Autoconhecimento

O lado bom de ficar sozinho

Mulher sentada num banco durante a noite.
Tithi Luadthong / 123rf
Escrito por Eu Sem Fronteiras

É impossível ser feliz sozinho. O verso imortalizado por Tom Jobim na música Wave valoriza a importância de convivermos em grupo. A solidão é algo que coloca medo em muita gente. Pessoas solitárias são vistas como infelizes. Há várias pesquisas que falam sobre os males da solidão. Pressão alta, obesidade, inflamações, problemas cognitivos de memória e aprendizagem estão relacionados a ela. Pesquisadores afirmam que ficar sozinho por longos períodos pode ser fatal.

A solidão aumenta em 14% o risco de morte em idosos, principalmente os mais pobres, segundo estudo do psicólogo John Cacioppo, diretor do Centro de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade de Chicago (EUA). A pesquisa ocorreu durante os anos de 2010 e 2013 e avaliou mais de 2 mil pessoas acima dos 55 anos.

A solidão também atinge as crianças. Famílias cada vez menores, as limitações das grandes cidades, incluindo a violência impedem as crianças de brincarem na rua. Para passar o tempo, elas ficam em casa e brincam com aparatos tecnológicos e interagem com os amigos por aplicativos de mensagens.

Não ter ninguém por perto é visto como uma condenação. Para não padecer desse mal, algumas pessoas cultivam amizades que não agregam nada, vão a festas e baladas para não passar o fim de semana em casa, embarcam em relacionamentos destrutivos e acabam tão ou mais sozinhas quanto os solitários de fato.

O que causa a solidão?

A solidão pode ser causada por inúmeros fatores, dependendo da vida e da experiência de cada pessoa. Ainda assim, podemos listar alguns deles:

1) Timidez

A timidez é um desconforto que uma pessoa sente em situações sociais. Em alguns casos, esse desconforto pode impedir que ela manifeste o que pensa e sente. Em outras situações, pode dificultar o início e a manutenção de relacionamentos interpessoais. Como consequência disso, a pessoa tímida provavelmente irá evitar os eventos sociais.

Entretanto existem muitos níveis de timidez. Um indivíduo pode ser mais tímido com quem não conhece e se sentir muito à vontade com quem já tem uma relação de amizade, por exemplo. Há quem consiga perder a timidez com o tempo e os que a terão ao longo de toda a vida.

2) Foco no desenvolvimento pessoal

Em uma sociedade capitalista, a competitividade é essencial. É a partir da competição que empresas e pessoas desenvolvem as próprias capacidades e buscam um aumento de performance. Então o foco no desenvolvimento pessoal é uma necessidade no contexto no qual vivemos.

Infelizmente, quando uma pessoa passa muito tempo com ela mesma, estudando, trabalhando ou viajando, é mais difícil de interagir com os outros. A falta de tempo e o cansaço podem reduzir as relações momentaneamente ou de forma mais definitiva, dependendo de cada caso.

3) Traumas

Ao longo da vida, uma pessoa pode experienciar uma série de traumas. Na infância ou na adolescência, por exemplo, muitos indivíduos sofrem bullying e outros tipos de violência. Essas experiências negativas podem dar a impressão de que não haja pessoas boas no mundo ou que toda relação será prejudicial de alguma maneira.

Dessa forma, os traumas são uma das causas da solidão. Para se proteger de um possível sofrimento, uma pessoa pode se isolar dos outros, acreditando que só assim estará segura. Nesse caso, é essencial procurar auxílio psicológico para lidar melhor com essas questões preocupantes.

4) Fobia social

A fobia social é uma doença mental crônica que faz com que uma pessoa se sinta excessivamente ansiosa em eventos sociais. Mesmo que não haja qualquer risco à vida dela, ela sente que está sendo ameaçada e não consegue manter a calma ou interagir com os outros normalmente. Então se isolar parece uma opção melhor.

Apesar disso, é possível procurar ajuda. Para diagnosticar esse problema, é preciso buscar auxílio médico. Somente um profissional poderá indicar o tratamento adequado para quem sofre desse problema, bem como investigar as causas da doença.

