Era uma vez, meu filho brincando no Jardim. “Olha o Menino do Dedo Verde!”, disse uma amiga com quem eu conversava e que rapidamente retomou o assunto comigo. Eu não consegui voltar, fiquei ali, pensando no tal menino! Ela mesma, jardineira-educadora ambiental que é, já me falara desse livro, assim como muitos colegas ambientalistas. E como assim, eu mesma não lera?
Como se aproximava o segundo aniversário do meu filho, e é tradição presenteá-lo com uma história, decidi que a obra de Maurice Druon me chegaria, inicialmente, pelos ouvidos. E assim nasceu “Todo Mundo tem o Dedo Verde”, adaptação dos amigos Tatiana Sá e Vinícius Zurlo para o Cauê. A contação me despertou ainda mais para a leitura do livro, devorado em poucas horas. Encantada com a riqueza de simbologias, percebi o quanto essa história ultrapassa os limites da “ecologia”, abordando de maneira artística e sensível questões pertinentes à espiritualidade e ao florescimento humano, temas estudados pela Ecologia Profunda e também pela Psicologia Positiva.
Compartilho aqui, então, alguns trechos do texto e as percepções pessoais que elas me evocam, que, do meu ponto de vista, são muito pertinentes à sustentabilidade que tanto almejamos – aquela que nos remete a nossa humanidade, ao cultivo de nossa alma!
A Vida é, afinal, a melhor escola que existe.”
(Senhor Papai)
Um dos conflitos da história se refere à Educação e aos sistemas de ensino. Tistu, que vivia brincando com seu pônei, Ginástico, e escorregando pelo corrimão da casa que brilha, quando passou a frequentar a escola, só dormia. E foi então “devolvido” a seus pais. O Senhor Papai resolve então adotar “um novo sistema de educação”, e Tistu vai conhecer o mundo na prática! Esse novo sistema difere até mesmo da educação dada pela Senhora Mamãe, que, com muito boa vontade, ensinara ao menino algumas letras, a somar e a dividir, mas de nenhuma forma vinculava essas informações à realidade:
Tistu aprendera não somente a somar e a subtrair, mas chegava mesmo a dividir, digamos, sete andorinhas por dois fios… o que dava três andorinhas e meia para cada fio. Como essa meia andorinha podia equilibrar-se num fio? Eis um outro problema que todos os cálculos do mundo jamais poderão explicar!
Dessa vez, o conhecimento cresceria em sabedoria, incorporada ao seu mundo, com sua identidade, construído por si, e não algo sem sentido e deslocado de sua realidade.
A terra é a origem de tudo.”
(Senhor Papai)
O Senhor Papai resolveu que a primeira lição de Tistu no novo sistema de ensino seria uma lição de Jardim, pois a terra é a origem de tudo. Um Jardim é um símbolo da criação, da origem do mundo, da Vida… A frase, tão bela e simbólica, diz por si só.
Há sementes por toda parte.”
(Senhor Bigode)
Uma das frases mais belas e significativas do livro, que me renovou muitos conceitos. Em Educação, temos a tendência de querer semear, plantar. Para muitos educadores, educar é transmitir conhecimento, passar tudo que se sabe a alguém que pouco sabe. Mas todos nós viemos ao mundo cheios de potências, cheios de sementes que precisam do afago e cuidado adequados para expressar toda a Vida latente. Todas as situações também nos trazem algum aprendizado se soubermos lidar com elas com atitude positiva. Nós devemos auxiliar a brotar as sementes que já SÃO! Florescer em nós a criança cheia de vida e manifestá-la de forma madura e consciente na vida adulta.
A missão de Tistu
Ao descobrir que tem um polegar verde que faz florescer todas as sementes, Tistu passa a agir em função de sua missão, de seu propósito. Para ele, menino bonito, filho de pais bonitos, que morava em casa bonita, Beleza é natural, e feiura, injustiça! A Beleza motiva a aprender, a trabalhar, a realizar. Não me refiro à Beleza geralmente relacionada à estética, mas à estesia, o sentir com o coração, a tudo aquilo que nos faz sentir o prazer e a plenitude de viver da melhor forma possível, mas harmoniosa e afetuosa.
Por isso, em todos os locais que desejava modificar, o Menino do Dedo Verde agia de forma conscienciosa, buscando movimentar suas resoluções a serviço dos outros e, sempre sob orientação do Senhor Bigode, procurava florescer as flores mais adequadas para cada ambiente. Tistu agia com INTENÇÃO! Ele sabia o que queria, aonde deveria chegar e como poderia ajudar a transformar a vida das pessoas com aquilo que tinha de mais precioso. Essa Vontade generosa de espalhar Beleza, Alegria e Acolhimento por onde passava era seu verdadeiro Dom, o qual, muitas vezes, esbarrava nas pessoas grandes e nessas ideias “pré-fabricadas” que eles teimavam em sustentar!
