O conceito de felicidade é muito amplo e particular ao entendimento de cada ser humano. Prova disso é a diferença de percepção da felicidade entre as pessoas que, nas mesmas condições materiais e a mesma influência percebe-se a felicidade de forma desigual.
Para nossas reflexões, vale a pena trazer a lume o conhecido soneto “Velho Tema”, do poeta Vicente de Carvalho:
Essa felicidade que supomos,
árvore milagrosa que sonhamos
toda arreada de dourados pomos,
existe, sim: mas nós não a alcançamos,
porque está sempre apenas onde a pomos
e nunca a pomos onde nós estamos.
Admite o grande poeta que a felicidade existe, mas nós a colocamos em lugar inalcançável, e ele não deixa de ter razão. Queremos ser felizes, mas sempre na dependência de condições materiais ou de satisfações subjetivas advindas de ações e acontecimentos exteriores ao nosso ser.
A felicidade, no entanto, é uma conquista íntima, e a Doutrina Espírita nos fornece os esclarecimentos necessários para nossa conscientização a respeito de como conquistá-la.
Há Leis que regulam tudo o que existe. Os Homens criam suas leis e as corrigem com o desenvolvimento social, mas existem Leis que são imutáveis, pois regulam e sustentam todo o Universo com precisão e inteligência irretocáveis. É a Lei de Deus, que a Doutrina Espírita chama de Lei Natural.
Nosso Senhor Jesus Cristo sintetizou a Lei de Deus em Lei de Amor, na forma de fazermos aos outros o que gostaríamos que a nós fosse feito, por isso se resume na prática da caridade, segundo Jesus:
“Benevolência com todos, indulgência com as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.” (O Livro dos Espíritos, item 886).
Em “O Livro dos Espíritos” Allan Kardec perguntou aos Espíritos Benfeitores da Humanidade que já conquistaram a felicidade que almejamos:
O que se deve entender por lei natural?
– A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem; ela lhe indica o que deve ou não fazer, e ele é infeliz somente quando se afasta dela.
Analisando na resposta o texto por nós sublinhado, facilmente percebemos que para ser feliz, bastaria observarmos a Lei de Deus, porque à medida em que nos afastamos dela, mais infeliz nos tornamos.
Como a Lei de Deus, necessariamente, deve estar ao alcance de todos os seus filhos, os Benfeitores Espirituais disseram onde está:
Onde está escrita a lei de Deus?
– Na consciência.
Estando a Lei de Deus na consciência individual, a percepção da felicidade se subordina ao estado em que a consciência se encontra em relação a ela, e como todos sabemos, por experiência, nossos pensamentos, desejos e ações produzem ecos na consciência criando estados de sentimento de culpa, remorsos e arrependimentos, que acabam por nos tornar infelizes quando ferem a Lei de Amor.
A esse respeito opina o Benfeitor Espiritual François Nicolas-Madeleine – Cardeal Morlot, em “O Evangelho segundo o Espiritismo”:
“Não sou feliz! A felicidade não existe para mim! Exclama geralmente o homem, em todas as posições sociais. Isso, meus queridos filhos, prova melhor do que todos os raciocínios possíveis a verdade deste ensinamento do Eclesiastes: ‘A felicidade não é deste mundo’. De fato, nem a fortuna, nem o poder, nem mesmo a juventude em flor são condições suficientes para a felicidade. Digo-vos mais: nem mesmo juntas essas três condições tão desejadas o são, uma vez que se escutam constantemente, no meio das classes mais privilegiadas, pessoas de todas as idades lamentarem-se amargamente da condição de suas existências.”
Quer dizer o Benfeitor que a felicidade tem, na Terra, limites a serem respeitados, como se pode observar em O Livro dos Espíritos:
O homem pode desfrutar na Terra de uma felicidade completa?
– Não, uma vez que a vida lhe foi dada como prova ou expiação; mas depende dele amenizar esses males e ser tão feliz quanto se pode ser na Terra.
Prova é aquilo que o Espírito pede para passar para atestar sua evolução moral, e expiação é a consequência da ação prejudicial que causou a outrem, nessa ou em outras vidas.
A felicidade terrena é relativa à posição de cada um; o que basta à felicidade de um faz a infelicidade de outro. Existe, entretanto, uma medida de felicidade comum a todos os homens?
– Para a vida material, é a posse do necessário; para a vida moral, a pureza da consciência e a fé no futuro.
Percebamos que a felicidade possível de ser experimentada na Terra resulta de três vertentes que são:
- A forma com que nos relacionamos com a posse de bens materiais – quanto mais nos desgastamos para conquistá-los e mantê-los, mais nos afastamos da vivência dos valores espirituais;
- A forma com que nos relacionamos com a Lei de Deus;
- De acordo com a fé que se tem no futuro, porque como seres imortais caminhamos para o futuro em busca da perfeição, que resultará em felicidade plena.
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A felicidade, portanto, é questão de valores morais, e é por isso que o Senhor Jesus disse que o Reino de Deus – leia-se felicidade – está dentro de nós, mas teimosamente a temos buscado fora de nós, nas coisas e acontecimentos do mundo, e não no único lugar onde podemos modificar os valores que são capazes de nos fazer felizes independentemente das condições corporais, materiais e sociais que estivermos experimentando.
Pensemos nisso.