Gênero, essência e personalidade
Em épocas passadas, a necessidade espiritual e evolutiva era uma necessidade de individualização. O desenvolvimento da humanidade, agora pede serviço e refinamento coletivo. O caminho para o despertar não é mais de simples transcendência humana, mas envolve também uma transmutação em muitos níveis. Leva-nos à uma conscientização global que valoriza várias individuações simultâneas. Até o momento, o desenvolvimento da consciência espiritual e a evolução da matéria seguiam rotas paralelas. Agora, a realização do indivíduo ocorre em dois planos: responde igualmente aos apelos imperativos da consciência e aos da evolução. O indivíduo único e diferenciado, e ao mesmo tempo deverá incorporar o espírito coletivo de igualdade e fraternidade.
O gênero define muito mais do que a inclinação ou a função sexual. Determina um caminho interior que pouco tem a ver com preferência, comportamento ou aparência. A essência do ser humano não tem gênero, é única, e às vezes, muito diferente da personalidade e sua aparência. As pessoas que conseguiram alcançar a plenitude espiritual, a conscientização da personalidade, e como resultado, à integração do espírito com a forma emanam uma qualidade que transcende o gênero, expressando as qualidades mais sublimes.
Ao encarnar na matéria, a essência ou espírito se adapta ao modelo do seu gênero. Oferece uma abertura de percepção que nos leva a um determinado caminho de realização que se ajusta à cultura, época, genealogia e consciência individual, repetindo padrões e inovando formas que respondem à necessidade evolutiva.
A humanidade atual deverá incorporar o melhor de si como consciência, dentro do melhor de si como modelo humano. Isto quer dizer que cada indivíduo se realizará dentro do padrão de homem ou mulher “interior”.
Características gerais do gênero masculino
(Ver as dinâmicas dos gêneros no Quadro I)
O corpo masculino emite forças direcionais estruturais e mentais. Ama, conhece e modela as formas da matéria. Torna possível forma e medida. Isto faz com que eles se movam de forma decidida, competitiva e forte, física e mentalmente. No melhor dos casos, acumula e protege território e é campeão físico de causas nobres. É construtor e fazedor. Nos exemplos mais refinados, não tem que levantar um dedo para exercer sua autoridade sobre o mundo físico. Para o homem, a força yin se expressa de maneira calma e comedida, por meio da sua capacidade de sustentar o poder, ainda que, às vezes, pareça passivo. Neste sentido, é paciente. O conjunto de expressões físicas naturais do homem se manifesta entre extremos de tirania e debilidade, adquirindo o equilíbrio apropriado no “homem interior”.
Emocionalmente, e de maneira velada, o homem é vulnerável, amável e sonhador. A natureza internalizada das suas emoções o torna evasivo. Pode ser expressivo e impulsivo, mas sua paixão se expressa através do físico. Sua força neste nível está no desejo que emite e plasma na matéria. Mais vale o contato físico e as coisas materiais que expressem sua ternura do que a insinuação emocional.
A mente linear e o manejo das leis físicas tendem a ser as partes mais fortes do homem. Sua palavra é um mandato: conhece e ordena. Como doador de forma em nosso mundo, é lógico e utilitário, gerencia e dirige para propósitos claros. Sua parte yin é abstrata e desapegada, inventiva, analítica e diplomática. Neste nível, a expressão emocional no homem comum vacila entre as possibilidades de ensimesmar e o fanatismo.
Espiritualmente, e até a integração com sua alma, o gênero masculino tende a favorecer a humildade e o silencio. É um buscador da verdade cujo sentido de honra e idealismo configura uma ética da vida. Também se expressa de forma fraternal e generosa, mais afinada com o teor intelectual da sua lógica do que com a sensibilidade emotiva que caracteriza a mulher. É muito evidente em nossa época, onde a modalidade yin tende a definir a expressão espiritual, que os homens manifestam diferentes atitudes desde uma extrema rigidez de pensamento até uma flexibilidade excessiva que o caracteriza como um bonachão, sem vontade própria.
O que é um homem “interior”?