Senhor Trovões e a representação do adulto: a desconexão com nossa criança
Ao descobrir o Dom de Tistu, o Senhor Bigode pediu a ele que guardasse segredo; afinal, “os talentos ocultos, em geral, causam aborrecimentos”. Tudo aquilo que pode transformar e nos tirar do padrão, da zona de conforto, gera medo e resistência. Espalhar Belezas, Bondade e Alegrias com a leveza e ludicidade de uma criança desestabiliza muitas pessoas grandes, que simplesmente esqueceram em algum cantinho de si alguma semente que não brotou. Como explica o narrador, “pessoas grandes têm ideias pré-estabelecidas e nunca imaginam que possa existir outra coisa além daquilo que já sabem”.
No livro, a maior representação desse adulto desconectado da Beleza da Vida é o Senhor Trovões, o Senhor da “Ordem”, que vive se aborrecendo com Tistu, pois o menino sempre retrucava suas ordens inúteis e sem sentido: “Ordem é quando a gente está contente. Se houvesse ordem, não haveria miséria”. E, por isso, o menino do polegar verde ganhava em seu caderno de lições anotações como estas:
“É preciso vigiar de perto esse menino. Ele pensa demais.”
“Menino distraído e raciocinador. Os sentimentos generosos privam-no do senso de realidade.”
Felizmente, essa linda história traz o Verde, de Esperança. É o próprio Senhor Trovões, que, comovido com a coragem do menino ao assumir as transformações que provocara na cidade – e também por amar Tistu –, diz ao Senhor Papai: “A gente não pode se opor às forças da Natureza…”. O menino ajudou a florescer até aquele que o agredira.
Outra esperança o autor traz ao narrar que, no desfile de um grande dia na cidade, a delegação de avós representava a Sabedoria. Será que um dia, mais maduros, deixamos nossas ideias preestabelecidas de lado e voltamos a carregar aquela criança, agora florida, dentro da gente?
Tistu, menino de sorte que é, pôde contar com a adesão e acolhimento das pessoas grandes que o cercaram o permitiram ser quem ele era. É possível mudar, basta ter vontade!
A vontade de viver
A cena mais comovente, para mim, é aquela que se passa num hospital. Tistu auxilia uma menina que não andava a se recuperar. Com sua intenção generosa, ele a convence a experimentar outro olhar para a Vida e pensa:
“Para esta menina sarar é preciso que ela deseje ver o dia seguinte. Uma flor, com sua maneira de abrir-se, de improvisar surpresas, poderia talvez ajudá-la… Uma flor que cresce é uma verdadeira adivinhação, que recomeça cada manhã. Um dia ela entreabre um botão, num outro desfralda uma folha mais verde que uma rã, num outro desenrola uma pétala… Talvez esta menina esqueça a doença, esperando cada dia uma surpresa…”
Vontade de Viver. De viver Bem, em plenitude e paz consigo, com o outro, com o Planeta. É isso que nos faz ir além, viver cada vez melhor, preservar a Vida e criar e recriar maneiras de conviver com o todo que nos cerca. É isso que, para mim, promove a Sustentabilidade.
É o pônei Ginástico, que constata junto a Tistu, o quanto os homens são tolos por quererem prejudicar uns aos outros.
O final de Tistu deixa muita gente decepcionada, com a impressão de que ter o dedo verde é algo inalcançável, só para seres muito especiais. Mas eu creio que o modo como ele se revela ao final do livro foi uma forma que o autor encontrou para mantê-lo, para sempre, “criança”, ao mesmo tempo, em que nos leva a refletir nossa espiritualidade. Dalai Lama nos diz que “a espiritualidade é aquilo que promove mudança”. Ou seja, é tudo aquilo que gera MOVIMENTO… E isso é tangível a todos nós, desde que fortaleçamos a esperança, a generosidade, a conscienciosidade… é preciso que despertemos para o que há de melhor de tudo e de todos de forma genuína, sem desilusões. Sim, o que há de melhor.
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Alguns dias depois de ler o livro, deparei-me com o significado da palavra “flor”. Do grego, “o melhor de”. Tudo fez ainda mais sentido. Ter o dedo verde é mobilizar nossos sentimentos, nossos tesouros internos para fazer florescer tudo que desejarmos. É ter uma postura positiva diante de nós, da Vida, dos outros, a partir da lapidação de nossas virtudes. Não negar o que há de ruim, mas fortalecer e extrair o que há de melhor em cada experiência e, aos poucos, transformar tudo que estiver ao redor.
É por isso que tanto amo essa obra e, ainda mais, a adaptação feita pelos queridos amigos. Porque, sim, Todo Mundo tem o Dedo Verde!
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