Posso até ter sentido, sim, alguns olhares julgadores porque tenho tatuagens e percebo que para algumas pessoas isso é feio ou errado, mas ter o corpo assim marcado é uma escolha minha, o que não acontece com nosso biótipo, nossa genética e com o nosso pertencer a uma cultura familiar religiosa na qual muitas vezes já nascemos inseridos e não há espaços para questionamentos, porque mesmo que eles sejam feitos serão sempre respondidos a partir de uma lógica peculiar.
Essa sensação de distanciamento e julgamentos me causou vários pensamentos nos dias que se passaram após o tal programa, porque na realidade o que me dei conta e fico me perguntando é o quanto sabemos de nós mesmas para podermos ou nos sentirmos no direito de olhar o outro com esse olhar crítico, negativo, carregado de preconceitos sobre o que é beleza, sobre o que é certo ou de como todos deveriam agir.
Nossa vida particular é tão intensa de sentimentos, de ancestralidade, de dores, alegrias, expectativas e frustrações, de tantas neuroses, medos e desconfianças, que me pergunto como sobra tempo para nos ocuparmos com a vida particular dos outros. Talvez porque seja mais fácil olhar outra mulher e rotulá-la de gorda, baixa ou alta demais do que nos olharmos e enxergarmos como somos de verdade.
Talvez seja mais fácil vislumbrar como as outras pessoas são fisicamente do que encarar nosso próprio corpo e reparar como o estamos tratando, como o percebemos, o que nele nos incomoda, dói ou destoa da beleza padronizada que buscamos ter.
O mesmo acontece com nossas crenças, nossas verdades absolutas e modo de viver! É mais fácil julgar como errada a religião que não permite o uso de bebidas alcoólicas do que questionar o porquê de só se divertir numa balada com um copo na mão. Assim como é mais fácil para os fiéis serem submissos a ordens de aceitar agressões em nome de se manter uma família do que se interrogarem sobre o que estão ganhando aceitando essas agressões, que lugares estão sustentando e dos quais não querem abrir mão.
É mais fácil enquadrar como doentes aqueles que se relacionam com pessoas do mesmo sexo do que se arriscar a tratar e receber carinho, amor e respeito de uma esposa, um marido ou de um filho(a).
Fato é que se em vez de focarmos naqueles que estão ao nosso redor voltarmos o olhar para a gente, para dentro e percebermos que somos insatisfeitos, imperfeitos, precários, maus, egoístas, invejosos, mesquinhos, solitários e tantas outras coisas tidas como ruins, mas que no fundo são extremamente humanas, o outro passará a ser apenas o outro e não mais carregará nossas sombras.
Porque quando se torna difícil demais nos aceitarmos partimos para o ataque, saímos em busca disso que achamos feio e insuportável em nós no outro. Ao negarmos nossas sombras, a despejamos sem nos darmos conta naqueles que estão ao nosso lado. Cabe a eles então serem ruins, feios, imperfeitos para que nos preservemos e possamos seguir como exemplos de um viver correto, de um corpo na medida certa, de uma vida de plásticas, remédios e guerras.
Então não é a gordura que é feia, mas o quão cheio de tristezas e insatisfações você se sente.
Não é a caretice dos evangélicos que te incomoda, mas a sua falta de liberdade em se aceitar e enxergar a beleza em ser como se é.
Não é a falta de fé ou de princípios morais que te chocam, mas a sua covardia em não dar um basta na violência que vive em nome da imagem de família perfeita.
Não é a cor negra de uma pele que te faz sentir superior, mas, sim, sua fantasia equivocada de alcançar o inalcançável – a perfeição.
Não é um beijo entre dois homens ou duas mulheres que afronta, mas seu medo de se entregar, de confiar e construir junto uma relação.
Não é olhando para o lado, mas para dentro que conseguiremos reconhecer nosso valor e nossa beleza. Apenas quando formos gentis conosco, conseguiremos olhar com gentileza para o outro.
Somente quando aprendermos que a vida é um eterno aprender é que teremos professores de todas as raças, tamanhos e crenças, afinal cada um de nós possui sabedoria para compartilhar e não há verdade absoluta a não ser o nascer e o morrer.
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No momento em que encararmos nossa humanidade como oportunidade e não como imperfeição, nos reconhecermos como aprendizes e mestres e então olharmos os outros também como mestres e aprendizes, aí a beleza poderá mostrar sua verdadeira face, que é a singularidade em que cada um simplesmente é da maneira que pode ser.
Enquanto você estiver reparando para rotular, maldizer ou desfazer de alguém, PARE e olhe para você, porque o que te incomoda nesse alguém certamente dirá muito sobre quem você está sendo. Só dessa forma, penso eu, será possível diminuir as distâncias e as diferenças, porque nessa hora não seremos brancos, negros, gays, muçulmanos, evangélicos …seremos nós aprendendo a viver juntos.