Afinal, alguém já viu Deus? É sobre o que versa a teofania, etimologicamente compreendida a partir de duas palavras gregas: theos, referindo-se a “Deus”, e phainein, que quer dizer “mostrar” ou “manifestar”, que, juntas, significam “aparição de uma divindade”. Na Grécia de Homero, a Ilíada, a manifestação dos deuses da mitologia era algo recorrente e a citação mais antiga da expressão teofania aconteceu em um antigo poema da Mesopotâmia: Epopeia de Gilgamés, atribuída ao mitológico deus-herói Gilgamés.
Contudo, de uns “tempos para cá”, Deus não aparece muito e deixa muita gente se perguntando se, de fato, em algum momento, ele já apareceu. Em escrituras antigas, por exemplo, muitas passagens afirmam de forma veemente que “ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é que o revelou” (Jó 1:18). Da mesma forma, ninguém “jamais tendes ouvido a sua voz, nem visto a sua forma” (Jó 5:37).
Ao mesmo tempo, outros trechos colocam abaixo essa tese ao dizerem, por exemplo, que Deus falou com Moisés “face a face”, em Êxodo 33:11. Outros “testemunhos” presentes nas escrituras antigas também alegam a aparição física de Deus: “Voltarei o rosto contra eles… e sabereis que eu sou o Senhor…” (Ezequiel 15:7) e “Como Moisés, com quem o Senhor houvesse tratado face a face…” (Deuteronômio 34:10).
Para muitos, isso tudo não passa de antropomorfismos existentes na Bíblia que atribuem a Deus características humanas a fim de garantir a clara compreensão da mensagem. A despeito deste cenário contraditório, a manifestação real de Deus (em suas diferentes formas de aparição) ou teofania tem seus registros identificados no Velho Testamento.
Tipos de teofania na Bíblia
Antes de adentrarmos aos seus momentos mais emblemáticos, é preciso destacar um ponto fundamental: Deus é espírito (Jó 4:24). Esta condição é reforçada ao longo de toda a Bíblia, utilizando a expressão “espírito de Deus”. Por isso, sua manifestação se deu de diferentes formas. Enquanto uns relatam o surgimento de Deus assumindo a aparência ou corpo humano de forma temporária, em outros casos, a divindade surgiu em sonhos ou visões, ou mesmo através de símbolos. Apesar da diferença dessas experiências, todas são identificadas como aparições reais.
Há também menções ao chamado Anjo do Senhor (Juízes 13:21,22) que, para alguns, era como ter visto o próprio Deus. Portadores das mensagens de Deus, os anjos eram incumbidos de transmitir a autoridade divina e eram enviados ao mundo terreno, já que muitos acreditam que o ser humano não conseguiria aguentar ver Deus com seus próprios olhos. Alguns acreditam que o Anjo do Senhor era Jesus, sendo, portanto, o anúncio da vinda do messias cristão. Contudo, não há registros bíblicos que corroborem essa afirmação.
Teofania no Velho Testamento
Há passagens que apontam a teofania no Velho Testamento. Em todas elas, Deus se utilizou de diferentes formas de aparição para intervir em algum momento considerado decisivo da história de vida de alguns indivíduos, sempre portando uma mensagem importante. Conheça alguns desses momentos.
1. Quando Deus surgiu em formato de fogo:
Uma das aparições aconteceu em Gênesis 15:17, quando Deus propôs a Abraão uma aliança. Só que, para firmar esse acordo, era necessária a presença de duas pessoas que deveriam realizar o gesto circular entre partes de animais sacrificados a fim de chancelar aquele pacto. Entretanto, como Deus não podia apresentar-se em toda Sua Glória, pois Sua presença poderia consumir Abraão, a divindade aproximou-se dele em formato de “fogo fumegante” enquanto uma tocha de fogo representava Abraão e o contrato foi feito.
Deus também apareceu para Moisés em formato de sarça ardente quando o convocou para liderar o êxodo e se tornar legislador de Israel (Êxodo 3:1-6). Naquela ocasião, Moisés estava pastoreando o rebanho de seu sogro no deserto na região do Sinai. Ao chegar ao Monte Sinai (chamado de Monte Horebe na Bíblia), fala-se na aparição do Anjo do Senhor em uma chama de fogo, em meio a uma sarça (arbusto). Percebendo que a sarça ardia em chamas, mas não se consumia, Moisés se aproximou e ouviu Deus chamar seu nome, convocando-o a tirar as sandálias dos pés, pois aquele era um terreno sagrado, e falou “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Êxodo 3:6).
2. Quando Deus surgiu em aparência humana:
Outro momento descrito como teofania e que também está relacionado a Abraão aparece em Gênesis 18:1-21, quando ele assume aparência e corpo humano. Ao levantar os olhos, Abraão viu três homens e os convidou para descansar. Convocou Sara para preparar pães para alimentá-los, enquanto preparava novilho, coalhada e leite. Naquela visita, um dos homens informou ao casal que eles iriam ter um filho (Isaque) e falou sobre a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra. Posteriormente, a escritura bíblica descreve a ajuda de dois anjos a Abraão e sua família para fora da cidade. O terceiro homem é considerado uma teofania de Deus.
