Se você pesquisar no Google, por exemplo, “o que é tuberculose”, vai encontrar uma série de artigos sobre essa doença e detalhes sobre todos os sintomas dela, que serão invariavelmente os mesmos. Ou seja, as doenças do corpo físico normalmente têm suas causas e sintomas conhecidos, mas o mesmo não se aplica aos transtornos psicológicos, que se manifestam de maneiras diferentes — às vezes muito diferentes — de doente para doente. A depressão é um desses problemas.
Se você conhece ou já leu relatos de pessoas que tiveram ou têm depressão, sabe muito bem do que estamos falando. Há pessoas que relatam uma tristeza profunda, enquanto outras não sentem tristeza, mas uma incapacidade de tomar qualquer decisão, por exemplo. Enfim, os sintomas são muitos e, portanto, é tão difícil responder de maneira simples à pergunta: “O que é depressão?”
Em 2013, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o distúrbio depressivo maior afetava cerca de 235 milhões de pessoas no mundo, o que representava, à época, 3,6% da população mundial. Esses números fizeram com que a depressão ficasse popularmente conhecida como “a doença do século” ou “o mal do século”.
O psicólogo norte-americano Andrew Solomon, conhecido internacionalmente como referência quando o tema é depressão, descreve, em um ensaio de seu livro “Um crime de solidão”, que a depressão é “a ausência de vitalidade”, que é uma definição bem aceita entre os especialistas. “Vitalidade”, segundo o dicionário, é “força vital, vigor, capacidade de viver”. Afinal, o que é depressão?
Direto ao ponto
O que é depressão?
Segundo o National Institute of Mental Health, órgão governamental dos Estados Unidos que financia pesquisas na área de saúde mental, “o distúrbio depressivo maior, mais conhecido como depressão, é um distúrbio psicológico caracterizado por pelo menos duas semanas de uma depressão (isto é, tristeza profunda, aversão a atividades, entre outros problemas causados por essa alteração no humor) que esteja presente em boa parte das situações”.
É importante, portanto, antes de mais nada, separar a doença da alteração de humor, ambos comumente chamados de depressão. “Todos ficamos ou ficaremos deprimidos em algum momento de nossas vidas, no sentido de que a depressão é uma sensação, uma emoção, uma característica humana. Quando estamos deprimidos, sentimos tristeza, mágoa, solidão, ansiedade, impotência, culpa e uma série de outros sentimentos, que muitas vezes se somam. Isso não é uma doença, é uma sensação. A doença acontece quando a pessoa se mantém deprimida, ou seja, quando carrega consigo todas essas emoções por um longo tempo”, explica Eliana Freire, psicóloga clínica que atende, sobretudo, pacientes com depressão.
Causas e tratamento
Segundo a especialista, as pessoas costumam pensar que a depressão é causada unicamente por experiências pelas quais passamos, como o término de um relacionamento ou a morte de um ente querido, mas as causas da depressão também podem ser genéticas, então os fatores de risco não se limitam à vida em si e ao que acontece conosco ao longo dela, mas também ao histórico de depressão na família, ao uso de medicamentos e a outros problemas de saúde que podem desencadear o problema. Além de tudo isso, há também as considerações que fazemos a respeito de nós mesmos, porque baixa autoestima, frustrações e outras decepções podem também desencadear a doença.
“Há duas principais maneiras de descobrir a causa da sua depressão e de tratá-la, e essas duas causas não são excludentes. Não é que você tem que optar por uma e excluir a outra. Muitas vezes, o bem-estar só é alcançado quando as duas estão em harmonia. São elas a terapia, isto é, o acompanhamento psicológico, e o tratamento e o acompanhamento psiquiátrico, que muitas vezes inclui o uso de medicamentos”, detalha Freire.
A união dos dois tratamentos é essencial, segundo a psicóloga, porque combate a doença em duas frentes: as alterações que ela causa no cérebro, no sentido físico mesmo, e consequentemente no comportamento, que são tratadas com os medicamentos, e o modo como ela distorce a visão que a pessoa tem do mundo, das suas experiências, do seu futuro, do seu presente, de suas emoções e de si mesma, que vai ser discutida e analisada em terapia. “Cada pessoa tem uma experiência única com a doença e seria impossível dizer o que é melhor para cada um de maneira geral. O que eu sempre recomendo é buscar a terapia para entender o que está acontecendo e por que está acontecendo, e também marcar uma consulta com um psiquiatra para discutir a situação. Em muitos casos, o uso do medicamento é temporário, apenas para dar um empurrãozinho inicial para que a pessoa saia daquela situação”, opinou a psicóloga.
