Eu li recentemente em algum lugar, que o luto é uma forma de amor. Fiquei pensando longamente sobre isso já que a frase em si parece tão contraditória no universo dos nossos quereres.
Queremos todas as formas de amor, mas não queremos o luto, então como poderia ele ser uma forma de amor?
Há uma extensa literatura sobre o tema, mas assim como outros sentimentos mais profundos, esse é um daqueles que só sabe quem sente.
Seja qual for o processo ou a fase que o indivíduo se encontra quando está de luto, talvez poucos saberão descrever esse sentimento com exatidão. A impotência diante de um fato sobre o qual não temos nenhum recurso ou solução, a dificuldade para aceitar a perda, seja ela qual for, estão além de qualquer palavra.
E não poderia ser diferente, uma vez que não se trata de um sentimento exato. Trata-se de algo único e extremamente pessoal, sejam quais forem as circunstâncias, o sistema de apoio recebido, a natureza da morte ou mesmo o contexto social.
Pessoalmente, quando falo de luto penso em minha irmã mais nova.
Repentina e devastadora, que do seu anúncio ao seu desfecho levou longos, intermináveis e sufocantes 8 dias, sua despedida desse mundo trouxe reflexões profundas e poderosas transformações, como deve ocorrer com a maioria das pessoas que passam por isso, eu imagino.
Na minha experiência pessoal, por ser minha irmã, um ente sobre o qual a gente nunca pensa na despedida, sobretudo quando são mais jovens, levei muito tempo até aceitar que temos uma expectativa cronológica bastante traiçoeira, embora inconsciente.
Não que eu tenha tido sentimentos de revolva ou alguma perda de fé como acontece com muitos. Foi mais um sentimento de “surpresa”, do inesperado, não pela perda em si somente, mas por ser minha irmã mais nova. Havia algo errado na ordem natural das coisas.
Ainda que saibamos que para partir não há tal ordem, inconscientemente estamos sempre nos preparando para nos despedir daqueles que chegaram primeiro que nós, não dos que chegaram depois.
Esse pensamento me leva às mães que perdem seus filhos, talvez essa seja a forma de luto mais cruel que possa existir. Daí torno a voltar para a frase inicial, aquela sobre o luto ser uma forma de amor.
A pessoa que se foi torna-se aquela que é capaz de nos fazer sentir feliz e infeliz ao mesmo tempo. Por um longo tempo é impossível passar pelo calendário anual sem a presença da ausência. Todas as datas ganham novo significado e dessa forma, acredito, nasce uma forma nova de amar.
À medida que a lembrança do ente querido nos permite reviver sua história e muitas vezes reunir outras pessoas em torno da mesma memória, reproduzimos em nós o sentimento de bem-estar que aquela vida nos permitiu sentir.
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Ainda que nesse mesmo momento a saudade tome contornos quase materiais, um sentimento de grande intensidade, que causa dor pela falta e alegria por termos feito parte dessa história, é capaz de equilibrar nossa vida e fazer com que esse momento se transforme em algo muito maior.
No meu caso, minhas crenças me ajudaram a conviver com a distância, prefiro esse termo a dizer perda, porque de fato acredito que estamos apenas em dimensões diferentes e tenho esperanças de revê-la no momento certo.
No entanto, em uma análise mais racional, eu sei que ninguém ama menos alguém somente porque essa pessoa se foi. Entendo esse processo como uma nova fase do amor e a morte não interrompe o sentimento. E sentimentos ainda são maiores que os fatos da vida.