O silêncio das matas reconta velhas histórias. O respeito às nuances, às sensações que o cheiro traz. É eloquente o modo como os discursos silenciados sentenciam nossas penas. Como a inércia frente ao sofrimento catalisa nossa falta de atitude frente ao novo. Somos jovens a ponto de envelhecer todas as esperanças, colocando em xeque uma inteligência universal que já manifesta seu risco de extinção.
Os vales colocados à mercê dos julgamentos parecem inaudíveis para os olhos despreocupados com outra coisa que não os seus. Os solstícios de umbigo têm colocado em dúvida as importâncias do coletivo e a sobrevivência da nossa terra. De quem é a responsabilidade sobre as águas e os terreiros distribuídos em povos marginalizados à beira dos rios poluídos? E os sorrisos enlamaçados de culturas inteiras que sofrem com a descompostura de uma política desigual e incapaz de amparar a periferia dos próprios interesses?
Há de haver, no meio de todo o óleo distribuído entre as mãos sujas dos palácios, qualquer coisa que entoe o orvalho do nascimento comum a todos nós. Essa segmentação de berços vem colocando as igualdades em linhas ecótonas de desrespeito e silenciamento. Como quem antevê uma catástrofe e opta pela omissão, assim é a penalização cármica de quem não assume os compromissos das próprias promessas.
O choro tem ofuscado o brilho de quem mais representa os valores de uma nação como a nossa. O berço do respeito e da consideração às memórias construídas sob o mal tempo. As desolações ancestrais de um povo subjugado pelo desmerecimento da própria existência. Esse é o pavimento de um nordeste límpido em meio às próprias feridas.
Comprimido por um preconceito de tamanho proporcional à riqueza de sua cultura.
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Por vezes, a subjetivação dos processos identitários retoma a emergência de uma releitura necessária dos próprios aspectos de constituição. Da constituição. Essas redomas de sangue que envolvem os brasileiros colocam à venda o crescimento e a memória. Põem em risco as moradas de humildade e o reconhecimento sobre a ideia de pertencer. De ser.
Nossas fronteiras estão turvas, e nosso rebanho parece cada vez mais distante de tudo o que era. O descaso com Marianas e Marieles, com senso crítico e cívico, com empatia e humanidade. O trajeto do novo mundo tem estabelecido como critério a renascença do obscurantismo e a sigla ensanguentada de uma instituição que não se tolera.
Tempos de guerra moral e societária. Épocas de sufoco das vozes e de censura aos olhares. A cena se repete de um modo assustadoramente desconhecido, comprovando o impacto da falta de consideração com a história. Esquecem-se as origens, os povos, as tradições. Os diversos tornam-se motivo de represália à medida que o novo conservador vem como substituto da evolução que parecia otimista e decidida. Ascendente e bem orquestrada.
Nos trâmites da inovação, andamos para frente com os pés virados para trás. A falsa noção de caminho transforma a lógica das mentes insanas em algo perverso e prepotente. As verdades assolam a diversidade de opiniões, e os debates passam a ser pecaminosos quando nossa principal figura de representação não consegue articular uma única palavra que faça sentido.
Nos olhos do povo, a remissão de pecados que se multiplicam a cada descaso. Nas mãos, pedaços de uma terra posta à sorte dos latifundiários e de suas cifras tratadas como o pão e a água necessários ao corpo. À sobrevivência. Alguém há de ter piedade de um povo que insiste em sua própria desolação. Que progride suas ideias na direção dos destroços de seu passado.
De roupas novas em velhos cenários, ovacionam-se as hipocrisias. De verdades enlatadas, vamos conformando as novas gerações, ao mesmo tempo em que os holofotes passam a mirar as ironias das consequências que são sempre travestidas de surpresa por parte dos interesses. Na retaguarda dos lampejos de sanidade, ouvimos, aos sussurros, os alertas de uma natureza de bocas tapadas. De árvores cortadas e de gramas escassas.
No céu de anil, as cinzas de queimadas liberadas, que se misturam com as tosses sufocantes das matas que já não podem mais servir de casa a quem antes serviam. Pobres braços de colheita que hoje estão fadados a segurar pesadas foices. O peso dos troncos se deposita em seus ombros, recuperando a postura colonial de algo que, enganosamente, superamos.
Nos ultrajes do destino, confabulamos os roteiros ensaiados que se fantasiam de improviso. Que se autorreferenciam como acidentes. Nada do que tem acontecido é por acaso. Nenhuma queda de barragem é aleatória. Nossos passos acariciam ou destroem o caminho. O peso de todos os atos é catalisador de ganhos ou de perdas. Uma sociedade que se despe de suas responsabilidades se despede, em paralelo, das chances de protestar em relação às suas penitências. A grande verdade sobre o juízo final está nas fatias do que se faz com o seu juízo de valor. No universo, a balança é una.