Maternidade Consciente

O que é a maternidade compulsória?

Mãe com bebê.
Alena Shekhovtsova de corelens / Canva
Escrito por Eu Sem Fronteiras

Quando o assunto é ser mãe, pode parecer que esse desejo é quase natural para as mulheres. No entanto, nem todas têm esse plano — ainda assim, se sentem culpadas, como se fugissem do que é esperado para elas. Isso é consequência da maternidade compulsória. Saiba o que é e como identificar tal prática no dia a dia.

Se a sua resposta foi “sim”, responda: você é capaz de afirmar com certeza que esse desejo é algo que nasceu em você? Ou pode ter sido influência da forma como você foi criada, socializada e ensinada desde pequena?

Se ficou na dúvida, você pode estar sendo vítima da chamada “maternidade compulsória”. Esse termo é usado para explicar a naturalização e a universalização da ideia de que todas as mulheres devem ser mães pelo menos uma vez na vida. Vamos entender mais sobre isso:

O que é a maternidade compulsória?

Teste de gravidez
ilkersener / Getty Images Signature / Canva

“A mulher só é completa se der à luz”, “a mulher é a melhor pessoa para cuidar da família”, “a maternidade é sagrada”, “ser mãe faz parte do ciclo da vida”, “os bebês são uma bênção”… Quem nunca ouviu uma (ou todas) frase como essas?

O conjunto de práticas políticas e socioculturais enraizadas em nossa sociedade é o que semeia nas mulheres o desejo de ser mãe, sem que isso seja, de fato, natural ou uma escolha.

A forma como as famílias tradicionais são organizadas (pai, mãe e seus descendentes) encaminham as mulheres a pensarem, desde pequenas, que o futuro delas envolve a maternidade em algum momento da vida — seja parindo ou adotando. É como se ter um filho fosse uma realização social obrigatória, um ato que provoca validação frente à sociedade e que se basta em si mesmo.

Diferentemente do que acontece com as mulheres que optam por não terem filhos. Essas sofrem com os julgamentos, os olhares esquisitos e os questionamentos constantes, já que parece impensável uma mulher decidir pela não maternidade e ainda assim ser feliz.

Mas, na prática, como esse pensamento é instaurado? Confira abaixo:

Por que a maternidade compulsória acontece?

O sistema que induz à maternidade obrigatória tem nome e sobrenome: é o machista patriarcal. Mesmo que as mulheres tenham conquistado avanços importantes dentro dessa configuração, ainda há muito a se fazer para se livrar de vez das amarras do patriarcado.

A escolha de ser mãe é um dos exemplos. Existem dois meios pelos quais as mulheres são levadas a acreditar que precisam querer a maternidade: o subjetivo e o objetivo.

O subjetivo tem a ver com a socialização feminina. Desde pequenas, as meninas são incentivadas a brincarem com bonecas, carrinhos de bebês, brinquedos que imitam tarefas domésticas, enfim… Elementos que mostram, diretamente ou não, que o papel feminino tem a ver com a maternidade.

Os meninos, por sua vez, podem brincar de super-herói ou de qualquer esporte, sem a preocupação de oferecer carinho a outra pessoa (mesmo que apenas uma boneca). Lá na frente, os resultados são visíveis: as mulheres tomam as rédeas do cuidado com a família, enquanto os homens não se veem parte dessa responsabilidade.

Filmes, livros, séries, músicas, peças de teatro, novelas e várias outras mídias apenas reforçam esse pensamento. Quando se casam, as mulheres precisam ter filhos para gerar o fruto (obrigatório) desse amor e, enfim, atingirem o padrão ideal de feminilidade. Caso contrário, são acusadas de não terem vivido plenamente.

Tal dinâmica é ainda mais presente em países nos quais os direitos reprodutivos das mulheres são cerceados, como é o caso do Brasil. É aí que entram os meios objetivos de forçar à maternidade.

Se pararmos para pensar, não existem formas 100% eficazes de impedir que as mulheres engravidem. Os métodos anticoncepcionais são diversos, mas nenhum garante a impossibilidade completa de gerar um filho. Nem mesmo a laqueadura, cirurgia esterilizante feminina, é capaz de prover 100% de certeza. O aborto, nem se fala — proibido veemente pela legislação e pela sociedade brasileira.

Outro ponto é que, em sua maioria, tais métodos são responsabilidade da mulher, já que foram desenvolvidos para que ela os utilize. Como foi criada para a maternidade, cabe apenas a ela a preocupação com a contracepção. O homem, enquanto isso, pode se ausentar do processo sem muitas crises.

Como agravante, as mulheres não são incentivadas desde pequenas a conhecerem o próprio corpo, o próprio ciclo, o próprio sistema reprodutivo ou até mesmo as próprias opções anticoncepcionais disponíveis. Dessa forma, como elas podem se colocar no controle das próprias vidas? Como evitar a maternidade, quando essa for uma escolha? Continue lendo para descobrir.

A importância do planejamento familiar

Uma mulher segurando um bebê em seu colo.
Alena Ozerova / Canva

Para fugir da maternidade compulsória, a primeira coisa que você precisa ter em mente é: conhecimento nunca é demais. Compreender o funcionamento do próprio corpo e entender os efeitos da escolha (ou não) de ter um filho é essencial para planejar o futuro da família que deseja para si.

