Autoconhecimento

O que há no fundo do poço?

Escrito por Andrea Ralize

Acordo de manhã e me vejo sozinha. De repente me parece estranho esse fato, mas estou sozinha há tanto tempo. Por que só agora me apercebi da dor que isso causa? Foi exatamente isso o que aconteceu. De repente me apercebo de uma dor que já se instalou de tal forma em mim e eu sequer havia percebido.

Mas hoje, ao acordar, ela não mais emudeceu.

Ela gritou.

A dor gritou e pediu que eu a encarasse nos olhos. Eu tive medo. Não queria encará-la, pois sabia que assim eu tomaria consciência da minha solidão.

Essa solidão de si mesmo é infinitamente perniciosa. Ela nos afasta de tudo o que possa dar um brilho aos olhos, tudo fica cinza e sem som. Silêncio. Mas não um silêncio benéfico, daqueles que nos fazem meditar ou encontrar o sentido da vida. Ao contrário, essa solidão nos faz encarar o silêncio deprimente de quem não sabe ao certo como se faz para sobreviver apesar dele.

E nessa manhã foi assim. Eu acordei e me vi de verdade, inteira, de frente a um espelho que não mente, como aquele da bruxa do conto da Branca de Neve. E eu perguntei: Espelho, espelho meu, existe no mundo alguém mais sozinha que eu?

Minha surpresa foi imensa ao ouvir a resposta do espelho que nada esconde de quem quer de fato ouvir a verdade: – Sim, existe! Há multidões de pessoas que, como você, se sentem sozinhas. Acho melhor se conformar com a realidade de ser uma no meio de milhões, bilhões, trilhões…

Mulher encarando um espelho quebrado

Eu achei melhor não insistir nessa conversa com o espelho e saí para caminhar pela rua.

Precisava ver com meus próprios olhos se havia alegria por onde eu passasse e se, por acaso, eu poderia me contagiar com alguma esperança. Fui. Caminhei muitos quilômetros e constatei que os olhos das pessoas estavam presos a tudo, celulares, subterfúgios, distrações, protagonismo tosco.

Não havia consciência da solidão por onde eu caminhei. Havia mulheres se torturando por serem gordas, ou velhas, ou magras, ou incapazes de se fazerem respeitar. Havia homens com receio de não conseguirem progredir em seu trabalho, outros estavam confiantes demais com sua força física, outros ainda se escondiam por trás de coragem insidiosa, temendo que descobrissem que havia ali uma fragilidade humana. Por onde eu caminhei não vi alegria. Não vi prazer.

Vi farsas forçosamente construídas por sobre sentimentos desconhecidos e muitas vezes alheios a si mesmos.

Num certo momento da caminhada, caí num poço de lágrimas. Havia tanta dor ali. Mas tanta dor. Mas tanta dor. O poço era profundo, senti-me como Hefesto sendo jogado do alto do Monte Olimpo por seu próprio pai, caindo por dias e noites sem fim… caindo, caindo, caindo e durante a queda pensando: Será o meu fim? Será que agora poderei ter paz com um encontro com a morte, com o desaparecer total? Minha insignificância de fato se apresentará a mim mesma e poderei enfim ter um pouco de plenitude e paz?

Silhueta de uma mulher sentada em uma praia com a cabeça apoiada nas mãos

No entanto, a queda não cessava jamais.

O fim do poço nunca chegava, talvez ele não existisse… não saberia dizer.

Acordei hoje de manhã com tanto medo de encarar minha realidade. Mas, ao mesmo tempo, havia uma ambivalência ali dentro, pois, apesar do medo, eu queria tanto encarar o real que me deixava assim vulnerável, encontrar a cura de toda a doença que me dizia que sou um ser que precisa de alguém para ser feliz.

E o espelho me disse: Esqueça, ninguém em lugar algum vai suprir sua carência. O segredo para você sentir a completude que busca é encarar seus próprios olhos e se ver com amor.

Fiquei muda frente à retórica do espelho.

Nada poderia ser mais doloroso que ter que amar a si mesmo. Isso parecia impossível. Eu precisava encontrar alguém que fizesse isso por mim, eu mesma jamais conseguiria. Eu não conseguiria… impossível me amar.

O que há no fundo do poço além da solidão do sonhador que percebe que tudo é sonho, que nada é real, mas que, por outro lado, sabe que faz parte de tudo e que tudo faz parte dele mesmo?

O que existe no fundo do poço além dessa manhã em que acordei gemendo baixinho por trás de um sorriso falso que preciso dar aos que passam por mim para sobreviver e não ser confundida com um ser demente?

O que há no fundo do poço que eu não veja no espelho todos os dias, neste brilho opaco de um olhar que se sente cansado, mas que nunca lhe é permitido descansar? Como amar a si mesmo? Como se faz isso? Será que alguém teria a solução para esse enigma humano?

E a manhã se foi e a tarde se aproxima… trocam-se rapidamente as máscaras… vamos a ela!


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Sobre o autor

Andrea Ralize

Escorpiana, professora de filosofia, revisora de textos, mãe de três seres de luz, praticante de yoga, estudante de Vedanta e, nas horas vagas, escritora de fragmentos da vida.

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E-mail: acralize@gmail.com