Saúde Integral

O corpo humano contra os tumores

Escrito por Eu Sem Fronteiras

Quando uma pessoa recebe o diagnóstico de câncer vários medos tomam conta dela. Perder os cabelos, ficar fraco, a enorme quantidade de remédios para tomar diariamente, seus efeitos colaterais e as chances de não conseguirem vencer a doença, mesmo após tanto esforço. Mas, o que é o câncer? Trata-se de um conjunto de mais de 100 doenças que se caracterizam pelo crescimento desordenado das células que invadem tecidos e órgãos, podendo espalhar-se para outras regiões do corpo em casos mais graves (metástase).

As células cancerígenas dividem-se rapidamente e possuem enorme poder de agressividade. O acúmulo de células cancerosas é chamado de tumores ou neoplasias malignas. Porém, o tumor pode ser benigno, ou seja, as células multiplicam-se mais lentamente, e por serem parecidas com seu tecido original, raramente oferecem risco à vida. O que diferencia os vários tipos de câncer é a velocidade de multiplicação das células e a capacidade de atacar tecidos e órgãos vizinhos. O carcinoma é o câncer que tem início nos tecidos epiteliais como pele e mucosas. Já o sarcoma começa nos tecidos conjuntivos com osso, músculo ou cartilagem.

As causas podem ser externas ou internas ao organismo e estão interrelacionadas. Tabagismo, alcoolismo, exposição excessiva ao sol e o envelhecimento provocam alterações celulares que elevam a probabilidade de um câncer maligno. Ainda não existem estudos que comprovem a relação da alimentação com a doença. Mas, é sabido que pacientes orientais que seguem a dieta oriental, rica em peixes, apresentam menos riscos de terem câncer de mama. Fumantes têm 10 vezes mais chances de desenvolverem câncer de pulmão. Consumo excessivo de álcool provoca câncer de boca, esôfago e fígado. Fatores hereditários também estão envolvidos. Estima-se que 10% dos casos de retinoblastoma são reincidências familiares.

Aumento nas taxas de mortes por câncer

Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca), ligado ao Ministério da Saúde, aumentou o número de mortes por câncer no Brasil entre os anos de 2011 e 2012. O número de óbitos masculinos subiu de 00,47 para 103,2. O número de óbitos femininos subiu de 83,99 para 86,92. O câncer de pulmão é o que mais atinge os homens. O mais letal entre as mulheres continua sendo o de mama.O Ministério da Saúde informa ainda que o câncer é a principal causa de mortes no Brasil e no mundo, ficando atrás somente das doenças cardiovasculares.

Defesas naturais do organismo

Nosso organismo possui mecanismos de defesa naturais. Fazem parte desse time, a integridade do sistema imunológico, a capacidade de reparo do DNA danificado por agentes cancerígenos e a ação das enzimas que transformam e eliminam substâncias cancerígenas. Tais mecanismos de defesa são geneticamente pré-determinados, não sendo iguais em todo mundo. Esse fato explica o grande número de pessoas com câncer na mesma família e também, porque nem todo fumante desenvolve câncer de pulmão.

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O sistema imunológico é quem lidera os mecanismos de defesa. Ele é formado por um sistema de células que fazem parte de órgãos como o baço, fígado, nos gânglios linfáticos, no timo e a medula óssea, além de circular na corrente sanguínea. O nome de desses órgãos são órgãos linfóides e possuem ligação com o crescimento, desenvolvimento a distribuição das células responsáveis por defender o organismo contra a ofensiva dos “invasores estranhos”. Os linfócitos são células que desempenham importante papel no sistema imune.

A função dos linfócitos é atacar as células infectadas pelos vírus oncogênicos (que podem causar câncer), as células em transformação maligna e produzir linfocinas. As linfocinas são substâncias que regulam o crescimento e o amadurecimento de outras células e do sistema imune. Estudiosos acreditam que as alterações em sua produção ou estruturas estejam relacionadas a várias doenças, especialmente do câncer. O entendimento sobre o funcionamento dos mecanismos de ação do sistema imunológico é importante para a compreensão do câncer, para criar novas estratégias de tratamento e prevenção.

