Depois de esclarecer o conceito “Yin-Yang” no Tai Chi e a sua função de regular o sistema nervoso cujos sinais bioelétricos (“Chi”) propiciam nossos movimentos e reflexos (Artigo 1 e Artigo 2), irei comentar sobre o “Dantian” e o “Tao” em um contexto científico.
Começarei pelo Dantian, normalmente traduzido do esoterismo chinês como “Mar de Chi”.
Considerando a sua localização anatômica no ponto médio entre a cabeça e a bacia, o Dantian abrange as coxas e as virilhas, incluindo a pélvis e a linha da cintura e da lombar, na fronteira entre o abdome e o diafragma.
É que nessa arte marcial interna o “poder de parada” é diferente dos demais estilos de luta. Enquanto as outras utilizam da força mecânica e do momentum dos braços e das pernas para atacar e se defender, no Tai Chi o importante é a correta aplicação do movimento proveniente do Dantian.
Mediante os exercícios certos, surgirá um novo “core” com o encontro entre os centros de gravidade e de massa separados na maioria das pessoas por diversas razões que explicarei em outro artigo. A execução da Forma do Tai Chi composta de uma sequência coordenada e suave de poses e sutis transições entre cada gesto e postura ajuda o centro de gravidade no plexo a descer e coincidir com o centro de massa no interior do ventre e abaixo do umbigo. Por isso, na visão dos antigos mestres guerreiros do Tai Chi, a chave estava na aplicação correta do poder que surge desta união de núcleos vitais. Antes do advento do Tai Chi, muitos se limitavam a fortalecer apenas a musculatura na falta do conhecimento para aproveitar o Dantian no combate. O resultado, quando se desconhece os princípios básicos do Tai Chi, é uma carreira marcial curta, limitada à força bruta e à velocidade, qualidades destinadas a se deteriorar com o avanço da idade. Por outro lado, no Tai Chi a ênfase recai na precisão e no ritmo, talentos que são progressivamente melhorados e aumentados sem depender do vigor da juventude.
Para um mestre do Tai Chi, ninguém nasce com um Dantian pronto. É preciso criar e cultivar um no próprio corpo. Caso contrário, a energia cinética somada aos impulsos neurais que desceram do cérebro até os pés e ricochetearam de volta pelas pernas será perdida nas articulações. Com esse desperdício, o praticante ficará vulnerável e precisará apelar para a força e a rapidez. Essa é a maneira ineficiente de lutar e vencer. Muitas vezes, o emprego não-inteligente da força pecará por excesso ou falta, e as consequências poderão ser desastrosas. Enquanto nos esportes os seus praticantes têm o privilégio de competir nas suas categorias de peso, gênero e faixa etária, a força e a rapidez podem ser medidas e definir quem é o campeão nas regras. Já o Tai Chi floresceu e sobreviveu durante um período de guerras sangrentas na China e seus representantes enfrentaram desafios mortais que nenhum esporte radical consegue simular.
Mas qual foi a solução eficiente encontrada por aqueles velhos guerreiros?
Uma que exigisse o poder de um simples toque e nenhuma força extra ou movimento veloz para ser executado. Porque de acordo com o livro “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, o essencial para se alcançar a vitória é a aplicação acurada e bem dosada do poder, e não a sua quantidade. Quanto tempo você acha que um lutador iria durar se ele estivesse incapacitado de se manter equilibrado? Lembre-se que para comprometer a precária estabilidade do corpo humano, um pequeno empurrão ou puxada no ângulo e na direção certa é suficiente. A queda causada por tal desequilíbrio, em última análise, supera o poder de destruição de socos ou chutes, afinal nada golpeia tão forte quanto o impacto da aterrissagem.
Outra vantagem de se usar o Dantian para acelerar a energia ao longo da coluna até a cabeça e as extremidades de cada dedo, é que não haveria como enfrentar um mestre sem correr o risco de entrar em contato com alguma parte dele. Por essa razão os grandes professores do Tai Chi eram temidos e nunca tiveram de usar manobras realmente drásticas para manter a sua reputação. A simples presença deles em um ambiente desestimulava o ímpeto agressor dos oponentes acostumados a abusar da violência. E os mais sensíveis percebiam que aqueles especialistas do Tai Chi eram capazes de desencadear lesões graves com um mero toque. E se mesmo assim alguém ousasse testá-los, sentiria como se tivesse sido arrancado do chão pelo vento.
Armado com essa fenomenal habilidade marcial, o praticante de Tai Chi se conecta a ordem natural do universo que os sábios chineses denominaram de “Tao”, ou “O Caminho”. Aliás, ao preservar a notória emissão de força explosiva do Tai Chi também sinergizamos o seu lado terapêutico.
Esse é o “Tao” do Tai Chi: posicionar o corpo como um canal intermediário entre o Céu e a Terra. Aumento da resistência diante de ameaças internas e externas, e uma lucidez e vitalidade incomuns são os benefícios básicos que o Tai Chi propicia em longo prazo ao estimular o sistema imunológico e ampliar o seu fator de cura e proteção da medula até a pele e além.
Quando conseguimos irradiar esse poder que passa pelo Dantian, automaticamente reingressamos no “Tao”. Entrar em ressonância com a atmosfera e em equilíbrio com as forças ao redor nos deixa relaxados e descontraídos, contentes com o fato de estarmos vivos neste instante presente e saudavelmente curiosos e confiantes com o que a vida nos reserva no futuro. É o fim do estresse mental e o início de uma existência mais pacífica e racional.
Esse fascinante estado de contemplação é decorrente da atenção dirigida no treinamento da Forma e nos demais exercícios energéticos do Tai Chi.
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E se o “Tao” lhes trouxe aqui e vocês estão lendo este artigo, então é o momento de experimentarem o Tai Chi e comprovar o imenso potencial de bem-estar, liberdade e segurança que esta arte lhes ajudará a descobrir e desenvolver.
Sejam bem-vindos!
Artigo 1: O poder invisível do Tai Chi Chuan
Artigo 2: O poder invisível do Tai Chi Chuan: Yin-Yang