Segunda-feira é um dia que costumo chegar tarde em casa, e nessa última não foi diferente. Quando cheguei já passava das dez e minha esposa estava deitada pronta para dormir, apenas me esperou para um beijo de boa noite.
Apesar do horário, estava faminto e ainda não havia jantado, por isso, logo me apressei, fiz um prato e me acomodei confortavelmente no sofá. Quando me preparava para a primeira garfada, me deparei com aqueles lindos olhinhos redondos e amendoados da minha cachorra – a Tutti. Quem tem bichinho de estimação sabe como é, eles possuem muitos recursos para nos cativar e nos convencer quando querem alguma coisa; mais ou menos como são os seres humanos. Mas os bichinhos se limitam a comida ou um afago. A questão é: como resistir a àquele olhar?
Enquanto aqueles olhinhos me fitavam a cada garfada que eu trazia à boca, fazia uma reflexão sobre a forma que eu alimento meu bichinho. Eu me lembrei que antes de sair eu a alimentei com ração ✔, dei água ✔, havíamos viajado no final de semana anterior, onde ela pode passear bastante ✔ e, com alguma frequência, dividimos uma fruta ✔. Ou seja, ela tem tudo que ela precisa para ser um bichinho de apartamento e, concluí, que nada falta para ela, pois eu fiz tudo que posso fazer pelo bem daquele ser. Por que eu daria minha comida para ela? Para ela gostar mais de mim? Para que ela seja mais obediente e me respeite mais por ser detentor da comida? Eu não dou porque estou ciente que tenho todas as minhas obrigações com ela em dia, não existe essa vulnerabilidade que ela possa explorar, meu coração e minha mente estão unidos e cientes de que aquilo é apenas uma encenação ou uma artimanha para conseguir algo agindo nos seus pontos fracos. Aquilo que você não dá a devida atenção se torna uma brecha.
Agora coloquemos essa situação no nosso dia-a-dia. Não existem pessoas assim ao seu redor? Pessoas que agem assim como os animais, fazendo joguinhos para conseguir o que querem? Pessoas exploram suas vulnerabilidades e você se deixa manipular por não se conhecer e para que as pessoas gostem de você, você acaba por fazer o que elas querem.
Na cultura budista é dito que quando Sidarta Gautama, que primeiro foi príncipe na Índia e depois discípulo dos acetas, quando estava em busca da iluminação foi tentado de diversas formas por Mara, um demônio muito astuto que se disfarçava de diversas formas, sempre com o claro intuito de atrapalhar seu processo de aprendizagem. Porém, Mara tinha pela frente um oponente que ele não conseguiria derrotar, pois seu oponente estava muito focado no que queria fazer, tinha um objetivo muito bem traçado e as ilusões de Mara não o tirariam do seu caminho, afinal Sidarta Gautama tinha total consciência de quem ele era e do que ele tinha feito até ali, tornando-se, assim, o primeiro Buda.
A nossa jornada, guardadas as devidas proporções, não é parecida? Todos temos nossos objetivos, todos enfrentaremos nossos obstáculos, mas para que a jornada possa ter êxito, você precisa se armar, não fisicamente, mas amar seu espírito, alinhar seu coração e mente para enfrentar inimigos disfarçados de amigos e ter a consciência de que a caminhada será longa e terá muitas ilusões pela frente. Apenas um conselho: não alimente essas ilusões, pois elas crescem rápido.
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