Entretanto, 2015 é um ano importante no que diz respeito ao tratamento da doença. Médicos de várias partes do mundo reúnem-se anualmente no congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, a Asco. Segundo o oncologista Marcello Fanelli, diretor do A.C. Camargo Câncer Center, em São Paulo há muito tempo as notícias não eram tão boas. A boa nova dessa edição é a imunoterapia, que agora atua junto com a quimioterapia, radioterapia e a cirurgia, e em alguns casos já é usada como o principal pilar terapêutico.

As novidades da Asco

Não é a toa que a edição desse ano é considerada como uma das mais importantes de todos os tempos. Os grandes laboratórios farmacêuticos apresentaram suas novidades no campo da imunologia. O Pembrolizumabe, da MSD, apresentou bons resultados no combate de 13 tumores diferentes – de mama, nos ovários, no estômago, na bexiga e na pele – A eficácia fez Estados Unidos e Europa liberarem o medicamento para o tratamento para alguns desses tumores. Luciana Fanti, gerente médica da MSD afirma que a resposta do Pembrolizumabe, em relação à quimioterapia foi cinco vezes maior, além de dobrar a sobrevida dos pacientes com melanoma.

O Atezolizumabe, desenvolvido pela Roche, foi testado em 287 pessoas com câncer de pulmão, mal responsável por 4350 mortes por dia em todo o mundo. Os voluntários não obtiveram sucesso com a quimioterapia. O imunoterápico teve resultado ainda mais satisfatório nos casos onde os tumores produziam maior carga de proteínas capazes de desativar os linfócitos. O Atezolizumabe ainda duplicou a expectativa das pessoas.

Um assunto que foi amplamente discutido na Asco,  foi a viabilidade de exames de sangue para mostrar em quais casos o recurso será benéfico. A expectativa da médica Clarissa Mathias, diretora do Núcleo de Oncologia da Bahia é que os tratamentos sejam cada vez mais individualizados e certeiros.

Outra questão debatida foi a administração de dois imunoterápicos simultaneamente. Especialistas da Bristol uniram o Ipilimumabe ao Nivolumabe no combate do melanoma e os resultados foram ainda mais satisfatórios. O teste foi dividido em dois grupos. O primeiro recebeu apenas o Ipilimumabe. A segunda foi submetida à terapia combinada. Nesse segundo grupo o percentual de ganhos contra o câncer saltou para 61%. Embora esse teste tenha sido comemorado no congresso, André Fay, oncologista do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre pondera que a efetividade do tratamento poderá elevar a toxidade do tratamento.

Mas como funciona a imunoterapia?

A quimioterapia, a radioterapia e a cirurgia são os métodos de tratamento da doença. A imunoterapia funciona da seguinte forma: o tumor é bombardeado, através da estimulação do sistema imune. Para você que está se perguntando se as células não fazem isso, a oncologista Maria Del Pilar Estevez, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo explica que o câncer é uma doença que produz moléculas que desativam os linfóticos, os líderes do sistema imune. Dessa forma, o organismo é enganado e não percebe que foi atacado, o que facilita o desenvolvimento da doença.

A imunoterapia é um conjunto de medicações injetáveis, cujo papel é fazer com que as células de defesa reconheçam seu inimigo e partam para a batalha. Por enquanto, o único medicamento aprovado no Brasil é o Ipilimumabe, fabricado pelo laboratório Bristol. É indicado para o melanoma, o mais agressivo câncer de pele. Contudo, em breve a lista ganhará novos remédios, segundo dados da Asco.

Outro tipo de imunoterápico são as vacinas são injeções com moléculas contidas nas células tumorais, assim, o sistema imune reconhece e combate mais facilmente essas células inimigas. No segundo caso, as células cancerígenas são recolhidas do pacientes, multiplicadas em laboratório e reintroduzidas. Segundo informações contidas no site do congresso, as 44 pessoas que receberam essa técnica associadas à quimioterapia tiveram aumento da sobrevida, em relação aos que fizeram apenas quimioterapia.

Um novo protagonista?

A imunoterapia é vista como o quarto pilar terapêutico, atuando ao lado da quimioterapia, quimioterapia e cirurgia. Mas, em alguns casos o tratamento é a primeira escolha. A médica Clarissa Baldotto, coordenadora do projeto de oncologia do Americas Medical City, no Rio de Janeiro frisa que os imunoterápicos já são a primeira escolha no tratamento do melanoma. Clarissa acredita que não vai demorar para que o mesmo aconteça no câncer de pulmão.  É aplicada uma injeção a cada três semanas – o tempo é de acordo com a reação do paciente. No Brasil o único imunoterápico autorizado é o Ipilumumabe, usado para o tratamento do melanoma (câncer de pele).

