Convivendo

O fracasso como um mestre

Mulher agasalhada agarra travesseiro.
Antonio Guillem / 123RF
Escrito por Anna Bheatriz Nunes

Etimologicamente, a palavra fracassar vem do latim e significa sacudir, chacoalhar. E o fracasso, visto como falha, perda, é uma oportunidade de ter um chacoalhão da vida para que, quem sabe, a máscara de um eu falso caia e sejamos mais verdadeiros conosco e, consequentemente, com o mundo ao redor.

O ano de 2020 foi marcante para muitos de nós em diversos aspectos, tanto coletiva quanto individualmente. Para mim, foi quando eu me senti frente a frente com o fracasso. As metas que eu havia traçado e considerava medidas de sucesso falharam. Então me vi em um mar aberto, sem saber nadar.

A solução foi aprender enquanto as ondas iam e vinham e, por meio do autoconhecimento, consegui sair da camuflagem em que me apegava em direção ao caminho de volta, quem eu verdadeiramente sou.

Entre tantos nãos e reprovações, chegou a um ponto de eu gostar de ser reprovada. Sentia paz com os e-mails que chegavam e diziam que eu não havia passado em algum processo seletivo, por exemplo.

Eu já estava um pouco mais atenta para o fato de que o caminho que eu insistia, por teimosia e resistência, não fazia meu coração verdadeiramente vibrar. E eu me fortalecia a cada não. Eu cheguei ao ápice do fracasso para mim, mas todo ápice tem o seu declínio.

Quero dizer que a sensação de estar fracassada não era algo que me incomodava, o que eu não queria era receber os olhares de reprovação de outras pessoas. Entendi, porém, que, ao buscar aprovação de outra pessoa antes de mim, já estava me reprovando. E nesse ápice do fracasso eu me rendi. Entreguei-me a mim, ao fluxo, a quem sou sem querer parecer ser.

A partir de então, o conceito de fracasso mudou para mim e se tornou meu mestre, pois apontava por meio das sacudidas o caminho de volta para casa, para o meu próprio coração, em que reside a única e real aprovação. Voltando a mim, entendi que esse era o meu sucesso, aprender a nadar no meu mar interno e não temer os vendavais. Minha ancoragem deveria estar em mim.

Homem andando à beira de um lago.
Yogendra Singh / Pexels

Depois desse intenso movimento, saí e fui a uma livraria depois de tanto tempo em isolamento e me deparei com um livro em que gostaria de partilhar um trecho. É o discurso da escritora J.K. Rowling, autora da saga Harry Potter, feito na formatura de uma turma em Harvard e transformado no livro “Vidas muito boas: as vantagens do fracasso e a importância da imaginação”.

“Então, por que falo das vantagens do fracasso? Simplesmente porque fracassar significa se despojar do que não é essencial. Parei de fingir para mim mesma que eu era qualquer outra coisa além do que realmente era e comecei a direcionar toda a minha energia para a conclusão do único trabalho que me importava. Se de fato tivesse obtido sucesso em outra coisa qualquer, talvez jamais encontrasse a determinação para vencer na única arena a que eu acreditava verdadeiramente pertencer. Fui libertada, porque meu maior medo tinha se tornado realidade e eu ainda estava viva, ainda tinha uma filha que adorava, uma velha máquina de escrever e uma grande ideia. E assim o fundo do poço tornou-se a base sólida sobre a qual reconstruí minha vida.” (p. 32 e 33).

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Ser grata ao fracasso por me mostrar o que realmente sou sem máscaras ou capas sociais, consistiu no meu maior sucesso.

Sobre o autor

Anna Bheatriz Nunes

Eu sou Anna Bheatriz Nunes, arquiteta, urbanista, escritora e poetisa. Autora do livro de poemas "da distorção à transformação", publicado pela Ape'Ku Editora. Expresso-me para dar vazão ao que sou e para me encontrar. Que as nossas expressões criem belos encontros!

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