“Cada átomo, / feliz ou miserável, gira apaixonado / em torno do sol”. Estes foram os primeiros versos que li de Jalal ud-Din Rumi, um poeta sufi nascido na Pérsia no início do século XIII, considerado o autor mais importante da poesia mística persa e árabe e que produziu uma extensa obra, com mais de cinco mil poemas. O que sabia sobre Rumi era muito superficial, até que pude conhecer mais e compreender o magnetismo de suas palavras ao ler uma das poucas traduções para o português.
O mais surpreendente na obra, para mim, foi saber quem era Shams ud-Din de Tabriz, uma viajante, místico, buscador espiritual, que foi fonte de inspiração para Rumi não só na escrita, mas para a vida. Quando os dois se conheceram, passaram um jejum de quarenta dias juntos e, após isso, puderam ter uma relação profunda e mútua entre mestre e discípulo. Na introdução do livro Poemas Místicos (seleção de poemas do Divan De Shams de Tabriz; tradução e introdução de José Jorge de Carvalho), tem-se o seguinte trecho:
“A meu ver o que sucedeu entre Rumi e Shams foi algo extremamente raro, em que duas pessoas conseguiram penetrar as esferas recônditas da realidade extrassensorial e extrarracional, e ver juntos a mesma dimensão, o mesmo espaço, a mesma fração da verdade absoluta. Mal podemos vislumbrar, com base no parâmetro frágil e reduzido de nossas experiências de identificação amorosa, a natureza desse encontro místico-amoroso, a surpresa arrebatadora, o milagre, a gratuidade infinita de uma comunhão nesse nível de entrega, profundidade e sutileza”. (página 26)
Então compreendi por que a poesia de Rumi atravessou os tempos e continua, por meio de um magnetismo, tocando as pessoas ao redor do mundo até os dias atuais. Pois ele falava de amor e expressava pelas palavras o oposto da fragilidade e distorção das experiências amorosas que muitos vivem: a vivência do amor em sua essência, sem ilusões, crenças limitantes ou restrições, o amor incondicional. Por meio da relação mestre e discípulo com Shams, Rumi experienciou o que é ser espelho e uno com o todo por meio do amado.
Eu, que sempre achei o amor incondicional distante, chego mais perto dele a cada vez que leio as palavras do poeta místico e me questiono: que tipo de amor tenho vivido comigo? Porque o que vivo com alguém, em qualquer tipo de relação amorosa, é reflexo do meu próprio relacionamento. Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, nós vivemos tempos de amores líquidos onde nada dura, pois o amor segue a lógica do consumo, na qual quando não se quer algo, troca-se por outro com muita rapidez e assim vamos desaprendendo a construir pontes e, ao invés disso, criamos barreiras onde ficamos inacessíveis e solitários.
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Em alguns versos, Rumi diz que “o amor não vive na ciência ou na instrução, / não habita papéis ou pergaminhos”. Por compreender que o amor não segue o espaço e tempo, definições e restrições, que o poeta místico consegue nos lembrar até os dias atuais que o amor não tem capas, só existe quando há vulnerabilidade.