Relembrando, a imunoterapia estimula o sistema imune a reconhecer seus inimigos. Mas, será que isso não traz efeitos colaterais? Fernando Maluf, oncologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo relata que fadiga, febre, dor muscular, inflamações na pele e hipotireoidismo são os principais efeitos colaterais, porém, que podem ser tratados.

A corrida dos laboratórios

Todos os laboratórios estão produzindo medicamentos imunoterápicos. Segundo estimativas da IMS Health mais de 500 medicamentos imunoterápicos estão em desenvolvimento, número cinco vezes maior do que os remédios para diabetes.

Mais caro que ouro

A imunoterapia apresentou resultados animadores, mas, infelizmente não é para todos. O que torna essa terapia inviável para muitos doentes é o preço. Uma dose de imunoterápico chega a custar US$ 90 mil. O médico Leonard Saltz, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York disse que o preço dos medicamentos é “mais caro que ouro”. Saltz afirma ainda para tratar pacientes com estágios avançados de câncer nos EUA custaria US$ 174 bilhões, o equivalente a R$500 bilhões. Para se ter uma ideia, o orçamento do Ministério da Saúde para 2015 é aproximadamente R$90 milhões.

É complicado calcular o valor justo de um remédio. Em 2014, Yervoy rendeu US$1, 3 bilhão a Bristol-Myers Squibb em todo o mundo. No mesmo ano, o laboratório gastou US$4,5 bilhões em pesquisas e desenvolvimento. O faturamento total fechou em US$ 15,9 milhões.

As indústrias farmacêuticas alegam que somente uma pequena fatia dos benefícios é convertida em um produto comercialmente viável. Elas ainda esclarecem que o valor dos remédios que deram certo custeia os que não puderam ser produzidos.

Evanius Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica ressalta que a oncologia está segmentada, e os remédios cada vez mais são acessíveis a um pequeno número de pacientes. Por outro lado, Wiermann destaca que as indústrias farmacêuticas sempre mostraram disposição para negociar com governos. Rodrigo Munhoz, oncologista do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista também concorda que será necessária uma forte mobilização para reduzir os custos. Munhoz declara que indústria farmacêutica, médicos, planos de saúde e governo precisaram se unir, e que o esforço valerá a pena, pois, os imunoterápicos representam uma enorme vitória na luta contra o câncer.

Contudo, planos de saúde e sistemas públicos de saúde podem não conseguir chegar a conclusão de como vão resolver esse impasse. Existe o risco da questão ser levada à Justiça. Fernando Maluf, oncologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, garante que “a judicialização da imuno-oncologia vai acontecer”. Caso Maluf esteja certo, somente as pessoas com alto poder aquisitivo terão dinheiro para pagar advogados especializados, custear todas as despesas um processo e ir para os Estados Unidos, caso o processo movido no Brasil não for favorável.

As incertezas

A imunoterapia é apontada como a grande arma no tratamento do câncer. Mas ainda são necessárias muitas pesquisas para aprimorar a técnica. De acordo com Carlos Barrios, professor da PUCRS e diretor do Instituto do Câncer do Mãe de Deus, o tratamento é mais aplicável nos casos de tumores que tenham ligação com o sistema imunológico.

Ainda não é a cura

Mesmo com os resultados animadores apresentados na Asco, é preciso deixar claro que ainda não estamos falando de cura. A imunoterapia doma o tumor, que fica sob permanente vigília do sistema imune. Roger Myake diretor médico da Bristol-Myers Squibb declarou que com os imunoterápicos, o câncer pode se transformar em um problema crônico.  O propósito é dar uma vida normal aos pacientes.

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Ainda assim, a imunoterapia representa o maior avanço no tratamento contra o câncer nos últimos tempos. Porém, é extremamente necessário investir em campanhas educacionais para ensinar bons hábitos de saúde à população e também investir em campanhas para realização de exames preventivos em massa.


  • Texto escrito por Sumaia Santana da Equipe Eu Sem Fronteiras

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