(Prosa poética)
Às vezes passo e, pela janela, eu te vejo, passarinho, em tua gaiola dourada…
com tua plumagem tão bela, com teu canto melodioso de pássaro raro
limitado a um canto – escondido – do teu espaço gradeado.
Vejo centelhas de vida no brilho dos teus olhos indo além das tuas grades…
Penso em soltá-lo, devolver-te o espaço que te foi tomado…
Mas quando tomo a gaiola pra te dar a liberdade, qual não é o meu espanto
quando vejo a porta aberta, e descubro que o teu canto não está preso pelas grades, mas por ti…
Tu que fizeste tal escolha!
E te recolhes no fundo da tua própria grade julgando-te senhor da tua própria liberdade…
e fazes, da tua gaiola, a tua bolha que te isola e aquece, que não te obriga a saltar de folha em folha,
com risco de se cansar e cair.
Assim, pra ti, o inimigo é quem te quer ver voando, batendo as asas, distribuindo canto e cores,
alegremente, generosamente…
O amigo é o que te fecha da gaiola a porta e não se importa de que te deixes preso, ausente,
sabendo-se cantor sem canto, sabendo-se cor sem luz… egoisticamente!
Sai, passarinho, pois teu é o mundo e tudo o que nele existe, e tu és do mundo, não de tua gaiola!
Tuas cores não te pertencem, teu canto não é pra ti, mas de ti…
Não podes manter-te à parte desse processo, impedir-te acesso!
Lembra que tuas cores só existem em função da luz de que te privas.
E o teu canto só é por quem pode ouvi-lo, dos quais te esquivas.
Tu tens a missão de voar. Tu tens o dever de voar!… Pra mostrar o teu canto!
Vá ao encontro das cores lá fora, deixa que as cores do mundo encontrem as tuas
e se integrem ao teu todo, que é o natural.
Ah, passarinho, não tens o direito de cercear tuas cores aos limites das tuas grades interiores,
e tirar delas a alegria nos olhos de quem não as pode ver.
Por mais que te cries um mundo, ele nada mais é, passarinho, que parte de algo muito mais profundo
que não te permites viver…
Ele nada mais é, passarinho, que um subsistema de algo muito maior que tu rejeitas
e reafirmas, a cada vez que te deitas, antes de um novo amanhecer.
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Insistes em privar-te do mundo, privas o mundo de ti,
de ouvir o teu canto de pássaro melodioso e bonito,
mas que se torna um grito – surdo – no vazio, porque não queres te expor.
Mas tudo fica tão frio, passarinho!…
Então te digo: te exponhas! Nasceste pro céu, pra luz, pro teu canto!
Não te recuses a dar ao mundo o que te foi dado
não para ser usado pelo teu próprio egoísmo,
mas por todos os olhos que te possam ver, por todos os ouvidos que te possam ouvir
e, se alegrando, te alegrar!…
Antes corras o risco de cair, antes cair e morrer
que se omitir, que cometer a maior das covardias: a de não se permitir nascer!