Sem filhos e sem blábláblá
Preguiça. Essa é a sensação quando ouço ou leio depoimentos de mulheres que, assim como eu, optaram por não ter filhos. Isso porque muitas não-mães usam a escolha como bandeira partidária. E falam e repetem e praguejam o quanto são discriminadas pela sociedade que as acusa de egoísmo, sobre a necessidade de bradar que são donas do próprio corpo, sem contar as cobranças familiares e um blábláblá sem fim e – pior – sem sentido. Parece uma necessidade de vitimização, de mostrar ao mundo que seguram uma barra sem precedentes, enfrentando tudo e todos pelo direito de não parir. É muita vontade de polemizar onde não há polêmica.
A ideia de ser mãe nunca me animou por um motivo bem prosaico: crianças crescem. Essa fase “criança”, caso ninguém tenha se dado conta, passa em, no máximo, uns oito anos. E olha lá. Caso a ciência tivesse inventado uma maneira de manter crianças como crianças, talvez tivesse providenciado alguns exemplares (isso soou tão *Entrevista com Vampiro). Gosto de crianças, aprecio o ser humano de maneira geral, mas não necessariamente isso me leva a fabricá-lo.
E nunca me causou incômodo. Não cheguei perto de nenhuma crise existencial – ter ou não ter, eis a questão – e muito menos passei noites em claro pensando em algo plausível para justificar minha decisão. Ninguém com capacidade de discernimento mínima – amigo ou não – teria ousado me interpelar com alguma questão inquisitiva sobre eu não querer procriar. E por uma razão muito simples: quando você sabe o que está fazendo, e o que está fazendo definitivamente não é da conta de ninguém, desenvolve uma aura, uma imunidade que te protege dos defensores da perpetuação da espécie.
Um dos argumentos da oposição que mais me diverte é aquele que ganha tons de ameaça premonitória ou praga mesmo: “vai ficar sozinha na velhice, sem ninguém para cuidar de você”. É assustador saber que alguém cria outro alguém com o intuito de garantir a própria aposentadoria. E isso é tão incerto (além de injusto com a próxima geração) quanto o futuro da Previdência Social brasileira.
Perguntar sobre minha opção, claro que pode. As pessoas realmente têm curiosidade para saber o que faz um casal enquanto os demais do grupo estão enfeitando o quartinho do neném, trocando fraldas, escolhendo escola, ajudando nas aulas de recuperação ou tendo mini-infartos cada vez que o adolescente não atende o celular. Eu entendo. Mas garanto: dá pra não morrer de tédio. É só ter um pouco de criatividade.
Num planeta onde mulheres são agredidas, violentadas e vendidas como escravas é um pouco constrangedor se sentir mártir porque meia dúzia de sem-noção vai boquejar qualquer coisa por conta de sua preferência pela não-prenhez. Se existe um requisito aqui é entender que escolhas implicam em decidir por um lado e virar as costas para o outro, portanto, requerem sabedoria para evitar arrependimentos. E ponto final.
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*O filme ‘Entrevista com Vampiro’ (Interview with the Vampire: The Vampire Chronicles, EUA, 1994. Direção Neil Jordan) conta a história de um vampiro, Louis de Pointe du Lac (Brad Pitt), que ganha de “presente” a vampirinha Claudia (Kirsten Dunst), que, por ter sido devidamente “vampirizada” quando criança, permanecerá como infante pela eternidade.