Sabe aqueles momentos de família nos quais sentamos e contemplamos álbuns de fotos antigas, rindo e nos surpreendendo por ver como eram nossos avôs e avós nos tempos de juventude? Nós nos divertimos à beça comparando o antes e o depois dos velhinhos, reparando em como os rostos e os sorrisos ainda são os mesmos, com a diferença de algumas rugas e fios grisalhos. E certamente agradecemos pelo advento da fotografia.
Se antigamente o ato de tirar um retrato era um evento, hoje as fotos e registros imagéticos são mais que parte da nossa rotina. E, junto com eles, os famosos filtros do Instagram. Para os nossos futuros netos e netas, não faltarão materiais para que vejam com os próprios olhos como nós éramos com menos idade nas costas. Mas como explicaremos, entre esses tantos filtros e montagens, qual era a nossa face de fato?
Contudo não é preciso viajar para o futuro para problematizar essa questão. Embora qualquer espelho entregue qual é nossa verdadeira aparência física, tem sido notável que, entre stories despretensiosos e selfies com leves ajustes de traços e cores, o cotidiano instagramável está afetando nossa percepção de nós mesmos.
Transtorno dismórfico corporal (TDC)
Entre 1% e 2% da população mundial está um público que sofre com o transtorno dismórfico corporal (TDC), uma disfunção no processamento da informação visual de um indivíduo perante si mesmo. Isto é, um transtorno de autoimagem; a pessoa que tem TDC se enxerga de forma distorcida no espelho, a ponto de achar insuportável encarar o próprio reflexo e deixar de sair de casa por conta disso.
Como acontece com quase qualquer distúrbio mental, as causas para o TDC podem ser genéticas, neurológicas ou ambientais. Quanto a essa última, trata-se de traumas psicológicos e pressões sociais que podem agir como gatilho em quem já tem predisposição à doença. Entre as causas mais comuns estão o bullying e o abuso sexual, mas há também a chance de o distúrbio se desenvolver naqueles que convivem em meios extremamente nocivos de pressão estética, como atletas, bailarinas e modelos fashion.
Embora o transtorno dismórfico corporal seja uma patologia cerebral que não deve ser banalizada — pois não se trata de apenas achar que suas bochechas são grandes demais ou que um preenchimento de lábios te faria bem —, é preciso estar atento. Em tempos de realidade virtual e selfies computadorizadas, nossas relações com o espelho comum e com a nossa percepção de autoimagem estão cada vez mais ameaçadas.
Os rostos e os filtros do Instagram
Constituindo, primeiramente, um recurso divertido para os usuários fingirem usar acessórios ou mascararem-se com formas caricatas, os filtros das mídias sociais se aperfeiçoaram e hoje cumprem outra função. Ajustando-se de forma impecável ao rosto humano e imprimindo-lhe virtualmente características e traços que obedecem a padrões de beleza, os filtros têm sido estopim de distúrbios de autoestima e cirurgias plásticas em massa.
A realidade é que nós passamos a maior parte do nosso tempo no celular, navegando nas redes sociais — e predominantemente no Instagram. O nosso jornal diário de notícias virou o feed e nossa programação matinal é checar os stories que foram postados durante o período que estivemos offline. Tanto em um quanto em outro, as máscaras faciais se fazem presentes; toda a nossa rede utiliza os filtros digitais. Eles se tornaram tão comuns aos nossos olhos que, quando abrimos a câmera frontal e nos deparamos com nossos rostos “nus”, temos um momento de aversão e logo aplicamos algum filtro para amenizar o susto.
Pele lisa e esbranquiçada, nariz afinado, lábios turbinados e cílios saltados num clique. De graça e sem esforços, ficamos iguais às irmãs Kardashian, assim como a maioria dos nossos “mutuals” (isto é, pessoas que se acompanham de forma recíproca numa rede social). Mas e quando saímos da tela? Aliás, como vamos reconhecer pessoalmente alguém que costumamos ver apenas de forma computadorizada pelo celular? Nós estamos nos acostumando a ter uma visão irreal do que somos, de como aparentamos, e levando isso para o modo de enxergar as pessoas à nossa volta também.
Com o choque entre a imagem digital e a imagem da vida real, os usuários do Instagram começaram a recorrer a procedimentos estéticos diversos e cirurgias plásticas para atingir a aparência que o filtro do aplicativo lhes apresentou. “Há pacientes que tiram uma foto com filtro, trazem para o consultório e dizem que querem ter uma pele igual àquela. Mas aquela foto não é real”, declara a dermatologista Dra. Carla Vidal, em entrevista para o blog da Sallve.
O que acontece com a banalização desses filtros é a disseminação de mais um padrão de beleza inacessível, que, no fundo, lucra com a venda de cosméticos que prometem entregar ao usuário a pele ou os cílios do filtro, e ainda os convence de que o único caminho é se render à mesa de um cirurgião plástico. São fatos: Levi Jed Murphy, jovem inglês de 24 anos, gastou cerca de R$230 mil em cirurgias plásticas para ficar parecido com um filtro do Instagram que ele ama.
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Pode parecer exagero discorrer sobre um recurso de aplicativo dessa maneira, mas, de fato, se não tomarmos a consciência do quanto nos rendemos às funções dos sites e apps que tanto acessamos, perguntando-nos como isso pode afetar nossa vida fora das telas, seremos dominados por um vício.
Questionarmo-nos a respeito desses temas não significa que vamos desativar o Instagram ou nunca mais utilizar um filtro na vida; quer dizer que devemos estar despertos para não nos entregarmos às artimanhas da era digital. Não é comum que nos assustemos com nossa própria imagem, não é aceitável que rejeitemos o modo como somos de verdade. Se queremos ter netos e netas, então sejamos francos e honestos com eles e conosco em cada poro, em cada espinha.