Autoconhecimento

Pais e filhos

Pais e filhos andando de mãos dadas.
Escrito por Lilian Custodio

Alguém mais está vivendo o momento compreensão total daquela música do Legião Urbana? …

(…Você diz que seus pais não lhe entendem/ mas você não entende seus pais/ Você culpa seus pais por tudo/ Isso é absurdo/ São crianças como você/ O que você vai ser quando você crescer?…)

Lembro do meu pai chegando em casa furioso, bufando e lançando a pesada mão dele no telefone vermelho e arrancando da minha orelha, dizendo: “Faz mais de meia hora que estou tentando ligar aqui em casa, e a linha só dá ocupada, o que você tanto fala nesse telefone, está vendendo alguma fazenda, por acaso?!”

Daí, quando chego em casa e vejo meu primogênito de 12 anos inerte no sofá e completamente hipnotizado pela tela azul do seu aparelho celular, digo: “Você não pode ficar aí esse tempo todo, está parecendo uma lagartixa de tão branco, vai tomar um sol, jogar bola, andar de bicicleta ou você está comprando ações na bolsa de valores? Ah, vou contar tudo ao seu pai, e ele vai tomar seu celular. Meu filho sem tirar os olhos do aparelho, retruca a tão velha e conhecida frase: “Mãe, como você é chata!”

Muitas vezes emendado a essa cena, o filho caçula aparece do nada atrás de mim e completa: “Só eu que ainda não tenho telefone celular na minha escola, todo mundo tem. Você é uma chata mesmo!”

No comando automático, surge das profundezas do meu âmago: “Você é ‘O’ meu filho! E você não é TODO mundo!” 

No dia em que fomos mexer nos guardados da mamãe, logo após seu falecimento, a minha irmã achou uma carta que eu escrevi à minha mãe quando eu tinha uns 15 anos. É obvio que eu não lembrava mais, mas mamãe guardou, e quando eu a li, um compartimento da minha memória se reavivou, e eu percebi que atualmente eu estou apenas a lidar comigo mesma, numa versão masculina do século XXI. Num trecho da carta eu escrevi: “precisamos de pais que no mínimo compreendam seus filhos, no mundo de hoje tudo é diferente das décadas passadas”. Eu estava a reivindicar uma calça jeans nova e também o direito de sair e voltar mais tarde do que o horário na época estipulado. Fiz um drama externando minha opinião, alegando que ela sempre impunha suas normas e condições e que nunca me deixava falar, e que talvez eu não fosse a filha que ela desejava ter, que se eu pudesse escolheria outra mãe, e desejava que ela fosse mais minha amiga. No momento em que eu lia a carta, eu chorava e ria ao mesmo tempo, também senti vergonha, me achei meio ridícula.

Que bom que a mamãe guardou essa oportuna carta, para que eu pudesse refletir que mãe é mãe, e não amiguinha dos seus filhos. E também para serenar meu coração, que às vezes fica aflito, se ela teve paciência e sabedoria em conseguir que a filha dela virasse gente na vida, eu também haveria de conseguir…

Mãe ajudando filha na lição de casa.

Percebam que os atritos por causa dos telefones continuam, só mudaram as cores, formatos, tamanho, mobilidade e etc.

Mas ambos servem para que os jovens possam se comunicar e atualmente socializar através das redes sociais com seus amigos reais ou virtuais. Mas com uma diferença contundente, na minha época, o máximo que fazíamos era passar um trote na polícia. Hoje nossos filhos estão expostos a uma rede perigosa de informações, e muitas vezes não estão preparados para absorver e filtrar o que veem e escutam lá, além do mais, no mundo acontecem coisas muito loucas.

Quando ia a alguma festa, mamãe advertia: “Cuidado! Não beba nada que te oferecerem e fique esperta com seu copo. Embora eu nunca tenha sido uma pessoa que bebia, eu ficava esperta com meu copo. E pelo jeito não mudou muita coisa nesse meio tempo, porque recentemente fui a uma festa e as moças seguravam um tipo de copo bonitinho até, de unicórnios ou coisas assim, que tinha um canudo e eram tampados. Logo que vi aquilo lembrei da mamãe, e pensei: “Como as moças de hoje estão espertinhas…”

Vovó exclamava com ar de superioridade: “Eu criei 12 filhos, e vocês não estão dando conta de criar dois!?” 