O “interior” ao qual me refiro reflete os preceitos da consciência e da matéria. A consciência conta com a estrutura física para se expressar e para canalizar sua inteligência e sua emanação. Inevitavelmente, os filtros dos gêneros que envolvem a percepção determinarão as formas.
Vivemos um momento crítico. Os gêneros estão se redefinindo. Refletem um crescente incômodo, ânsia de liberdade e autenticidade que se expressam através de impaciência intensa e vulnerável ao mesmo tempo. Nada nos satisfaz. A mudança que ansiamos é incompreensível, invisível e qualitativa. Tem início no desejo de recriação própria.
O planeta responde à manifestação cada vez mais intensa do Princípio Feminino. Influi significativamente sobre o gênero masculino, e principalmente, sobre o gênero feminino. Neste artigo, focamos o nascimento do homem do futuro, o Homem Interior.
Tradicionalmente, o gênero masculino transmite uma forma de força bruta, pensamento linear e autoridade, poder absolto, sistema e ordem global. Na transição em que vivemos, ainda que seus impulsos e suas tarefas sejam os mesmos, a influência da consciência faz com que mais e mais homens desenvolvam seu lado yin, rompendo expectativas, suas próprias fronteiras e barreiras de todo tipo.
Segundo nossa definição das particularidades de gênero, devemos começar por definir o gênero masculino pelas suas inclinações ou maneiras de perceber, desfazer e recriar, compreender, realizar e projetar, mais do que por seus interesses, força, aparência física ou trato social. A qualidade sutil do seu afeto adquire mais importância do que suas formas de expressão. O homem interior se distingue prioritariamente pelo seu processo de construir realidades do que pelas criações, mais pelos meios do que pelo fim.
O homem interior, sua busca e sua realização
O gênero masculino se aperfeiçoa seguindo metas e passos que são definidos mental e fisicamente. Seja poeta, filósofo, cientista, músico ou artesão, seu caminho é sistemático, construído por meio da sensibilidade física e mental. Quando alcança as frequências evolutivas do coração, deixa de ser um homem convencional. Seu anseio inexplicável o leva a cruzar um abismo existencial parecido com a mítica e ilógica busca do Graal. Nada será suficiente e o que traz consigo é inadequado e frustrante. Entra em um mundo totalmente desconhecido com um idealismo e sentido de honra infatigáveis. É até a morte e ele sabe que nunca voltará a ser o mesmo.
Grandes filósofos descreveram a jornada da psique masculina. Como uma sombra constante, em seu interior, repete-se a máxima socrática: Sei que nada sei. As angústias terríveis que ocorrem trazem o amadurecimento e o vigor para as etapas posteriores. Mais e mais profundamente entra na caverna de Platão para se perder em seu interior. De repente, surge a luz do conhecimento trazendo o eco da abordagem cartesiana: “cogito, ergo sum” – penso, logo existo. Nesse instante, o que foi o racionalismo masculino típico se transforma em algo maior que se estende até os limites da intuição para se converter em pedra angular que permitirá estabelecer novas certezas, conexões e insights.
O desenvolvimento de sua sensibilidade mental gradualmente o converte em sábio que transmite ensinamentos por meio de palavras, símbolos, cores, texturas e tonalidades, conectando e relacionando as partes tangíveis sobre o pano de fundo do indefinível. Enquanto se ergue o amplo silencio da Não-Mente, reconhece que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”, como o fez Pascal em seu tempo. Sabe, porque sente por meio da faculdade refinada e aguçada da mente.
A razão masculina aperfeiçoada e impecável confirmará, quase matematicamente, o que a alma intui. A dúvida é seu caminho. A busca de clareza, a curiosidade e a necessidade do homem de explorar e descobrir é incansável. Não para até que o intangível se torne tangível, e então, o chamado para o serviço à humanidade lhe concede o título de mestre. Graças a ele, a ciência moderna se aproxima cada vez mais da metafísica antiga e entendemos mais e mais o que é a experiência da verdade.
O homem interior sabe discriminar, e em seu campo, é ousado e correto. Sabe se concentrar em seus ideais e colaborar com os outros, inovando e conservando de acordo com a medida formal. Emana autoridade e respeito, confiança e segurança porque respeita e confia em si mesmo. Exerce a liderança sem competição, não por mérito especial, mas porque se importa com a humanidade mais do que consigo mesmo.