Solitude

Mulher branca e loira deitada de barriga para cima, usando óculos de sol azuis.
Joanna Nix-Walkup / Unsplash

Mas é importante destacar que a solitude é essencialmente algo positivo. É quando uma pessoa se sente bem com quem ela é e está confortável por viver na própria pele. Ou seja, ela não deve satisfações aos outros, não se prende às imposições sociais e se sente completa com a própria companhia. Afinal também podemos viver bons momentos sozinhos!

O cérebro dos solitários

Outra pesquisa, de 2020, apontou um dado interessante sobre a solidão na sociedade. Os pesquisadores Norman Li e Satoshi Kanazawa publicaram no British Journal of Psychology que pessoas muito inteligentes não se sentem tão felizes quando estão com outros indivíduos.

A explicação para isso está na teoria da felicidade de savana. Segundo ela, as pessoas mais inteligentes têm uma tendência menor a seguir os comportamentos comuns, que são mais presentes em um grupo de indivíduos.

Por outro lado, as pessoas menos inteligentes seguem padrões já estabelecidos pela sociedade, sentindo mais facilidade para interagir com grupos. Dessa forma, elas são mais sociáveis, como eram os povos ancestrais a elas, que viviam na savana.

Portanto, se um indivíduo é muito inteligente, provavelmente ele não vai se identificar com os valores e comportamentos reproduzidos por um grupo grande de pessoas. Ele se sentirá mais feliz se estiver sozinho, vivendo de acordo com as próprias crenças.

Os benefícios da solidão

Robert Lang, da Universidade de Nevada (Las Vegas), especialista em dinâmicas sociais, afirma que a solidão será cada vez mais frequente, pois, os casamentos são cada vez mais adiados, a taxa de divórcio aumentará e as pessoas estão vivendo mais. Esta tendência possui vários entusiastas. Em sua autobiografia Mujer en Guerra (não traduzida para o português), a escritora e jornalista espanhola Maruja Torres falou do prazer que é dormir sozinha, com as pernas e braços em X.

Mulher branca de cabelos castanhos deitada numa cama branca, com os braços ao entorno do corpo.
Francesca Zama / Pexels

O sociólogo Eric Klinenberg, Universidade de Nova York defende os benefícios de ficar sozinho. O autor da pesquisa GOING SOLO: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living Alone (Ficando só: o extraordinário aumento e surpreendente apelo de viver sozinho) aponta que viver sozinho significa viver relações mais saudáveis, pois, uma pessoa nessa situação sabe que é melhor ficar sozinho do que mal acompanhado, como diz o famoso ditado.

A socióloga Erin Cornwell, da Universidade Cornell, em Ítaca (Nova York) estudou pessoas acima dos 35 anos que moram sozinhas. Erin comprovou que elas fazem mais programas com os amigos. A pesquisa do sociólogo Benjamin Cornwell publicado na American Sociological Review aponta que pessoas que vivem sozinhas têm mais amigos.

Ficar sozinho: criatividade e inovação

Sabe aquele amigo tímido, que prefere trabalhar sozinho? Você se pergunta por que ele sempre tirou boas notas e faz coisas incríveis? A introversão explica isso, segundo Susan Cain, autora do livro Quiet: The Power of Introverts in a World That Can’t Stop Talking (Silêncio: O poder dos introvertidos num mundo que não consegue parar de falar). Susan é categórica, a criatividade e a inovação apresentam seu ápice em indivíduos que detestam multidões.

Ela vai à contramão de quem defende a convivência em grupo como grande fonte de criatividade. Se pesquisarmos um pouco, vemos que grandes mentes pertenciam a pessoas solitárias. Darwin, criador da Teoria da Evolução, adorava caminhar sozinho em bosques e não frequentava festas. Steve Wozniak desenvolveu o primeiro computador da Apple sozinho, dentro de um cubículo em seu local de trabalho, a Hewlett Packard, mais conhecida como HP, a gigante do mercado de computadores e impressoras.

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Sozinho, porém livre

Quantas vezes você já falou ou fez alguma coisa só para agradar um grupo de amigos, de colegas de trabalho ou de familiares? Quando interagimos com muitas pessoas, sentimentos a necessidade da aceitação e, por causa disso, conduzimos nossos comportamentos ao que a maioria aprovaria.

Embora essa estratégia nos auxilie em inúmeras situações, ela também pode comprometer a nossa autenticidade. Quando estamos sozinhos, não precisamos atender às expectativas alheias, direcionar nossos gostos e controlar aquilo que falamos ou fazemos. Nós somos livres para sermos nós mesmos.

