Hoje, artificializamos a paz, o amor-próprio, a empatia, a resiliência. Alteramos o conceito de sentir para uma versão mais descolada do sentir: uma mais engajada e enxuta. Essa versão pode aparecer em caixas bem editadas, na forma das poesias simétricas do Instagram. Ela pode estar inserida nas falas ideológicas como uma muleta para oportunizar a simpatia das massas. Ela pode estar diluída nos discursos de gente que clama por responsabilidade afetiva, mas que, perdidas em suas vias de mão única, não sabem enfrentar decepções muito embora decepcionem. Pedem abertura, mas vivem cercadas por escudos. E na prática, muitas vezes não possuem responsabilidade alguma.
Propagar frases de efeito, pílulas da boa vibração, não é algo ruim. Não é inválido falar do bem, pelo contrário. Só que compartilhar nem sempre é compactuar. Vibrar amor e tudo o que varia dele é um processo que requer honestidade, construção e entrega; não somente retórica ou alguma tendência para o sentimentalismo. Emoções que caminham nesse faixa, para caber e durar, não se valem de modismos, não são sazonais. Elas estão mais além do que as hashtags, do que as fotos conceituais e suas legendas positivas, do que os textinhos, textões ou até do que bandeiras políticas de causas passageiras. E se tem algo nítido nessa trajetória virtual é que tudo é, efetivamente, passageiro. Quando a febre coletiva vai embora, poucos prestam atenção em qual realmente foi a doença.
Ainda nessas épocas sombrias de polarização, a quantidade de gente que se torna nobre, revolucionário, cientista, político, poeta, mártir, mago, é enorme. Os ânimos afloram. Uma espécie de megalomania se instala. São muitos coelhos saindo da cartola e seria ótimo se a mágica não parasse por aí. Se posicionar é legal. É necessário. Só que o tempo passa e as esquinas da web sempre voltam aos seus confins empoeirados, analógicos quase. É uma gracinha aqui, uma declaração ali, uma série nova acolá. Não muito diferente, o glamour da conscientização está alhures, menos nas próprias ruas.
Emanar amor e empatia é um processo pra lá de fundamental, sim, mas interno. Contemplativo. Ele não está exposto, não se autopromove, não incita ninguém a se proclamar guru da boa vontade. Esse processo não está nos livros de Maria Ribeiro ou de Magiezi. Não está sequer na moda. Aliás, é brega. É não-cool, é démodé.
Emanar amor é coisa de gente doida e desprendida. Gente que tem bravura para mergulhar nas entranhas de si e que doa, sem jogos desnecessários, o tesouro que encontra por lá. É gente que reflete e não utiliza a própria carência com oportunismo, pois sabe se dividir e preservar a equidade com as partes de um todo que lhe cerca. É gente que absorve, não suga. Que soma. Que busca ou promove mudanças, não apenas as prega. Gente que está disposta a desconstruir o amor egocêntrico para exercitar, de fato, o amor-próprio: aquele que começa em você, mas não termina em você. Ele flui.
Não é bem uma novidade, mas existe vida além da sua concha.
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