Sintomas de depressão
Como já descrito anteriormente e detalhado pela especialista, os sintomas de depressão são muito variados, sobretudo porque cada caso clínico é causado por algo diferente, que muitas vezes nem mesmo fica claro, seja na terapia ou no tratamento psiquiátrico.
Mas, segundo a literatura a respeito do tema, os sintomas podem ser basicamente divididos em três categorias: sintomas fisiológicos, sintomas cognitivos e evidências comportamentais.
Conhecer essa lista de sintomas é importante não só para que você analise o seu próprio comportamento e esteja ciente a respeito de alterações nele, mas que também observe as pessoas ao redor, porque muitas vezes elas estão passando por um quadro depressivo, mas não têm consciência disso.
Sintomas fisiológicos:
- Alterações de sono, como insônia, sono interrompido, sonolência excessiva, entre outros;
- alterações no apetite, como perda ou excesso dele;
- alterações no ritmo circadiano (troca do dia pela noite);
- cansaço excessivo ou sensação de perda de energia;
- inquietação e impossibilidade de manter todos os membros parados e em repouso;
- redução ou até mesmo inexistência de prazer sexual e libido.
Sintomas cognitivos:
- Diminuição ou completa incapacidade de concentração, sobretudo de atividades que exigem plena atenção, como leitura e escrita;
- lapsos de memória, sobretudo de curto prazo;
- dificuldade e medo de tomar decisões;
- ansiedade e preocupação excessiva com pequenos problemas ou situações que nem mesmo aconteceram, além de possíveis consequências das decisões atuais;
- diminuição ou incapacidade de sentir ânimo e prazer na realização de atividades que antes eram prazerosas, como hobbies e estar ao lado das pessoas que ama, por exemplo;
- tristeza constante;
- baixa autoestima e sentimento persistente de culpa e de comparações que sempre terminam diminuindo quem se compara;
- desânimo persistente, sensação de vazio;
- irritabilidade diante de pequenas situações;
- em casos mais severos, pensamentos suicidas, sejam eles apenas considerações sobre o ato ou mesmo planejamentos.
Evidências comportamentais:
- Isolamento social e falta de vontade de estar em meio a outras pessoas;
- lentidão psicomotora, isto é, tanto nos pensamentos quanto nos movimentos; choro descontrolado e frequente;
- autossabotagem, ou seja, intencionalmente tomar atitudes que terão consequências ruins certas, como uso de drogas;
- comportamento autodestrutivo físico, como automutilação;
- comportamento suicida e, por fim, tentativas de suicídio.
Como se nota, a lista de sintomas é grande e muito variada. “Tem quem experimente apenas alterações no sono e tristeza nenhuma. Há quem idealize suicídio sem ao menos sentir solidão, sentimento de frustração ou melancolia. É impossível dar um diagnóstico geral, por isso é que a terapia e a consulta psiquiátrica são importantes”, explica Eliane. Segundo a especialista, uma depressão não acompanhada e tratada pode causar outros transtornos psicológicos, como o transtorno de ansiedade generalizada (TAG) ou a síndrome do pânico, por isso é importante buscar ajuda tão logo perceber que algo está errado.
A jornada do tratamento
Segundo ela, as pessoas que conhecem os sintomas da depressão ou que já viram alguém passar por ela encontram mais facilidade de reconhecer que talvez estejam passando pelo mesmo problema, “mas isso não é regra, porque muitas vezes a pessoa entra em negação e diz para si mesma: ‘depressão? Eu? Não, não é possível’, então acho que reconhecer o problema é sempre o primeiro passo”, segundo a especialista. Depois de reconhecer a depressão, mesmo que apenas como suspeita, muitos pacientes, ainda de acordo com a profissional, enfrentam uma redução ainda mais na autoestima causada pela culpa.
“É muito frequente que a pessoa que enfrenta a depressão se sinta culpada por isso, mesmo que, na grande maioria dos casos, ela não tem culpa nenhuma por se encontrar naquela situação. Eu, particularmente, gosto de recomendar que a primeira coisa a ser ‘atacada’ seja o sentimento de culpa. Assim como não podemos nos culpar por termos uma crise de apendicite ou por tropeçarmos na rua e quebrarmos um pé, não podemos nos culpar por estar sentindo o que estamos sentindo. O que podemos fazer é entender o que estamos sentindo e encontrar maneiras de lidar com isso”, opina a psicóloga.