Diferenças entre os gêneros
As qualidades dos gêneros compartilham as mesmas finalidades evolutiva e espiritual, mas se expressam sutilmente de maneiras muito diferentes.
Ambos os gêneros podem desenvolver força física, mas a qualidade psicológica do impulso no homem projeta-se de forma concreta como apropriação e necessidade de se superar fisicamente para se sentir seguro e poderoso. O mesmo impulso na mulher manifesta-se de forma inversa, pois atrai em lugar de projetar para se sentir plena.
Emocionalmente, a expressão masculina é interna, vulnerável e frágil, terna e envolvente. Sente medo do compromisso emocional, ainda que mentalmente mostre confiança e orgulho por seu domínio sobre detalhes, ordem e sistema, em sua argumentação, estratégia e lógica. Demonstra habilidades extraordinárias para categorizar, definir e medir. É o rei da razão, o que, em princípio, confunde a mulher que geralmente é desconfiada. Ela é intuitiva e, para ele, sua lógica parece “irracional”.
Espiritualmente, o homem conhece a fé e o desapego, a confiança e a entrega com generosidade e equanimidade, ainda que instável. Sua força se apoia na lei e na palavra, fórmulas e significados que revelam a arquitetura do universo, em abstrações voltadas à evolução e à formulação de teorias. Sua abertura espiritual o leva a isolar-se do mundo para, em seguida, expressar e projetar a iluminação e seu inigualável senso de unidade e integração. Por outro lado, a mulher é a guia visionária, cuja liderança permeia as energias de forma à gestar e expandir a criação condicionando o terreno dentro do qual o homem opera.
A manifestação do homem interior, assim como a da mulher interior, é infinitamente variável. Cada um é a expressão diferenciada do protótipo original em um desdobramento de criatividade sublime.
Potencial real
Nós nos acreditamos independentes e únicos e, no entanto, respondemos cegamente à modelos, programas e crenças anacrônicos. Não reconhecemos que as características que incorporamos em inconsciência são oportunidades e orientações que nos ajudam no processo de auto realização e contribuem para a elevação da humanidade. O homem e a mulher interior manifestam infinitas características que poderão parecer estereotipadas. No entanto, encarnam estas características com impacto enorme, com estilo e consciência únicos.
Nos Quadros I e II, vemos que as qualidades correspondem a um estado de ser e não a uma expressão específica. Isto nos dá muito espaço para a autenticidade e a diferença, uma vez alcançado o manejo das aptidões de gênero, a coerência com a personalidade e o contato aperfeiçoado com a consciência.
Nenhum homem tem sua parcela feminina, mas o equivalente seria seu “yin”. Nenhuma mulher tem sua parte masculina, mas o equivalente seria seu “yang”. O homem não pode fazer o que uma mulher faz e vice-versa. As faculdades, poderes e virtudes de gênero se desenvolvem independentemente. O desenvolvimento de um influi no desenvolvimento do outro. Os apegos e as pseudonecessidades fomentadas socialmente durante milênios, como uma forma de escravidão, interferem negativamente sobre a aspiração e o potencial de cada indivíduo dentro do protótipo universal. Tampouco é questão de competição ou dominação, nem física nem mental no estilo masculino mais grosseiro, nem emocional e espiritual da forma feminina de manipulação.
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A tônica agora é autossuficiência e confiança no espírito e em forças interiores. Busca-se uma convivência saudável de diferenças e expressões e um desafio inspirador e estimulante. O homem e a mulher interior são seres livres das neuroses herdadas. Ele chegou ao mesmo lugar que “a mulher interior”, mas por um caminho diferente e emanando um aroma qualitativamente diferente. Ali, onde ela emana a plenitude do infinito, ele emana o silêncio do insondável.
Ficamos com a imensa tarefa de nos desidentificar de antigos vícios e programações para que os verdadeiros talentos de cada gênero possam se revelar. Os verdadeiros homens e mulheres do futuro atuam em sintonia fina com a natureza e os astros e muito especialmente por meio da voz da consciência e da grandeza do espírito que habita em mim.
Tradução: Cláudia Avanzi