Muito se discute sobre intolerância e injustiças, e, nessas horas, a alteridade surge com força como uma solução contra as desigualdades e o desrespeito às diferenças. Mas o que exatamente é a alteridade e como ela pode resolver tantos problemas ainda sem solução? Entenda mais sobre o que é esse conceito e como ele se relaciona com a sociedade por meio deste artigo que o Eu Sem Fronteiras preparou.
Direto ao ponto
O que é alteridade?
Alteridade é a compreensão de que o outro indivíduo é diferente. Em sua etimologia, alteridade deriva do latim alteritas, em que o radical alter significa “outro”, e itas tem sentido de “ser”.
Dessa forma, alteridade carrega a ideia de “ser o outro”, e é por sua extensão de significados que o termo se relaciona com a Filosofia, a Antropologia e a Psicologia, e deve ser aplicado no dia a dia.
Alteridade na Filosofia
Platão, filósofo e matemático da Grécia Antiga, já pensava na alteridade e a via como um dos “gêneros supremos”, um dos pilares formadores do “eu”, e acreditava que conviver com a diferença era uma vantagem. Essa ideia se relaciona com os pensamentos do filósofo francês Emmanuel Levinas.
Emmanuel Levinas foi um dos principais filósofos a abordar o tema, ao passo que desenvolveu uma filosofia baseada na alteridade e que ainda critica a forma como a Filosofia ocidental via o outro como tão diferente que só poderia ser aceito após a conversão à cultura, religião e ideologia do “eu”.
Levinas defendia que o entendimento de que o “eu” só existe por causa do “outro” é a chave para acabar com a opressão e violência, até porque se o “eu” existe por causa do “outro”, sua destruição seria também uma autodestruição.
Assim, o filósofo propunha a alteridade como princípio da ética e passo fundamental para a humanização.
Alteridade na Antropologia
A Antropologia como ciência que estuda o ser humano é conhecida como a ciência da alteridade. Mas nem sempre foi desse jeito: Edward Burnett Tylor e Herbert Spencer, primeiros antropólogos da Inglaterra, propuseram a “classificação das raças”, teoria etnocêntrica e racista que julgava valores culturais atrelados à cor de pele das sociedades. Assim, sociedades de pessoas de pele mais clara eram bem mais evoluídas do que as das pessoas não brancas.
Felizmente, no século XIX, Franz Boas (antropólogo nascido na Alemanha e radicado nos Estados Unidos, também conhecido como Pai da Antropologia Americana) rompeu com o relativismo cultural e conduziu uma nova forma de se estudar Antropologia.
Para ele, as diferenças entre os povos se dão pela cultura, não pela raça, de forma que quem enxerga uma cultura como inferior à sua o faz por não a conhecer, não se permitir aprender a língua do outro, seus costumes, sua cultura e suas pessoas.
Os estudos de Boas foram um marco no antropocentrismo, que adotou o relativismo cultural como uma de suas bases e regras para o combate a posturas etnocêntricas, racistas e tendenciosas.
Alteridade na Psicologia
O conceito de alteridade também é importante para a Psicologia, principalmente para a Psicologia Social, cujo principal aspecto de estudo é a compreensão da vida humana, de forma que a Psicologia só é possível porque o “outro” existe, e o “eu” pode reconhecê-lo.
Na Psicologia também, se acredita que a alteridade seja o campo oposto do “ego”, uma vez que o “ego” faz com que o indivíduo se reconheça e se observe, enquanto a alteridade requer o reconhecimento do outro e, logo, da coletividade.
Nesse campo, acredita-se que, apenas quando o “outro” é reconhecido como diferente do “eu”, consegue-se entender a singularidade de outras pessoas, povos e culturas. É o entender que o outro é diferente e respeitá-lo que permite que o “eu” também seja visto como diferente, singular e digno de respeito.
Empatia é sinônimo de alteridade?
Quando se fala de alteridade, muito se diz sobre “colocar-se no lugar do outro para entendê-lo”, ideia fortemente atrelada à empatia.
Porém, apesar de serem usados como sinônimos, carregam ideias diferentes: empatia refere-se à capacidade de se colocar no lugar do outro, sentindo suas dores, frustrações ou raivas de maneira imaginária, enquanto a alteridade refere-se ao entendimento do outro como diferente do “eu”.
Na alteridade, ao se colocar no lugar do outro, uma pessoa o faz para entender que aquela outra pessoa é única, em suas características e decisões.
Ou seja, quando um antropólogo deseja estudar um povo, por exemplo, ele deve aprender com eles seus costumes, línguas, culturas e expressões, não para se tornar um deles, mas para enxergar e vivenciar todas as diferenças entre eles e ser capaz de respeitá-las. Isso é alteridade.
Já empatia é, por exemplo, quando um amigo perde um ente querido, e o vemos sofrendo e sentimos sua dor. Nesse exemplo, alteridade seria entender que ainda que o “eu” chore muito, o outro pode chorar muito também ou simplesmente não estar chorando pelo choque – porque já chorou demais ou porque seu corpo não responde à perda dessa forma –, mas, de qualquer maneira, ajudar esse amigo justamente agora que as diferenças foram expostas, e ele está em um momento difícil.
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Por que a alteridade é importante?
A alteridade é a chave para o respeito. Quando se entende que o outro é diferente e que ser diferente é uma característica e não um juízo de valor, o respeito pela diversidade cultural, religiosa, racial, social ou qualquer outra característica não semelhante cresce, e não há violência, ódio ou impulsos de destruição voltados a algum grupo.
Apesar de o conceito de alteridade ser relacionado com a resolução de muitos problemas e isso parecer uma utopia, é uma ideia que deve ser trabalhada diariamente por adultos e também por crianças – na escola e em casa –, visto que nunca é tarde ou cedo demais para se aprender sobre o respeito, e somente uma sociedade que reconhece cada indivíduo por sua singularidade consegue dar a ele o que é preciso.
Não à toa a alteridade é discutida em tantos campos das ciências sociais, ela é o que valida cada indivíduo da sociedade como único e igualmente merecedor de respeito.