Sobre o tratamento e a caminhada que é lidar e curar a depressão, que muitas vezes dura anos ou mesmo uma vida toda, Eliane Freire comenta: “Eu não gosto muito de usar metáforas, mas vou usar uma: muitas vezes os pacientes se lançam numa guerra contra a depressão, como se fosse um inimigo a ser combatido, mas eu não penso que seja bem assim, porque uma hora ou outra descobre-se que o inimigo que você estava combatendo era você mesmo, porque a depressão é uma doença que envolve tudo o que sentimos e o modo como agimos, então lutar contra ela é lutar contra nós mesmos. Eu acho que não há ação mais corajosa e de autocuidado do que buscar tratamento para uma doença, então não vejo isso como uma guerra, mas como uma grande atitude de pessoas que se amam, que sabem que merecem mais e que vão em busca de uma melhora. Vejo grandes avanços quando os pacientes são amorosos consigo, em vez de combativos com algo tão abstrato como a depressão.”
Como ajudar alguém com depressão?
Se você conhece alguém que está com depressão ou que você imagina que esteja com depressão, não há nada melhor do que uma conversa direta e franca, mas com sensibilidade, na opinião de Eliana Freire. Ela defende que quebrar a barreira, que é falar pela primeira vez sobre a depressão, e escutar com atenção a pessoa que está passando por ela cria um vínculo de confiança e abre atenção para outros 5 passos com objetivo de ajudar alguém com depressão.
1 – Reforce a necessidade do tratamento, mas com delicadeza
Acompanhamento psicológico e tratamento psiquiátrico são as saídas para a depressão. Ponto. Logo, você precisa incentivar essa pessoa a tratar esse problema, mas não faça o tipo insistente e insensível que está sempre falando “e aí, já tá fazendo terapia?”. Fale com delicadeza, demonstre preocupação. Se possível, tente mostrar um depoimento ou trazer para a conversa alguém que você conheça e que já passou pela depressão ou está fazendo tratamento para o problema, com sucesso. Incentivar é diferente de pegar no pé.
2 – Esteja atento, tome cuidado e observe as suas palavras
É muito bom saber que tem alguém que se preocupa conosco e com o nosso bem-estar, né? Seja essa pessoa. Pergunte como o seu amigo está, preste atenção nas respostas dele, para considerar se a situação dele está muito ruim, e mantenha contato com familiares e/ou parceiros, pessoas que podem ajudar em casos de emergência. Jamais faça piadas, humilhe ou ridicularize a situação da pessoa. Vivemos numa sociedade que julga doentes sem muita consideração, então faça diferente e ofereça amor.
3 – Sem positividade tóxica!
“Ah, você vai sair dessa, vai voltar a sorrir e tudo vai ficar bem de novo!”. Quem nunca estava triste e ouviu algo assim? Esse tipo de positividade tóxica não só não ajuda, como atrapalha, porque passa para a pessoa a sensação de que ela está daquele jeito porque quer, já que o mundo e a vida são ótimos, ou que tudo vai passar sem a necessidade de buscar tratamento. Tente animá-la, mas de maneira objetiva, sem falar coisas que em nada atrapalham, como: “Basta levantar da cama e tudo vai melhorar!”
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4 – Mantenha contato e escute com atenção
Esteja perto, converse, mostre que se importa e que está ao lado da pessoa para o que der e vier. Dedique um tempo a ela e a encontre pessoalmente, sobretudo em tempos em que o contato é quase todo digital. Acima de tudo, escute com atenção. Se você quer perguntar: “Tá, mas o que você tá sentindo?”, mas não pretendo ouvir a resposta com a devida atenção, comentar sobre ela e ajudar como for possível, para que perguntar? Seja dono de ouvidos atentos e de palavras que trazem conforto!
5 – Comemore junto
Para quem muitas vezes encontra dificuldade de levantar da cama, cada pequena conquista merece ser comemorada, seja um dia em que a pessoa se sentiu mais bem do que mal ou uma noite de sono bem dormida. Comemore junto, celebre com ela e valorize cada pequena conquista, mesmo que ela mesma não perceba que é uma conquista. Tome cuidado e seja sensível, mas procure dizer frases como: “Tá vendo como você agiu hoje? Há x meses você nem conseguiria fazer isso!” Sabemos que a depressão mexe com a autoestima e distorce a visão que a pessoa tem de si mesma, então quanto mais você ajudá-la a perceber as coisas boas que tem feito, mais você vai ajudar!
Artigo produzido por Lucas Alencar, da equipe do EuSemFronteiras