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Meu encontro com Malba Tahan

A silhueta de uma criança (um menino) está sentada perto de uma árvore, enquanto segura e lê um livro. Ao fundo, há o céu e o pôr do sol.
StockSnap / Pixabay / Canva

Desde a infância, um jovem se encantou pelas histórias de um autor misterioso e cativante, cujos livros despertaram sua paixão por números. Anos depois, uma revelação surpreendente o leva a um encontro inesquecível, onde o escritor, com uma simplicidade envolvente, deixa uma marca profunda em sua vida.

Sobre como um “árabe” bem carioca povoou o coração de uma criança e preencheu para sempre as lembranças de infância de um homem com suas estórias e sua cativante personalidade.

Nos tenros anos de minha infância, em uma visita à casa de um tio que sabia do meu gosto por leitura desde quando ainda morava em Campinas–SP, ganhei dele de presente toda uma coleção de livros do Malba Tahan. Eram 14 volumes, já em sua 15a. edição datada de 1954 pela Editora Conquista, do Rio de Janeiro. Os livros, todos em capa dura, na cor azul-marinho, com títulos nas lombadas em ouro, exibindo duas palmeiras, me fascinaram desde o primeiro momento. Não descansei enquanto não os li todos, um a um, principalmente “O Homem que Calculava”, que me despertou o interesse pelos números.

Jamais me desfiz da coleção, que tenho comigo até o momento, tal o encanto que me promoveu desde aquela época. Na verdade, nunca fui ligado a romances. Só li livros de ficção por necessidade e obrigação, durante o período escolar. Depois, me voltei para literatura histórica, filosófica ou que descrevessem situações reais. Os livros de Malba Tahan, por algum motivo que não sei explicar, são os únicos de ficção que deixaram sua marca na minha mocidade e até hoje me fascinam.

Era tanta a minha admiração por seus contos que, durante minha adolescência, ao me mudar para o Rio de Janeiro com meus pais, comentei com outro tio aqui residente do meu gosto pelos livros de Malba, e qual não foi minha surpresa quando ele me disse que o escritor era seu amigo pessoal, e ex-colega de repartição. Até então, eu acreditava que a fictícia biografia de Malba Tahan, que eu lera pela primeira vez em seu livro “Minha Vida Querida”, fosse real, e considerei uma brincadeira do meu tio a revelação de que ele era bem brasileiro, carioca, de nome Julio César, e morava no Leblon.

Meu coração ficou acelerado quando ele então se ofereceu para levar-me até sua casa, se eu quisesse. A emoção foi tanta que eu não aguentei esperar mais que poucos dias, o tempo para meu tio marcar o encontro e sairmos eu, ele e meu pai para a casa onde o escritor morava.

Lembro-me de que era uma casa singela no Jardim de Alah, bem em frente ao canal que separa o Leblon de Ipanema (isso foi em 1967, portanto há mais de 40 anos). Eu já era um adolescente, e mantinha a mesma admiração por suas estórias que me conquistaram na infância. Lembro que peguei um dos livros de Malba Tahan que eu tinha – exatamente o “Minha Vida Querida” – e o levei comigo, pensando em trazê-lo autografado. Chegando lá, o professor Júlio César, em pessoa, foi quem nos recebeu no jardim.

Um portão de madeira aberto que leva para um jardim ou um ambiente de natureza. Há muitas plantas e folhas ao redor.
Beyhanyazar / Getty Images Signature / Canva

Se havia outras pessoas na casa, eu não percebi, pois ele próprio abriu o portão de madeira que antecedia o jardim da casa e nos levou para seu escritório, onde meu tio lhe falou da grande vontade que eu estava de conhecê-lo, motivo principal da nossa visita. Detalhe interessante: ele nos recebeu descalço. Lembro-me de que, ao perceber que eu observava seus pés nus sobre a terra do jardim, logo que entramos, ele sorriu e comentou: “Não estranhem. A minha inspiração para escrever entra pelos pés!”

Eu estava simplesmente deslumbrado pelo sentimento fortíssimo de estar frente àquele homem que eu admirava desde a infância, e de quem eu devorava toda a coleção de livros repetidas vezes, e que agora me apertava a mão e me falava de uma forma tão suave e cativante, mas, sobretudo, extremamente simples e acessível. Eu, que durante anos o imaginava um árabe tão distante da minha realidade e, sobretudo, de meu alcance, de repente o tinha ali, bem à minha frente, podendo tocá-lo e ouvi-lo, como qualquer outro mortal. Foi uma das emoções mais fortes e significativas de que me lembro em toda a minha vida!

Ele se sentou em sua escrivaninha, abriu a primeira página do livro que eu lhe estendera, e começou a desenhar uns arabescos nele, que eu não conseguia entender o sentido. Sem parar de falar conosco, com sua voz calma e doce, continuou fazendo o complicado rabisco na página do livro, com toda a calma… Ao lado dele, finalmente escreveu: “Luiz Roberto, esta curva, meio complicada, vale apenas como uma lembrança do Malba Tahan/ Rio, 18-11-1967”.

Em seguida, na página em branco antes desta, onde fizera a dedicatória, colou na parte de baixo um retângulo de papel onde havia uma poesia de Castro Alves rodada num daqueles antigos mimeógrafos de reprodução à álcool. Dizia o texto: “Oh! Bendito o que semeia / livros… livros à mão cheia / e manda o povo pensar! / O livro caindo nalma / é germen que faz a palma / é chuva que faz o mar. / CASTRO ALVES”.

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Com a mesma calma, e sempre nos falando mansamente, colou na parte superior uma foto sua, tomou uma caneta verde e assinou: “Malba Tahan/” O “Malba” sobre a foto e o “Tahan” sobre a página do livro, e na moldura inferior da foto a data: 18-11-1967. Achei curioso que, nas duas vezes em que apôs o seu pseudônimo no livro, ele colocou uma barra e um ponto seguidos a ele, assim: Malba Tahan/. Devia ser sua marca registrada.

Tendo esse livro agora aberto à minha frente, de novo sinto a emoção aflorada ao restabelecer contato com essa página tão bonita de minha infância e adolescência em função de um homem e sua obra que tive a honra e a enorme alegria de conhecer. Um homem que foi pioneiro em seu estilo, e precursor da nova escola no Brasil através de seu método de ensinar divertindo, de transformar o aprendizado num elemento de prazer, aliado à motivação pela descoberta e à construção do entendimento junto com o aluno, cujo símbolo maior é o seu incomparável “O Homem que Calculava”.

Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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