A metafísica passou ao longo de mais de 2 mil anos de “filosofia primeira” em Aristóteles a um “discurso sem significado” para os positivistas no século 20, mas logo em seguida esse descrédito foi amenizado com Popper, sobretudo, segundo Abbagnano (2007). Mesmo assim, a dura crítica levada a cabo pelo Círculo de Viena legou ao presente momento a impressão de uma atividade semelhante ao charlatanismo. Talvez, em pleno século 21, no momento atual de crise no paradigma materialista essa disciplina possa ser a salvação da ciência. Para compreender um pouco mais a respeito dela, é importante recuar no tempo, na história da filosofia.
Depois da elaboração de uma concepção de mundo cindida entre a realidade (ideias) e a ilusão (opiniões) em Platão, a metafísica passa a ser abordada por Aristóteles como sendo a “ciência dos primeiros princípios e causas”, ou “filosofia primeira”, a qual foi o retrato da busca do filósofo de Estagira por um conhecimento universal, necessário e aplicável a qualquer conhecimento que venha a ser designado por “ciência”. Essa ciência buscada trata-se ao mesmo tempo de uma “teologia”, no sentido de que, ao tratar dos primeiros princípios, se depara com o “motor imóvel”, a divindade, como objeto de estudo, e também uma “ontologia”, sendo o estudo do “ser enquanto ser” e não enquanto algum modo particular de ser (por exemplo, o ser móvel, objeto da física, ou o ser vivo, objeto da biologia).
É verdade que o termo “metafísica”, segundo é considerado pela tradição, surgiu com Andrônico de Rodes, ao organizar os escritos do discípulo de Platão, e, não encontrando classificação para alguns, cunhou o termo “tá metá tá physiká”, que significa “aqueles depois da física”, ao situá-los em uma estante ao lado dos textos a respeito da física. Seja por esse critério biblioteconômico ou não, a metafísica continuou tratando de temas que de certo modo extrapolam o domínio das coisas físicas em sua especulação, e isso parece ter custado caro por um momento, em termos da impressão que essa disciplina parece ter levado consigo após as duras críticas de Hume, e, em seguida, de Carnap e dos positivistas lógicos. Dizia este último, sobretudo se referindo a Heidegger: “os metafísicos não passam de músicos sem capacidade musical”.
A intenção desse movimento era a eliminação da metafísica por meio de uma análise minuciosa da linguagem com recursos da lógica, e o resultado pretendido era separar o “joio do trigo”, ou seja, diferenciar entre enunciados com significado e outros sem significado. Assim, frases como “A alma é eterna” deveriam ser eliminadas porque o sujeito ao qual é atribuída a qualidade de eternidade não pode ser verificado comumente. Acontece que, mais tarde, um senhor muito elegante, chamado Karl Popper, examinou a história da ciência e percebeu que em vários momentos esta última só conseguiu algum progresso tendo como suporte intuições e conjecturas acerca da realidade que não podiam até então ser verificadas na experiência. Por exemplo: durante muito tempo, desde a apropriação do termo “átomo” com Demócrito e seus discípulos como sendo o princípio elementar da natureza, não foi possível constatar nada que pudesse corroborar essa intuição acerca da realidade. Só mais tarde, a partir daquilo que ficou conhecido como “movimento browniano” do grão de pólen ficou evidente que essa era uma corroboração da existência dos átomos. Popper chamou tais intuições diretrizes mais gerais de “programas metafísicos” e explicou que estes sempre existiram ao longo do tempo e influenciaram diretamente as pesquisas científicas, funcionando como um mapa do percurso até a descoberta científica.
Não deixando de considerar o notável trabalho de Kuhn, embora este divergisse de Popper na concepção de avanço em ciência, sobretudo, asseverou que a ciência progride por quebra de paradigmas. Essa noção pode ser útil para esclarecer a importância da metafísica. Ora, parece ser quase um consenso atualmente que Kuhn está certo na questão do desenvolvimento da ciência: as teorias se desenvolvem até certo ponto em que não dão mais conta e precisam ser substituídas por um novo paradigma. Por outro lado, Popper acerta na questão da importância dos “programas metafísicos” como influência real nas teorias científicas.
Mesmo não sendo algo que Popper defenderia, é possível inferir que uma visão materialista seja um grande empecilho para o desenvolvimento de novas teorias acerca do mundo. Depois dos avanços da mecânica quântica, a confortável concepção planetária do átomo como partícula indivisível e a segurança proporcionada pela física newtoniana caíram por terra. Aliás, os prédios (graças a Deus) não caem por causa dessa teoria, mas ela não é mais suficiente para entender a complexa estrutura da realidade. Nesse sentido, começou-se a cogitar a possibilidade de influência do observador nos testes experimentais e com isso uma avalanche de novas teorias e técnicas elaboradas a partir da fé na influência dos pensamentos sobre a matéria iniciou seu movimento.
É compreensível que em alguns casos tenha havido exagero como sendo fruto de uma empolgação pela abertura de uma nova visão de mundo menos mecanicista e mais holística, no entanto a utilização do termo “metafísica” deve ser sempre acompanhada de um exame acerca do estigma que ela carregou no século 20 e, com isso, uma parcimônia é recomendável no sentido de que o emprego do “conhecimento metafísico” não deve ser usado como um substituto da nossa falta de conhecimento. No mesmo sentido, a utilização do termo “quântico” parece ter proliferado e, por isso, é recomendável um cuidado em seu emprego, pelo menos um cuidado acompanhado do exame de algumas das seguintes questões: sei a origem da controvérsia que resultou na formulação de uma dita “teoria dos quanta”? Compreendo minimamente os problemas que surgiram a partir dos experimentos realizados?
Você também pode gostar de:
- Ser, Espírito e Todo: três conceitos hermeticamente reunidos
- Metafísica dos sinais de crise: Encontre a melhor solução
- Leitura da aura e chakras com aconselhamento metafísico
É claro que as palavras são de uso público e mudam seu significado ao longo do tempo, mas o uso delas, para ter mais efeito e dar mais consistência ao conhecimento, deve ser precedido de uma pesquisa mínima e reflexão. Tendo esses cuidados, fica mais propício para que a metafísica possa se recuperar totalmente de seu estigma e novamente retomar o seu lugar de “filosofia primeira”, ou, quem sabe, de “ciência das ciências” em um futuro ainda distante.