Não sei se alguma vez você já teve curiosidade de procurar no Google a simples frase “confiar nas pessoas” e ver o que aparecia. Caso nunca tenha tido essa curiosidade, o Google te sugere:
- confiar nas pessoas hoje em dia é dar um tiro no próprio pé
- confiar nas pessoas hoje em dia é sinônimo de se decepcionar
Sim, viver em sociedade não é fácil. Mas, sinceramente, acho que está na hora de mudar isso, está na hora de confiar nas pessoas.
Passei minha vida inteira ouvindo meus pais dizerem “não fale com estranhos” — em parte porque eles foram educados assim e em parte porque, digamos, eles assistem a muita televisão. Para ajudar, sou mulher, o que significa que desde jovem tive que aprender a lidar com a ameaça de olhares masculinos. Por muito tempo, obedeci essas orientações, afinal, eles são meus pais, são mais velhos e consequentemente sabem mais da vida. E também porque, tal como uma presa, quando o assunto são homens e você está sozinha na rua, a essência humana busca a sobrevivência (vulgo: anda rápido e não olha). Contudo, confesso que sempre sonhei em conversar com um estranho, uma pessoa aleatória andando na rua, conversar com aquele mendigo que encontro todo dia após o trabalho, entender porque o homem X me olha daquela forma, afinal, será que ele não tem mãe nem irmã?
MINHAS EXPERIÊNCIAS
A carona com a desconhecida
Voltando para casa à noite, sozinha, doente, num lugar de São Paulo que não conhecia, rua deserta… Ali estava eu, tentando ir para a estação Jabaquara. Quando, de repente, uma senhora, cabelos enrolados e cigarro na mão, aparece num Gol — provavelmente, não sou boa com carros — dizendo:
— Licença, seguindo reto aqui eu chego no Jabaquara?
— Olha, moça, me disseram que sim.
— Você está indo para lá? Quer uma carona?
Que momento! Ali estava minha chance: embarcar numa aventura até a estação com o “estranho” que evitei minha vida toda, finalmente tendo minha primeira experiência, ou acabar sendo sequestrada e tendo meus órgãos vendidos no mercado negro — desculpa o drama, mas foi esse o comentário “e se” dos meus pais quando cheguei em casa. Bom, como a boa aventureira que eu sou — e confiando no meu julgamento de bom caráter —, lá fui eu aceitando a carona e iniciando minha história “A humana: uma jornada inesperada”. A mulher não era uma boa samaritana, era gente como a gente, daquelas com cigarro, que devia sair para o samba na sexta à noite, e ela não pregou uma única palavra de Deus para mim, apenas me disse que costumava dar carona para as pessoas (e, Meu Deus, abençoada seja essa mulher por essa carona!). No fim, cheguei até a estação e voltei para casa — e, como podem imaginar, enfrentei as feras dos meus pais com sua série de “e se”.
Os moradores de rua
Essa primeira experiência pareceu me inspirar de alguma forma. Sempre fui daquelas pessoas que dava umas moedinhas para morador de rua, deixava um pacote de bolacha no chão e saía correndo, mas nunca tive coragem de bater papo com um (a maioria é homem, cheirando à bebida e, numa sociedade machista e onde o álcool nos deixa fora de si, essa é uma situação relativamente de alerta para uma mulher). Acontece que tem dois moradores de rua perto do meu trabalho, eu os chamo assim para ajudar a contextualizar, mas eles são pessoas cujos nomes são Sérgio e Tony (Antônio, mas Tony para os íntimos). Sérgio é um cara já sofrido pela rua, não fala coisa com coisa, pede dinheiro para comprar cigarro ou bebida e se emociona frequentemente quando fala de Deus. Tony, por outro lado, está na rua há menos tempo e se encontra nessa situação por ter perdido o emprego há alguns meses.
Num belo dia (estava bonito mesmo, apesar da poluição de São Paulo), estava no meu horário de almoço e resolvi sair para comer um doce — parece bem clichê, mas faço isso com frequência. Saí da empresa já trabalhando a ideia: “Hoje eu vou conversar com eles” e foi o que eu fiz.
Eu te garanto, o mundo ficará bem mais colorido dessa forma.
— Oi, já comeram hoje?
Simplório, mas eficaz. Poderia escrever a continuidade da conversa, mas isso ficaria particularmente longo. A moral da história é que comprei duas coxinhas (coxinha é vida) e um refrigerante, e enquanto brindávamos às coisas simples da vida, ouvi a história do Tony, em meio a um Sérgio pedindo dinheiro para um cigarro.
O QUE EU APRENDI
Sinceramente, não é como se isso fosse um texto de autoajuda “coisas que você pode aprender conversando com desconhecidos”. Preciso te contar uma coisa sobre a educação que seus pais te deram e sobre as notícias que vemos na TV: por trás da denominação “morador de rua” e “desconhecido” há uma “pessoa” por trás, um ser humano assim como você. Eu pude ser tocada pela gentileza de uma senhora — porque eu me permiti viver isso — e pude entender que aquelas pessoas que costumam estar deitadas num colchão ou papelão, com uma aparência e cheiro não muito agradáveis, não são uma ameaça — você pode até dizer “é claro que não são”, mas poupe-me de hipocrisia. Se essa for a verdade do fundo do seu coração, ótimo. Do contrário, assuma seus preconceitos, assim é mais fácil se livrar deles. O fato é: o mundo é perigoso sim, as pessoas podem ser assustadoras, mas elas também podem ser encantadoras. Tudo o que você precisa fazer é acreditar no seu bom senso e se permitir conhecer o que a vida tem a oferecer, o que a vida de outras pessoas tem a te oferecer.
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Costumo dizer que o ser humano é como uma caixa de tamanho infinito, a sua bagagem de vida pode ser imensurável se assim o desejar, você só precisa preenchê-la de experiências, vivências, e principalmente: pessoas. Por isso, não peço para que tente repetir minhas experiências — livre-arbítrio é bom e todo mundo gosta —, mas pense em dar uma chance para quem está ao seu lado, tire os óculos escuros que a sociedade te impôs e tente enxergar a beleza que há por trás da alma de cada um. Eu te garanto, o mundo ficará bem mais colorido dessa forma.