Ah, queria ver vovó criando seus 12 nos dias de hoje, iria ficar surtadinha, ou não… porque bastava um olhar dela para seus marmanjos barbados, para que abaixassem a cabeça e não se escutasse ‘um pio’. Eu invejava aquela autoridade.

Quando volto ao meu tempo de criança, não me recordo de ninguém perguntando o que eu desejava comer. Simplesmente fazia-se aquilo que tinha disponível na cozinha, e depois nos servia no prato. Como sempre estávamos esfomeados, comíamos, independentemente se estava muito gostoso ou pouco gostoso, isso nem era a parte mais importante, e sim, era tudo bem nutritivo, disso eu lembro. E lembro também, aos finais de semana de um pires com deliciosos quadradinhos de docinhos de leite que chegavam logo após os pratos de servir estarem bem limpinhos.

Meu pai comprava aquilo que ele gostava, e não o que nós filhos queríamos, salvo que em alguns momentos ele fazia um delicioso e suculento filé à parmegiana e fritava uma bacia de batatas fritas. Com isso, aprendemos a comer aquilo que nos era servido e ainda agradecer pela refeição.

Sem mimimi. Era mais ou menos assim: “Ah, não quer comer? Tudo bem! Fique com fome.” 

Tempos modernos os de hoje, em que a posição planetária familiar mudou de ordem, antes os pais/mães/avós eram o ‘Sol’, atualmente são os filhos. Estamos dando tudo pronto, e ainda servindo na bandeja, ficamos às vezes orbitando em torno das suas vontades, sem saber ao certo distinguir das verdadeiras necessidades e deixando eles acharem que são os donos do pedaço.

Pais e filhos sentados no sofá conversando.

Com isso, não suportam frustrações, não sabem esperar e por qualquer motivo bobo o mundinho deles desaba. 

Nós pais muitas vezes retiramos a autoridade dos professores e depois cobramos e achamos que cabe a eles educarem, mas eu acho que a tarefa do professor é apenas instrui-los com conhecimentos gerais, quem educa de fato e coloca limites somos nós pais. A vida dos professores não anda nada fácil, como se já não bastasse essa distorção de valores, ainda tem a era digital que está acabando, ou melhor, já acabou com os caderninhos de caligrafias.

Meu filho caçula tem 7 anos, e outras crianças da mesma idade dele que eu conheço sofrem de uma cômoda síndrome que se chama: ‘mãozinha de alface’.

Bastou ter que escrever um pouco mais que meia página para que sua mãozinha comece a doer e perca a tonicidade, ficando fraca feito uma folha de alface. Lê um texto rapidamente com os olhos, mas tem dificuldade para entender o que foi lido. Eu acho que tudo isso é culpa daquela moça que atende pelo chamado ‘ OK, Google’, que aparece em frações de milésimos de segundos com a pesquisa feita e a resposta pronta.

Às vezes sinto que vivi minha infância na era jurássica. As novidades não se dão apenas dos amontoados de mudanças, mas sim, na velocidade ‘rapidão’ (como diz meu pequeno) que elas surgiram. Minha geração tinha que pesquisar na enciclopédia Barsa nos seus 19 volumes, procurar o conteúdo pesquisado, ler, fazer o resumo na folha de papel almaço, frente e verso, com a letra impecável, se não quisesse fazer de novo. Lembro da minha mão doer, e muito, mas que importância tinha isso. Era para fazer e pronto. Quando o trabalho era em grupo nos encontrávamos na casa de algum colega de sala, a mãe desse colega fazia um bolo de cenoura para o lanche da tarde, enquanto dividíamos a pesquisa. Cada membro do grupo copiava em letra cursiva (legível, porque esgarrancho a professora nem lia), depois juntávamos as partes e o trabalho ficava caracterizado feito um Frankenstein. Mas toda essa tática tinha apenas a finalidade de liquidar logo aquilo, para que pudéssemos brincar um pouco depois.

Agora fazem tudo pela Skype, sei lá como fica isso… 

Pais em conflito com o filho.

