Se fossemos ouvintes e se perdêssemos a audição por alguma razão especial, ainda assim teríamos a memória auditiva que nos remeteria a vivências anteriores e a associações.
Porém, e se nunca tivéssemos escutado, que sons nos moveriam?
Para nós, dançaterapeutas, a experiência com o silêncio é fundamental, ela desperta o nosso poder de escuta, de mergulhar nos nossos sons interiores, de ampliar o nosso sentir, o ritmo interior.
Nos espaços interiores através do silêncio conseguimos despertar as partes adormecidas do nosso corpo, gerando novas sensações, novas descobertas e novos movimentos que simbolizam nossas emoções e o nossa capacidade de redescoberta.
Rubem Alves, em seu livro “Variações sobre o prazer” diz:
“As ideias do eu pensante são aves engaioladas – pertencem ao “eu” que faz com elas o que deseja. As ideias que moram no corpo são aves selvagens – só vêm quando desejam. Elas têm vontade e ideias próprias”
Nietzsche comentando sua experiência de “inspiração” escreveu:
“Repentinamente, algo se torna visível, audível, algo que nos sacode em nossas últimas profundezas e nos lança por terra. A gente não busca, ouve. Tudo acontece de forma involuntária no mais alto grau, mas como uma onda enorme de liberdade, um sentimento de algo absoluto, de poder, de divindade”
É assim que a experiência do silêncio se projeta no corpo e no movimento, com uma força e uma verdade capaz de transformar, de comunicar sem dizer uma única palavra.
Nós, ouvintes podemos falar do silêncio, nos permitir vivenciar o silêncio, mas jamais vivê-lo em sua totalidade.
A surdez, o silêncio real.
Nos encontros que tenho desenvolvido com a presença de crianças e jovens surdos o silêncio é uma realidade, logo, para que a comunicação aconteça é necessário que eles compreendam que seus corpos podem falar por eles.
Para isso, é necessário que o dançaterapeuta faça do seu corpo também o instrumento claro e compreensível de linguagem. O ritmo apresentado pelo dançaterapeuta deve ser compreensível e servir de estímulo ao movimento do grupo. Outros recursos podem ser utilizados como apoio para estimular a comunicação inteligível: imagens, vibrações, percussões.
Na Dançaterapia a integração de ouvintes e não ouvintes nos grupos tem se mostrado elemento impulsionador para que eles reconheçam os ritmos e as propostas apresentadas e que despertem sua liberdade criativa, ampliando sua sensibilidade e seu poder de compreensão.
Você também pode gostar
As mudanças observadas nos grupos no decorrer do tempo, com relação ao aumento da capacidade de captação de ritmos não audíveis e os efeitos positivos para sua autoconfiança, revelam a importância da estimulação do movimento, da dança, como linguagem integradora.
Adicionalmente, a importância da comunicação corporal na vida dos surdos e de todos aqueles que se integram as suas comunidades tem se tornado um elemento fundamental inclusive no aprendizado da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), onde a clareza e veracidade da expressão corporal e facial garantem a fidelidade da comunicação.