Logo, estar sozinho em alguns momentos é fundamental para desenvolver o próprio autoconhecimento. Só assim você vai descobrir quais são seus gostos, no que você acredita e no que você pensa, longe das imposições sociais e do medo de julgamentos alheios.

Higiene mental

A vida moderna é cheia de estímulos. Pessoas falando, música alta, buzinas, internet roubam nossa concentração. Ficar sozinho limpa sua mente e leva você a um estágio de autoconexão, o que por sua vez, alivia o estresse. Colocar suas emoções no papel também pode fazer parte dessa higiene mental.

Ajuda a priorizar

Quando estamos sozinhos, tiramos da nossa mente tudo que não é importante. Pensamos o que é relevante para nós e traçamos metas de como alcançar nossos objetivos.

Independência

Ao ficarmos sozinhos, sem outras pessoas para nos guiar ou para nos ajudar, desenvolvemos nossa independência. Esse processo pode ser assustador no início, mas é o que nos auxilia a desenvolvermos nossas capacidades e a nos conhecermos melhor.

Inclusive a solidão é um jeito de ter mais estabilidade, já que nenhum outro indivíduo pode abalar nossos planos. Isso não significa que nunca pediremos ajuda, mas vai nos mostrar que somos capazes de administrar a maioria dos problemas com paciência e coragem, até na hora de tomar decisões difíceis.

E a independência decorrente da solidão também é uma independência emocional. Quando vivemos com outras pessoas, projetamos nossas emoções e nossas expectativas sobre elas, o que pode causar muita frustração. Sozinhos, no entanto, aprendemos a lidar melhor com o que sentimos, sem dependermos dos outros para nos sentirmos bem.

Produtividade

Darwin gostava de caminhar sozinho. Steve Wozniak criou o primeiro computador da Apple sozinho em um cubículo dentro da HP, empresa onde trabalhava. Viu só como ficar sozinho aumenta sua produtividade? Mesmo que você não seja um cientista ou engenheiro, pode muito bem aproveitar os momentos sozinho para se dedicar a hobbies.

E até estranho falar em benefícios da solidão. Ela sempre vista como algo triste e associada ao vazio existencial. Contudo, estar sozinho é uma ótima maneira de encontrar sua essência. É o momento onde as máscaras caem. Quando estamos sozinhos, pensamos sobre o que fazemos, como fazemos e porque fazemos. Ao entrar nesse processo de autoconhecimento, surgirão algumas questões como:

  • O que me dá prazer?
  • Qual o melhor lugar do mundo?
  • Os problemas que me atormentam hoje, terão peso amanhã?
  • Qual foi o último sonho que realizei? Faz quanto tempo?

Durante esse tempo sozinho, faça este exercício de respiração Pranayama básico. A técnica é comum aos praticantes de ioga. Eles contam de 6 a 8 tempos e o exercício acalma o sistema nervoso, estimula a concentração e diminui o estresse.

  • Inspire pelo nariz e conte de 1 a 4
  • Expire pelo nariz e conte de 1 a 4

Outro exercício de respiração usado na ioga é o Abdominal Breathing Technique.

  • Coloque uma mão no peito e outra no abdômen
  • Inspire pelo nariz de forma profunda. O diafragma e o peito não podem ficar cheios de ar
  • Respire de 6 a 10 vezes por minuto

A prática desse exercício por 8 semanas já traz benefícios ao corpo e a mente.

Mulher branca e loira, com os cabelos presos em rabo de cavalo, sentada de costas para montanhas.
 Arthur Brognoli / Pexels

Não devemos ter medo da solidão. Ela não é a ausência de companhia, existem casais que vivem isolados um do outro, pessoas que têm vários amigos nas redes sociais, mas são insuportavelmente sozinhas. Pense nisso antes de sentir pena de uma pessoa que não é rodeada de amigos. Será que você não sofre de solidão às avessas?

Aproveite cada oportunidade de estar em sua companhia. Descubra o que se passa em sua mente e em seu coração. Descubra o que faz mal, trace estratégias para limpar esse lixo emocional. Aprimore seus talentos e deixe aflorar novas habilidades. Você terá uma grata surpresa.

A solidão nos permite recuperar “o gosto pelo silêncio e pelo domínio do tempo”, Javier Urra, psicólogo espanhol.

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