Em abril de 2015, iniciei uma caminhada motivada por um sonho que tive entre o Natal e o Réveillon de 2014: sonhei com um longo caminho, com uma mochila grande em minhas costas e muitas bolhas nos meus pés. Ao acordar, tive a forte sensação de que eu tinha que caminhar o Caminho de Santiago de Compostela. Nunca fui católica, mas alguma coisa ali me chamava. Perguntei ao marido se ele queria vir junto. Na sua negativa, parti sozinha para a compra das passagens.
Existem diversos motivadores e objetivos para se percorrer o Caminho. Todos eles fazem sentido e estão certos, pois o Caminho é acolhedor.
Eu, como buscadora, queria adentrar o território do “NOVO”. Em um de seus livros, Krishnamurti disse: “a mente pode reconhecer apenas o que já foi experimentado; não pode reconhecer uma coisa nova, pois o que é novo não é reconhecido”. Ressoando com essa frase, eu não poderia me utilizar de velhas referências: não me preparei fisicamente, não participei de nenhuma ‘caminhada preparatória’, não me associei a nenhuma instituição ligada ao Caminho, não quis ler nada sobre ele (até me arrisquei a ler um guia escrito por um brasileiro, mas desisti, frustrada com a qualidade do material), ou seja, não fiz planos.
Meu preparo consistiu em: comprar uma boa bota, realizar os exames solicitados pelo meu médico, baixar no meu celular um aplicativo que me indicava em quais cidades havia albergues ou restaurantes e seus valores, ter comprado a minha credencial na Associação de São Paulo (o que foi desnecessário para o meu processo, até então, neutro) e comprar as passagens.
Quando desembarquei em Pamplona, não sabia ainda se iniciaria em Saint-Jean- Pied-de-Port ou Roncesvalles. Peguei um táxi e, conforme ele se aproximava das montanhas, vi muita neve nos picos. Pedi que o taxista me deixasse então no lado espanhol. Não, eu não estava ali pra me provar pra mim mesma nem pra ninguém, muito menos para competir. Sozinha, sem nunca ter caminhado em neve e sem treino, eu não precisava correr aquele risco. O autocuidado faz parte da natureza humana, só precisamos ouvi-lo por meio da nossa intuição. A minha pedia que eu mantivesse a minha integridade, onde quer que eu fosse.
O Caminho é para todos, mas nem todos são para o Caminho.
Acordei no dia seguinte e parti sozinha, sem guia ou mapa, somente seguindo as flechas amarelas em direção a Santiago. Em 35 dias, me perdi 2 vezes. Percebi que nos perdemos quando duvidamos. A primeira vez que me perdi foi no primeiro dia, quando minha mente questionou: “Onde eu tava com a cabeça quando resolvi vir parar aqui?”. Duvidar é gerar resistência, e a resistência nos tira do fluir, dificultando a caminhada.
Não carreguei bandeira, nem vesti nada que me identificasse como sendo de uma determinada cultura. Ao falar inglês, achavam que eu era europeia ou americana, ao falar espanhol, achavam que eu era francesa. Alguns ficavam muito surpresos ao saberem que eu era brasileira – até mesmo brasileiros. É fascinante ver como estereótipos são criados, determinando padrões que nos aproximam ou nos afastam da nossa humanidade.
O Caminho iguala a todos quando carregamos quase as mesmas pouquíssimas coisas na mochila: quando o que TEMOS é o suficiente para vivermos, pois TER MAIS implica em dificultar a caminhada. Perante o Caminho, não importa quem você é ou o que você tem: todos são iguais. O que muda é o modo como cada um percebe o externo e o próprio caminhar.
Quando se caminha o novo, as metas são inviáveis. Como colocar metas para aquilo que desconhecemos? Em vez de usar a mente racional já conhecida (que resulta em frustrações), mediante ao novo somos convidados a ouvir a intuição. Na minha jornada, percebi que o Caminho é quem está no comando: ele dá as lições necessárias.
Aprender a soltar a ilusão do controle geralmente é uma delas. Com o cansaço, as dores (cada hora em um lugar diferente), as bolhas, o suor, a solitude e estando 100% fora da zona de conforto por tanto tempo, o Ego vai se “amaciando”. E é aí que a mágica acontece: quando a gente se rende ao Caminho ele nos dá de presente um coração aberto. Absolutamente vulnerável, mas aberto o suficiente para ver e sentir através de si mesmo e das relações com os outros, que são apenas reflexos de nós mesmos. Quando me rendi ao Caminho, percebi que tanto fazia chegar a Santiago ou a qualquer outro lugar: o destino era caminhar para dentro do meu coração.
O Caminho não é sobre caminhar: é sobre AMAR!
Por isso, eu gostaria de deixar aqui um convite aos buscadores que se sentem chamados a caminhar o Caminho: seja qual for a sua motivação, pratique o exercício da entrega desde já! Não se preocupe em seguir os passos dos outros. Não se associe a quem está ligado ao medo, te dizendo o que fazer e como. Não estude o Caminho. O Caminho é a saída do medo rumo ao Amor. O objetivo de quem caminha para se autoconhecer, para acessar um Amor ainda desconhecido, não é o de percorrer “x” km/h por dia e pendurar a “Compostelana” (ou “La Compostela”) na parede quando se retorna à zona de conforto da vida cotidiana. O objetivo de quem vai pelo chamado é muito maior do que o próprio caminhante.
Apesar de saber que Santiago não era o objetivo final, eu cheguei a essa cidade em dia de festa, quando se celebra o dia de Nossa Senhora de Fátima. Percebi que o fim, assim como o começo, também é ilusório para quem está no plano da matéria.
Buen Camino!