A geração atual possui mentes mais elaboradas, rápidas, que captam rapidamente informações simultâneas e distintas, seus dedos digitam freneticamente apenas os pedaços das palavras, onde suas mensagens mais parecem com um código da CIA., mas, infelizmente não conseguem parar para analisar os fatos, interpretar textos, ou melhor dizendo, têm preguiça. E sendo assim, não desenvolvem o senso crítico, são levados a fazer o que todo mundo faz, tipo ‘Maria vai com as outras’, e isso é péssimo para a boa formação de um ser humano pensante.

A forma de se educar no sentido de instruir tem que evoluir de acordo com os modelos de software mais complexos que estamos a pôr no mundo. Então, obsoletos estão se tornando os cadernos, mas o mesmo não pode acontecer com os valores de base, com a autoridade, respeito dentro e fora de casa, nas escolas e/ou na sociedade. Eu que tenho 2 filhos e trabalho com crianças diariamente, treino minha observância para deixar aguçada minha percepção com elas.

Cheguei à conclusão que todas as crianças, independentemente da sua classe social, religião, cor, etnia, gênero e afins, precisam de coisas bastante simples para que a ‘base’ formada na primeira infância seja saudável e feliz, sendo essas: Leite materno, sol, areia ou pracinha, algumas frutas (e outros alimentos nutritivos), amigos e principalmente seus pais disponíveis e ao alcance deles.

Cheguei a esse desfecho de tanto escutar relatos como este de um menino de 9 anos.

Depois precisei explicar a ele o quanto era ruim para sua saúde física e mental permanecer tanto tempo no videogame ou celular, comendo apenas biscoitos recheados. Ouvi o seguinte: “Tia Lilian, acho que minha mãe não me ama, ela deixa eu comer o que eu quero, na hora que eu quero e também não liga se eu fico muito tempo jogando”.

Família de mãos dadas andando. Fotografia de costas.

Claramente é um pedido de limites, que foi compreendido como ausência de atenção e amor, porque “quem ama, cuida!” 

Bom, para finalizar, vamos voltar à letra da música e compreender que estamos aprendendo a ser pais na medida que nossos filhos aprendem a ser filhos. Que muitas vezes os erros cometidos com eles são de origem da nossa ignorância (ausência do saber) e não da maldade. Mas precisamos reavaliar nosso sistema o quanto antes, e o modo de lidar com essa nova era. Nossas ações estão gerando reações instantâneas não apenas nos nossos, mas na sociedade e consequentemente no planeta, já que agora tudo é globalizado.

Ei, pessoal! Somos nós que estamos no comando agora!

Se seu filho já nasceu. Então, agora você não é mais tão somente um filho, assuma seu novo posto!

Ah, e se eu soubesse como era difícil essa tarefa maternal de ‘mandar’, eu nem teria tido pressa de crescer, e com certeza teria curtido mil vezes a minha condição filial de apenas ‘obedecer’, naquela época não sabia de nada, tão inocente…

Como diria meu filho pré-adolescente; – “Agora já era, véio”.


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Sobre o autor

Lilian Custodio

Sou, Lilian Custodio.
Nutricionista, Acupunturista, Mãe, Educadora Alimentar Infantil, Escritora e Fada. Exatamente nessa ordem...
Sim.. é isso mesmo - Fada Lilly.
É assim, que eu consigo convencer a futura geração sobre a importância em se alimentar de forma mais equilibrada e saudável, preservando assim a saúde deles.
Simplesmente, essa é a missão que papai do céu me confiou.
Me formou primeiro Nutricionista para que eu pudesse me abastecer do conteúdo cientifico e técnico da Nutrição.
Depois me formatou na Medicina Milenar Chinesa para que eu soubesse utilizar a primeira ciência aprendida com sabedoria e equilíbrio.
Na sequencia me deu dois filhos, para aplicar e aprimorar a teoria na pratica.
E ainda, como Educadora Alimentar para que eu pudesse repassar tudo isso no coletivo
A Escritora surgiu com a finalidade de ampliar ainda mais esses ensinamentos, e auxiliar mães e professores a também se inspirarem, para me ajudar nessa missão.
E por fim, a Fada Lilly para tornar tudo isso mais leve e encantador.
Essa sou eu!

Email: lilian.custodio@gmail.com
Instagram: @tia.lilian.nutri