Uma manifestação de Deus em formato humano também se deu em Gênesis 32:24. No escrito, é narrado o encontro de Jaú com um homem misterioso. Jaú vivia servindo a seu sogro e fugia de seu irmão, Esaú, com o qual teve desentendimentos (narrados em Gênesis 27). Em sua jornada de reconciliação, Jaú presenciou a aparição de anjos do Senhor e contou com a proteção divina, mesmo cheio de falhas e imperfeições. Quando estava atravessando o vau de Jaboque com sua família, filhos e servos, acabou ficando sozinho e se deparou com um homem com quem lutou. Era Deus assumindo forma humana. Desse encontro, Jacó clamou pela benção de Deus e teve seu pedido concedido, passando a se chamar Israel.
3.Quando Deus apareceu como fenômeno da natureza:
Ao longo dos 40 anos em que caminharam pelo deserto, os israelitas foram acompanhados por uma manifestação visível de Deus, que, durante o dia, assumia a forma de uma nuvem, que os acompanhava o tempo todo e servia como guia, e pela parte da noite, se transformava em uma coluna de fogo para igualmente guiar, mas também iluminar a caminhada pelo deserto. Essa aparição está descrita em Êxodo 13:21-22.
Deus também surgiu para Elias assumindo a forma de uma brisa suave em 1 Reis 19:11-13. Após confrontar os profetas do falso deus Baal, Elias precisou fugir para não ser morto pela rainha Jezabel, esposa de Acabe, e descrita por sua personalidade forte e grande fanatismo religioso. Assim, Elias fugiu para o deserto e, ao chegar ao Monte Hobere, Deus anunciou que iria aparecer. Diante da revelação, ele esperou dentro de uma caverna até que viu um vento forte, um terremoto e fogo. Quando esses fenômenos acabaram, Deus apareceu em forma de uma brisa suave para restabelecer a fé de Elias e ainda revelou quem Ele ungiria como próximo profeta e quem seriam os próximos reis de Israel e da Síria.
4. Quando Deus apareceu em visões para profetas:
Um exemplo de aparição de Deus por meio de visão foi registrado em Isaías 6:1, quando este relata sua experiência com o divino. Deus estava na sala do trono em meio a uma atmosfera espiritual e não terrena. Isaías descreve a presença de serafins com seis asas e que estavam servindo a Deus proferindo os dizeres: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos, a terra inteira está cheia da Sua glória”. Diante de Deus, o profeta confessa seus pecados, reconhecendo-se impuro em sua fala, mesmo sendo um profeta. Ao confessar, é purificado com um anjo voando em sua direção e depositando em seus lábios uma brasa viva, limpando seus pecados.
Outro profeta que afirmou ter tido uma visão de Deus foi Ezequiel, em Ezequiel 1:26-28. De acordo com os seus escritos, Deus, em toda a Sua glória, surgiu em uma carruagem celestial de nuvens e estava acompanhado de quatro querubins. Durante seu relato, Ezequiel anotou a data desse evento como tendo ocorrido no quinto dia, do quarto mês, do quinto ano do cativeiro de Joaquim (mais precisamente 21 de julho de 592 a.C., cinco anos depois de Ezequiel ir para o exílio com o rei Joaquim). Nesta visão, ele relata a aparição de um trono de safira que era ocupado por uma figura semelhante a um ser humano.
Teofania no Novo Testamento
No Novo Testamento, a grande teofania de Deus é Jesus, afinal, considera-se que Jesus, Deus e o Espírito Santo são um só (referindo-se à Santíssima Trindade). Assim, ao longo de 33 anos, Jesus Cristo viveu entre os homens e deixou profundos ensinamentos sobre amor ao próximo, perdão e compaixão. Outra teofania registrada de Cristo foi quando, após sua crucificação, ele ressuscitou e foi visto por alguns de seus discípulos.
Há outros eventos sobre a aparição de Jesus no Novo Testamento, como quando ele apareceu para o judeu Saulo de Tarso. Após a morte de Cristo, muitos passaram a ter ódio de seus seguidores, que acabaram sendo perseguidos. Neste cenário, Saulo cultivou uma grande raiva dos cristãos e também passou a persegui-los. Certo dia, quando viajava de Jerusalém para Damasco, teve uma visão de Jesus, que o repreendeu. Esse diálogo foi descrito no livro Atos dos Apóstolos 9:3-5: “Saulo perguntou: ‘Quem és tu, Senhor?’ Ele respondeu: ‘Eu sou Jesus, a quem você persegue’”. Após esse evento, Saulo se converteu ao cristianismo, mudou seu nome passando e se chamar Paulo e começou a disseminar a palavra.
Outra aparição emblemática de Jesus foi quando João teve uma visão com ele na Ilha de Patmos, evento relatado em Apocalipse 1:13-16. Neste texto, o discípulo de Jesus o descreve como uma figura de cabelos brancos como lã e neve. Além disso, seus olhos eram como chamas de fogo e seus pés pareciam “bronze em uma fornalha ardente”. Em seus escritos, João relata que Jesus lhe mostrou o fim dos tempos e o ordenou a relatar sobre o apocalipse para que os cristãos pudessem se preparar para o Dia do Juízo Final, momento de sua segunda vinda.
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E aí, gostou do tema? A despeito de ser um assunto repleto de opiniões divergentes, a teofania nos ajuda a compreender as diferentes faces de Deus e suas manifestações. Para os cristãos, apenas sentir sua presença em seus corações já é o suficiente.