Você já experimentou um dia totalmente centrado naquilo que está fazendo, na sua respiração, nos seus pensamentos, em cada tarefa que aparece à sua frente? E você se lembra da sua sensação à noite? Foi de um dia bem vivido, pleno? Dentre as muitas histórias de mestre e discípulo, destaco uma que diz que o aprendiz chegou ao guru e perguntou-lhe:
— Mestre, qual é a arte para viver plenamente?
E a pergunta foi devolvida:
— Diga-me: de que lado da porta de entrada você colocou seu guarda-chuva?
O discípulo, incrédulo, insistiu na pergunta e voltou a ouvir a mesma resposta.
— Sei lá de que lado coloquei o guarda-chuva — disse o discípulo.
Então o mestre respondeu:
— Com essa atitude, você nunca alcançará a satisfação plena, pois o segredo está em viver cada momento num estado de presença, mesmo nas tarefas mais insignificantes.
Deduz-se desse exemplo que o agora é o tempo mais importante que existe, simplesmente porque é o único que existe. O presente é o espaço eterno em que se desenvolve a nossa vida. Nunca houve um tempo em que a nossa vida não acontecesse no agora. O agora é o ponto para entrarmos em contato como o nosso ser eterno, pois este só pode ser experimentado quando estamos totalmente presentes.
Quando nos lembramos do passado, ativamos um traço de memória de algo que aconteceu no agora daquele momento. Estou recriando o passado, as lembranças e as sensações no agora, portanto isso é presente, não mais passado. Tudo o que vivi, pensei, falei e fiz formou o que sou hoje. Portanto o passado está presente no presente. O passado não existe; existe apenas o que foi formado no presente.
E o futuro é um presente imaginado, uma projeção da mente. Quando pensamos no futuro, estamos fazendo isso no agora, o que mostra que passado e futuro não têm vida própria. As realidades do passado e do futuro são emprestadas do presente.
Quando estamos presentes, permitimos que as coisas aconteçam como são, sem que tenhamos que controlá-las ou sair de nós para impedir a peça da vida de fluir como tem que fluir.
Viver no presente é se libertar do tempo, de ser escravo da memória ou da antecipação, de relutar em viver o que é para viver algo que gostaríamos que fosse.
Isso acontece porque o passado nos dá uma sensação falsa de segurança; e o futuro, uma promessa ou esperança. Ambos são ilusões.
O segredo está em desviar o foco do nosso ego para o nosso eu e do tempo para o estado de presença.
É isso o que significa a máxima: “Eu sou aquilo que fui e aquilo que serei”. Se eu entender isso profundamente, saio da roda do sofrimento, que é causada por estar sempre fora do estado de presença. O sofrimento precisa do tempo para sobreviver. Na experiência do eu verdadeiro e do agora, ele se dissolve.
Quando digo: se não agora, então nunca, é exatamente isto que está implícito. Se eu não vivo algo agora, isto nunca fará parte da minha vida no futuro.
Uma das maneiras de perder o sentido do agora é viver sempre com um objetivo, sem dar atenção ao processo ou sem vivenciar o caminho. Até eu obter o que quero, vivo intensa e compulsivamente, de olho na meta e, muitas vezes, sem experimentar o que está acontecendo. Por exemplo: numa viagem, fico fixado em chegar num determinado lugar, aí não vivo o percurso e a experiência do agora que me leva até o meu destino.
A pessoa presa ao ego diz: quando isto ou aquilo acontecer, estarei bem. O pensamento, quando desconectado da consciência, torna-se destrutivo. O ego é um falso eu interior enraizado na consciência de que sou o corpo e os atributos físicos.
O eu verdadeiro é o ser enraizado na consciência de que sou a alma, o ser eterno. As necessidades do ego são intermináveis. Ele está sempre num estado de carência e medo. Muitos de nós relacionamos nosso eu interior aos nossos problemas, por isso não queremos nos desfazer deles. É por causa disso que investimos tanto nas mágoas e nos sofrimentos do passado.
Como diz um poeta do Centro-Oeste:
“O que vem do eu é céu,
O que vem do ego é cego”
Para sair das armadilhas do ego, precisamos ser observadores desapegados; aqueles que olham mas não vêem, que ouvem mas não escutam, ou seja, aqueles que usam só jogos do ego para transitar na vida social, no trabalho, mas de maneira pró-forma.
Quando um erro acontece, o egocêntrico reconhece que não foi o eu que errou, e sim o ego, movido por padrões reativos e hábitos negativos. Assim, ele minimiza o eu a sofrer as consequências. Culpar-se significa se identificar com o ego e dar ainda mais energia a ele, enquanto observar e perceber retira a energia dele e o enfraquece. Culpar-se nos faz ficarmos presos ao passado, ao que aconteceu.
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Observar nos remete ao infinito. É libertador, porque, ao me observar, permaneço presente em mim e sou devolvido ao estado do ser.
Este artigo foi escrito baseado na leitura do livro “The power of now”, do escritor Eckhart Tolle.
Luciana Ferraz é socióloga e coordenadora nacional da Organização Brahma Kumaris (Brahma Kumaris — Brasil)