Comecei a interessar-me por esse tema no decorrer do curso de psico-oncologia, em que ficou muito claro o papel do profissional de psicologia como parte integrante de uma equipe que tem como diretiva levar alívio ao sofrimento humano.
A palavra paliativo é derivada do vocábulo latino “pallium” que expressa o propósito de proteção contra as intempéries do caminho.
Para a Organização Mundial de Saúde, significa uma abordagem ou tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida.
No Brasil, os cuidados paliativos não são considerados uma especialidade médica, mas uma área de atuação que tem como pré-requisito a formação médica em Clínica Médica, Cancerologia, Geriatria, Pediatria, Anestesiologia e Medicina da Comunidade. A equipe multiprofissional é formada por médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social e um profissional da área de reabilitação (conforme necessidade do paciente). Todos devidamente treinados na prática da paliação.
Pesa sobre esse tema muitas interpretações equivocadas que prejudicam e normalmente interferem na compreensão e aceitação por parte do paciente, de familiares e até dos profissionais envolvidos.
Os cuidados paliativos não são disponibilizados apenas para pacientes em fase terminal. Hoje, são aplicados desde o momento em que é dado o diagnóstico de doença grave ou incurável, promovendo uma melhor aceitação da realidade, adesão ao tratamento e prognóstico mais favorável. A pessoa não recebe o rótulo de sua doença; ao contrário, é acolhida, compreendida e respeitada.
Frases como “não há mais nada a fazer no seu caso” são totalmente eliminadas do diálogo médico-paciente. A abordagem deve ser centrada no paciente, já que, para ele, em determinado momento, o que importa é ficar livre da dor ou até ter um pouco mais de tempo para resolver pendências familiares.
Também não podemos relacionar paliativo com algo inexpressivo ou apenas um “quebra galho”. O alcance dos cuidados paliativos é imenso. Eles trazem qualidade de vida para o paciente e para seus familiares, além de resgatarem dignidade, pois o paciente não é submetido a procedimentos inúteis ou dolorosos. Paliar remete a aliviar, apoiar, confiar; logo, significa que o paciente será respeitado em suas limitações e fragilidades; que será cuidado em seu mais amplo e belo sentido.
Pode parecer contraditório, mas os médicos não estão preparados para tratar pessoas. Eles são preparados para tratar doenças. Quando se veem diante de uma situação onde não há chance de cura ou mesmo a possibilidade de um prolongamento de vida do paciente, experimentam um sentimento de impotência. Alguns mais obstinados ainda buscam, por meios artificiais, prolongar o que chamam de “vida do paciente”, mas, na verdade, estão apenas prolongando o sofrimento. A essa prática dá-se o nome de distanásia.
Dentro dessa abordagem, uma prática chamou minha atenção: a sedação paliativa. É um procedimento que induz à diminuição do nível de consciência e é recomendada para aqueles pacientes com sintomas severos, intratáveis ou refratários (resistentes ao tratamento). Leigos a confundem com eutanásia, mas, na realidade, ela apenas controla o nível de consciência e percepção da dor, não alterando sinais vitais e mantendo a respiração espontânea. Sua função é o controle sintomático e a qualidade de vida do paciente. Não tem função curativa, de prolongamento ou de abreviação da vida.
Não importa se o paciente tem semanas, dias ou horas de vida. O mais importante é respeitar sua autonomia, seus desejos e não esquecer que, independentemente de seu estado de saúde, ele está vivo.
O contato com a morte anunciada traz angústias, temores e, principalmente, a consciência de nossa própria finitude. Talvez, por isso, ainda tenhamos um número reduzido de profissionais que se dediquem a esse trabalho, além da falta de programas de capacitação que os qualifiquem para um atendimento mais integral às pessoas em situação de doença grave.
O atendimento a essas pessoas precisa ir além de exames, medicação e técnicas modernas. Mais do que nunca, elas precisam de atenção, amor, carinho, dignidade, respeito e o sentimento de que ainda fazem parte deste mundo, de que estão vivas.
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Outubro é o mês em que se comemora o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos. Meu desejo é que esse lindo trabalho possa ser ampliado e expandido a toda rede de saúde, seja ela particular ou pública.
Como dizem os profissionais envolvidos, os cuidados paliativos vão muito além da cura, pois humanizam o morrer.
“A dor do outro não é a minha dor, mas ela me dói.”
(Antonio Favaro)