O Dia das Mães celebra a maternidade no amor em suas múltiplas manifestações, desvelo, entrega, paciência, enfim, destacando, na maior parte das vezes, aquilo que a mulher faz para a manutenção da sua criatura, com bastante idealização, convenhamos, e pouco se fala do mistério que envolve o poder de gerar uma vida.
A criação pertence ao plano dos eventos numinosos, um segredo perturbador guardado a sete chaves no qual a humanidade frequentemente prefere não pensar. Conhece-se muito bem toda a biologia da coisa, mas não se entende por que a mágica acontece. Um evento da ordem do extraordinário, porque não é toda noite de amor ou de sexo que conduz ao choro de um rebento.
A criação constitui uma ponte que é estabelecida entre os homens e os deuses, e a mulher é quem contém essa potencialidade, do nascimento do novo, possuindo o numinoso em seu corpo, um ventre que contém, gesta e nutre.
O grande feminino como um todo apresenta-se como o símbolo da vida criativa. Ao longo dos tempos, nas mais diversas culturas, confeccionar vasilhas conforma tanto uma parte da atividade criativa do feminino, quanto fazer uma criança, isto é, o ser humano que – assim como o vaso – tantas vezes foi mitologicamente moldado a partir da terra.
O feminino é o grande vaso que contém toda a eternidade, o passado, o presente e o futuro; não raro, as mulheres grávidas se sentem plenas e cheias de graça nesse estado, uma manifestação do próprio divino.
Por sua vez, a gravidez permite a vivência de estados temporais diferentes que estão momentaneamente unidos. A mulher grávida vivencia um acontecimento que foi vivido por toda a raça humana. Ela reatualiza no presente o passado do ser humano, o mesmo ciclo vital se repete no seu corpo. Ela sabe que traz no corpo a semente do futuro ser. Ela, que já foi semente, permite que uma semente se desenvolva em seu interior. A semente que está contida no corpo traz todas as promessas de um futuro que ainda é incógnito, repete a trajetória de toda semente.
Grávida, ela contém a eternidade, Jung escreve que podemos imaginar que toda mãe contém a filha em si mesma, que toda filha contém a mãe e que toda mulher se amplia para trás, em sua mãe, e para a frente, em sua filha. Essa participação e essa mistura dão origem àquela incerteza peculiar no que diz respeito ao tempo: a mulher vive, no início, como filha e depois, como mãe…
Na gestação é vivenciado o aspecto da capacidade acolhedora e de aceitação da própria transformação que se passa no seu corpo e na sua alma. Bem, quando possível, porque tamanha numinosidade comporta desafios.
O corpo masculino não se transforma, já o corpo da mulher passa por infinitas modificações; a partir da primeira menstruação, todos os meses, num ciclo que a prepara para gestar; parte-se na primeira relação sexual e ao longo de nove meses no preparação de um novo ser. Ao dar à luz, a mulher torna-se mãe, mesmo que o filho morra.
Diversas são as experiências de transformação do humano ao longo da vida, mas a maternidade particularmente torna-se significativa, dado que propicia ao indivíduo um lugar e um significado na vida das gerações e um entendimento da correnteza da vida, que flui através da mulher, experiência pela qual o indivíduo é salvo do isolamento, do nada, e devolvido à sua inteireza em sua ligação com a totalidade. Deveríamos pensar mais nisso para podermos viver a vida reverenciando a terra, toda a semente e todo o fruto presentes neste planeta.
Bibliografia
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2003.
NEUMANN, E. A Grande Mãe: um estudo fenomenológico da constituição feminina do inconsciente. São Paulo: Cultrix, 1974.
Você também pode gostar de outro artigo dessa autora. Acesse: Uma reverência à dança do universo