas, conforme vão lidando, ao longo de seu processo de amadurecimento, com a necessidade de construir uma imagem social de si mesmo e validar essa imagem. Uma pessoa que deseja ser vista, por exemplo, como expert quando o assunto é viagens, pode se ver relatando viagens que nunca fez apenas para relatar falsas experiências e ser bem avaliada por seus interlocutores.
Como boa parte dos transtornos psicológicos, a mitomania não é algo que tem origem ou causa exata, porque cada ser humano tem uma experiência única ao longo de sua vida, então, ainda que o mais comum entre os mitomaníacos seja a mentira unicamente com o intuito de serem admirados, é possível que outros gatilhos desencadeiem esse problema, como traumas, necessidade de fuga da realidade, dentre outros motivos.
É comum que a mitomania se apresente em indivíduos que apresentem outros transtornos psicológicos, como depressão, transtorno de ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Como explicado anteriormente, cada caso é individual, mas os transtornos citados anteriormente podem levar uma pessoa a um estado de angústia tão grande, que mentir torna-se uma válvula de escape ou de fuga para sua situação psicologicamente negativa e desgastante. Além disso, como as pessoas com esses tipos de transtorno sabem que estão passando por problemas, têm medo de serem julgadas fracas ou “menores” do que as outras pessoas, daí a necessidade de recorrer à mitomania para falsear uma grandeza inexistente.
Como identificar e lidar com um mentiroso patológico?
Como diferenciar alguém que vive ou viveu aquilo que relatou e alguém que está mentindo? Alguns sintomas comuns entre os mitomaníacos podem nos ajudar a identificar que estamos diante de uma pessoa que sofre com esse mal:
• É provável que todo mundo, vez ou outra, tenha mentido ou exagerado em alguma história para ser admirado por outras pessoas. E nem todo mundo, é claro, é mitomaníaco. A diferença é que o mitomaníaco mantém essa tendência de contar mentiras por muito tempo, ou seja, não é uma necessidade provocada apenas por um assunto ou por uma situação imediata, mas algo ao qual ela recorre com certa frequência;
• As mentiras dos mitomaníacos não são completamente descoladas da realidade, então sempre encontram algum “fundo de verdade” ou uma “raiz” que a ajuda a torná-la crível. Vamos supor que o mitomaníaco tenha feito uma viagem ao Rio de Janeiro e more em São Paulo. Quando ele retorna a São Paulo, comenta com os amigos que encontrou um famoso jogador de futebol em Copacabana e passou a noite bebendo em sua companhia. A mentira tem uma “raiz” na verdade: ele realmente esteve no Rio de Janeiro, mas aí temos a improbabilidade: o encontro com o atleta;
• A melhor maneira de desmascarar um mentiroso segue sendo perguntar detalhes específicos da história. Se for perguntado a respeito de em qual bar esteve com o jogador, quais bebidas foram consumidas, qual carro o jogador tinha, a que horas foram embora etc., o mitomaníaco provavelmente ficará nervoso e entrará em contradição. Pedir provas também sempre funciona: uma foto, uma lembrança, algo do tipo;
• Quando desmascarado, o mitomaníaco costuma reconhecer a mentira e se sente envergonhado por ela. Ele justificará sua mentira com outra mentira ou fingindo que tudo não passou de uma brincadeira, mas ele provavelmente já contou muitas outras e voltará a contar ainda mais…
• As mentiras do mitomaníaco costumam sempre colocá-lo favoravelmente diante das histórias que conta. Dificilmente ele vai criar situações falsas sobre si mesmo que o diminuem ou expõem. Como ele mente para ser admirado, suas histórias costumam destacar qualidades como coragem, inteligência, felicidade ou até mesmo algo que parece simples, mas que, na cabeça dele, o faria ser admirado, como relatar uma experiência que ninguém teve e provavelmente não terá.
Existe tratamento para a mentira patológica? E cura?
O tratamento mais eficiente para a mitomania é o acompanhamento psicológico e, eventualmente, psiquiátrico. Como vimos, a mitomania geralmente é sintoma de um problema maior, como a depressão, ou de uma autoavaliação negativa, como autoestima baixa ou baixa confiança em si mesmo, o que leva a pessoa a tentar se engrandecer publicamente, portanto o tratamento passa por tratar o problema que faz com quem o mitomaníaco minta.
O profissional mais preparado para identificar por que o mitomaníaco mente é um psicólogo, que vai, sobretudo, ajudar o próprio mitomaníaco a enxergar o seu problema, por que ele acontece e de que forma é possível tratá-lo. Esse processo de aceitação do problema é um dos mais fundamentais no tratamento da mentira compulsiva, segundo especialistas no assunto, porque é um processo bastante doloroso o reconhecimento de que vem contando mentiras indiscriminadamente ao mesmo tempo e de que não tem sido honesto e verdadeiro com as pessoas queridas.
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Além disso, o tratamento psicológico e psiquiátrico é importante para distinguir a mitomania de outros transtornos mais graves e que levam a mentiras, como esquizofrenia, delírios, psicoses de diversos tipos, paranoia ou megalomania, que são problemas que fazem com que o paciente tenha uma visão distorcida da realidade, o que é diferente do mitomaníaco, que está tão ciente da realidade que conta uma mentira tendo certeza de que ela o fará se destacar.
A mitomania, enfim, é um transtorno perfeitamente curável. Se você desconfia que está sofrendo com esse problema, provavelmente terá vergonha de falar sobre isso com um amigo, então o melhor é procurar um profissional da psicologia, que vai ajudá-lo sem julgá-lo. Se você percebe que alguém que você conhece sofre com esse problema, evite expor essa pessoa publicamente e “desmascarar” suas mentiras em público, porque é justamente da vergonha de ser “menos” que ela está fugindo. Se possível, converse com o mitomaníaco em particular e recomende que ele reconheça o problema e procure o tratamento adequado.
A mentira compulsiva, também conhecida como mitomania, é um problema normalmente causado por outros transtornos psicológicos, como depressão e ansiedade, ou por distorções na autoimagem, como baixa autoestima e pouca confiança em si mesmo. É um problema que pode afetar bastante as relações sociais de alguém, mas que pode ser tratado de maneira bem-sucedida com acompanhamento psicológico ou psiquiátrico.