O tal do “planejamento familiar” é justamente o conjunto de ações voltadas não apenas para as mulheres, mas também para os homens, com a finalidade de auxiliá-los na decisão de quando e como querem ter seus filhos. É um direito que deve ser oferecido pelo Estado por meio do acesso a recursos informativos, educacionais, científicos e técnicos.

Abaixo, separamos algumas dicas que podem te ajudar a preparar a sua vida para a chegada dos filhos ou evitar uma gravidez, se for o caso:

  1. Saiba que relógio biológico não existe: é claro que, quanto mais velha, maiores são os riscos da gravidez. No entanto, com o avanço da ciência, já é possível congelar os óvulos e postergar a gestação. De forma geral, essa pressão do relógio é apenas social, com o objetivo de ressaltar a maternidade compulsória em nossas vidas.
  2. Conheça as suas opções: se você decidiu adiar ou suprimir a gravidez na sua vida, é preciso entender quais são as suas possibilidades. Atualmente, além do congelamento de óvulos, existe ainda a fertilização assistida e uma enorme gama de contraceptivos. Pesquise a melhor opção para a sua realidade.
  3. Converse com o(a) seu(a) parceiro(a): o diálogo é fundamental para quem está pensando em mudar a dinâmica da família. Reflitam juntos sobre se a decisão não tem sofrido influência de outras pessoas, se estão ou não preparados para a chegada de uma criança, se preferem utilizar métodos contraceptivos etc. A transparência é a chave para que ambos estejam na mesma página.
  4. Procure um médico de confiança: o suporte de um profissional qualificado que entenda e respeite as suas decisões é importante para que a maternidade seja uma experiência agradável ou para que a saúde continue sendo uma prioridade no caso da não maternidade. Discuta com o médico as opções contraceptivas até chegar naquela que mais se adapta aos seus planos.
  5. Planeje-se financeiramente: se tiver a certeza de que quer ser mãe, é a hora de preparar o terreno para os cuidados com a criança — que não são poucos. Anote todas as despesas que puder imaginar e veja se é possível combiná-las aos seus rendimentos. Com segurança financeira, vai ser muito mais fácil aproveitar a infância do pequeno.

Como vimos, o planejamento familiar é extremamente importante e deveria ser regra para toda a população brasileira. Na prática, entretanto, não é assim que acontece. A população mais pobre costuma ser excluída desse processo, criando os filhos da forma que for possível. Por isso é preciso refletir.

Por que é importante discutir sobre o assunto?

Uma mulher checando um teste de gravidez.
milanvirijevic de Getty Images Signature / Canva

A maternidade compulsória chegou a um nível em que ser mãe é uma decisão tão natural que ninguém sequer a questiona, mesmo quando não há condições socioeconômicas para tal.

Pergunte a uma mãe por que ela resolveu ter filhos. É bem provável que ela diga que nunca parou para pensar e que sempre pareceu “óbvio”. Quem tem que se explicar é justamente quem decide pela não maternidade — ou até mesmo quem, por alguma razão, não consegue engravidar.

Isso tem consequências diretas na vida dessas mulheres. Aos olhos do senso comum, elas se tornam menos desejáveis, mais solitárias, menos respeitadas e até menos “mulheres”.

Enquanto isso, as mães são endeusadas a um nível absurdamente tóxico, em que expectativas irreais são colocadas no colo de uma única pessoa. E elas não podem reclamar, já que a maternidade deve ser encarada como uma “bênção”.

Até quando vamos continuar assim?

Pelo poder de escolher a hora de ter ou não filhos

A maternidade não é, nem precisa ser, algo inerente à mulher. Hoje, sabemos que, ao planejar a saúde reprodutiva, elas estão menos sujeitas à pressão da maternidade compulsória.

Só assim elas serão responsáveis pela própria vida, levando em consideração tudo aquilo que atravessa a chegada de uma criança, como as perspectivas biológicas, sociais, de gênero, demográficas e de planejamento familiar.

Não há hora certa para se ter um filho — e ninguém deveria ser discriminado por decidir não esperar no “tic-tac” desse relógio.

Você também pode gostar

Afinal, quantas mulheres podem se dar ao luxo de apertar o “modo soneca”? Quantas mulheres podem parar os ponteiros sem serem julgadas por isso? Quantas delas viram as horas passarem rapidamente e hoje se arrependem de não terem esperado um pouco mais? A maternidade é apenas para quando as mulheres estiverem prontas. Se algum dia estiverem.

Sobre o autor

Eu Sem Fronteiras

O Eu Sem Fronteiras conta com uma equipe de jornalistas e profissionais de comunicação empenhados em trazer sempre informações atualizadas. Aqui você não encontrará textos copiados de outros sites. Nossa proposta é a de propagar o bem sempre, respeitando os direitos alheios.

"O que a gente não quer para nós, não desejamos aos outros"

Sejam Bem-vindos!

Torne-se também um colunista. Envie um e-mail para colunistas@eusemfronteiras.com.br