Para podermos alcançar a plenitude será necessário iluminarmos a própria sombra. Para nos iluminarmos teremos que ter consciência plena daquilo que existe em nosso mundo interior, isto significa, em um primeiro momento, nos conhecermos.
Não existe a menor possibilidade de expandir-se para fora envolvidos com o mundo, toda expansão é um trabalho interior e visa uma maior integração com os conteúdos do inconsciente.
Uma frase de Jung define bem essa questão: “Prefiro ser inteiro a ser bom”. Muito bem, ser inteiro, portanto, tornou-se o grande desafio da humanidade no limiar deste novo milênio. Graças a mecanismos de fuga, às tendências que trazemos em negar a própria natureza, ao fato absurdo de nos envergonharmos do que somos, influenciados que estamos pelos modelos e normas estabelecidos, vivemos uma vida de total estagnação. Enquanto nos apegarmos às máscaras transitórias que lustramos e envernizamos para sermos aceitos, nossa rotina será de dor e sofrimento.
Ao virarmos as costas para todo esse material psíquico “desagradável” que rejeitamos, estamos apenas fortalecendo-o, pois o simples fato de não aceitá-lo não significa que ele deixará de existir. Como constatado por estudiosos, ele sobrevive graças ao seu conteúdo afetivo e se articula em busca do caminho da manifestação.
O Universo trabalha para expelir tudo aquilo que estiver atrapalhando o nosso despertar, portanto, estaremos sofrendo o desconforto do assédio constante dessas energias, uma vez que o corpo e a consciência são os leitos naturais por onde deságuam os elementos de estorvo da alma.
Não existem fórmulas mágicas para o nosso progresso espiritual, não há a menor possibilidade de nos iluminarmos a não ser trazendo luz à própria sombra. Precisamos ouvir, dialogar, negociar com esses conteúdos que nos atormentam, a fim de nos ajustarmos com nós mesmos. Quando nos alinharmos com essas partes desarmônicas e colocarmos todos esses complexos autônomos do inconsciente dentro do mesmo objetivo, estaremos criando as condições para alçarmos voos mais altos na busca da expansão da consciência.
Estamos bastante familiarizados com a ideia distorcida de que o simples fato de negar a nossa vontade irá ajudar a nos livrar de futuros assédios e tentações. Por exemplo, se existe um lado promíscuo em nossa contextura espiritual, é ilusão pensarmos que podemos amputá-lo com orientações religiosas ou negá-lo com a indiferença, tudo que podemos fazer, como explica a escritora e psicóloga Debbie Ford, em seu livro ‘Encontre o efeito sombra em sua vida’ é empurrá-lo para o inconsciente, como se estivéssemos em uma piscina e afundássemos uma bola embaixo d’água, no momento em que nos distraíssemos, ela emergiria com toda a violência à superfície e atingiria a nossa face.
Enquanto fugirmos desse enfrentamento, teremos de lidar com os mecanismos de ajuste do Universo, e o meio mais comum que ele utiliza para nos pressionar é a dor. Jesus recomendou que nos tornássemos verdadeiros buscadores – “batei e abrir-se-vos-a” – não podemos, portanto, esmorecer. Não podemos nos esquecer daquilo que, também, foi alertado por ele: “Não há nada escondido que não venha a ser revelado, nem oculto que não venha a se tornar conhecido”, parece claro que esse Sublime Peregrino nos ensina que é inútil resistirmos ao diálogo com nós mesmos, pois nossos complexos irão insistir constantemente nessa interlocução.
É preciso sentir, assumir, aceitar, dialogar com os conteúdos energéticos que negamos, pois são elementos que clamam por ser ouvidos, que querem ser aceitos e merecem ser ajudados, para que possam alcançar a luz.
Podemos citar, também, a história do gato que virou donzela na fábula de Esopo: estando sentada, de forma bastante recatada, à mesa, a gata – naquele momento transformada em donzela – não conseguiu resistir ao perceber um rato que passava e deu vazão a sua verdadeira natureza, saltando em sua direção.
Por mais que possamos nos revestir de máscaras, nossa sombra não deixará de romper os diques criados pelos medos que arquitetam cuidadosos sistemas de defesa, portanto, tudo que podemos afirmar, de forma inequívoca, é que onde quer que estejamos, essa sombra nos acompanhará e estará orbitando nossa consciência em busca de aceitação.
Como já dissemos anteriormente, há diferentes níveis de materiais psíquicos nas gavetas da alma e alguns apresentam estados patológicos por conta do expressivo conteúdo afetivo. Negar ou fugir desse encontro, evitando o diálogo consigo mesmo, anestesiando a própria consciência com as ilusões do mundo, com prazeres entorpecentes, nunca foi o mais recomendável.
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No livro “O médico e o monstro” encontramos um estranho relacionamento entre duas partes de uma mesma consciência cindida, duas personalidades absolutamente contrárias no mesmo ambiente psíquico. O que nos ensina o romance é que o protagonista, Dr. Jekyll, buscou arduamente desenvolver uma fórmula para trazer esse monstro à superfície, queria permitir que ele se expressasse, pois já sabia de sua existência, portanto, malgrado todos os estereótipos de uma ficção como essa, não podemos deixar de tirar algumas lições importantes, principalmente no que tange à necessidade de nos assumirmos e nos ajustarmos com tudo que busca expressar-se em nosso ser e, desta forma, introduzirmos os elementos educativos no sentido de transformarmos nossa natureza para melhor, em busca da plenitude.