É impressionante observar como a Copa do Mundo une e atrais as pessoas e dissipa as mágoas — pelo menos foi isso que aconteceu na minha rua, Santa Isabel, onde moro, em Manaus.
Há muito tempo, por causa de política, o meu vizinho da direita não falava com o vizinho da esquerda, mas foi só o técnico da Seleção Brasileira, o Tite, convocar os jogadores para a Copa do Mundo do Catar, que eles voltaram a se falar.
A única divergência entre eles foi a convocação do lateral direito, Daniel Alves. O meu vizinho da direta, como era palmeirense, queria que o Tite convocasse Marcos Rocha, e o vizinho da esquerda, como era flamenguista, queria que o técnico chamasse o Rodinei. Em suas defesas, ambos argumentaram:
— “Tu não vês que o Rodinei é o Pelé dos nossos tempos?”; — “Não exagera. O Marcos Rocha marca bem, ataca melhor ainda e cobra um lateral igual a um escanteio”; — “Se o Rodinei jogar uma bola na frente não tem quem pegue ele na carreira”; — “É verdade, ele corre muito. Corre tanto que passa até da bola”… Eles riram às gargalhadas.
Naquela manhã, a conversa entre eles era leve e tranquila. Fora alguns palavrões, típico de dois homens de meia-idade apaixonados por futebol, tudo estava em relativa paz.
Nada de xingamento mútuo, como fora no último domingo, quando ambos quase foram às vias de fato, logo após o TSE proclamar o resultado das eleições para presidente.
— “Sou um homem de sorte e certeiro; minha aposta é que o Brasil vai ser campeão este ano” — disse, da janela de sua casa, o meu vizinho da direita. O meu vizinho da esquerda riu muito, dentro do seu casaco verde-amarelo e atrás de seu bigode branco; depois, limitou-se a responder:
— “Certeza eu só tenho uma: daqui a pouco o Justino passa recolhendo o dinheiro para enfeitar a rua”. — “Por falar nisso, vossa senhoria já deu a sua contribuição?” — “Ainda não. Você sabe quanto é?” — “Ficou acertado em 50 reais”. — “Minha nossa, tudo isso?” — “Deixa de ser mesquinho, 50 reais não compram nada hoje em dia”. — “Verdade, você tem razão”. — “Não faz muito tempo, com 50 reais no bolso eu comprava uma porção de coisas no supermercado”.
Os vizinhos conversavam em alto e bom som, quando o Justino, o morador mais antigo da rua, o responsável por recolher o dinheiro dos moradores para enfeitar a rua com as cores da Seleção Brasileira, se aproximou:
— “Vamos ou não vamos ganhar a Copa do Mundo este ano, vizinhos?” — “Vamos sim” — responderam juntos os dois vizinhos que antes eram inimigos mortais por causa da política. — “Vejo que vocês estão unidos, e isso é muito bom. É esse o espírito de união que eu quero ver na rua” — disse Justino. — “Sim, é isso que buscamos”; — “É isso que desejamos”; – responderam os velhos amigos. — “Esperamos que o Brasil ganhe essa Copa”, — concluiu Justino, contando o dinheiro que recebera de ambos.
Alta, muito alta; branco, muito branco; verde, muito verde; azul, muito azul; amarelo, muito amarelo; a bandeira do Brasil tremulava soberana sobre os rostos dos jogadores e a taça de campeão do mundo, pintados no asfalto que enfeitava, do início ao fim, a minha rua, formando um verdadeiro tapete imperial. A rua estava toda enfeitada, bonita como ela só.
Sonhei ter visto a minha rua assim? Terei sonhado ou sonhei que sonhava? Sinceramente, não sei! Sei que, como o Brasil é “o país do futebol”, eu espero/desejo/sonho que o povo brasileiro aproveite essa oportunidade para restabelecer laços de união que porventura tenham ficado para trás por causa da política!
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Sinceramente, em nenhum outro momento, como nos jogos da Copa do Mundo, se lança com tanta veemência o desejo de ser feliz, de comemorar, de sorrir, de abraçar e, alguns, até de beijar. É impressionante como, na hora do gol, não tem clubismo, religião, política, ideologia. Viva o Brasil, viva o país da diversidade, o único que pode ser hexacampeão!.