Quando penso em escrever um artigo sobre Pedofilia, logo me vem à mente as cenas de um jornalismo barato na qual a polícia prende um indivíduo publicamente, sob o olhar pretensioso da imprensa. Isto gera, normalmente, uma comoção social, na qual as pessoas passam a desejar justiça e punição de qualquer modo e a qualquer custo para aquele que “mexeu com uma criança”. O foco é punir o suposto pedófilo sem ao menos verificar de fato o que aconteceu e este sujeito ter o direito jurídico ao contraditório e ampla defesa constitucional.
Em minha experiência clínica como psicóloga e psicoterapeuta do ambulatório de violência e vítimas de abuso sexual infantil do Município de São Caetano do Sul, fazendo um trabalho juntamente com as Delegacias de Polícia, Creas, Conselho Tutelar e Justiça Criminal e da Vara da Infância e Juventude, pude ver que a realidade é um pouco diferente deste quadro histérico e midiático da Pedofilia e do Abuso Sexual Infantil: “o lobo mau” geralmente não está nas ruas, mas mora dentro de casa juntamente com as crianças.
Para garantir a lógica deste argumento proposto, farei alguns esclarecimentos acerca da diferença entre o indivíduo portador de uma doença mental chamada de pedofilia, denominada pela psiquiatria e psicologia de hoje, e o indivíduo que clinicamente não é portador de pedofilia, mas “o sem caráter e sem escrúpulo” que mora dentro de casa juntamente com as crianças, ou mesmo possui um grau de parentesco (tios, primos, irmãos, avós, padrinhos, pai, padrasto, madrasta, tia, etc), ou tem alguma facilidade social e profissional (professor infantil, natação, vizinhos, vendedor de doces, motorista da perua, médico, psicólogo, etc), ou obtém algum grau hierárquico ou religioso de poder na criança (padre, pastor de igreja, professores, etc). E, assim, se aproximam da criança de forma física, social, religiosa ou psíquica para a obtenção final do contato físico e seu prazer imediato.
Na árdua tarefa de falar sobre a Pedofilia e o Abuso Sexual Infantil, me utilizarei de conceitos científicos da Psiquiatria atual e da Psicologia e um pouco de conhecimento da Teologia, Psicanálise, Filosofia e das Ciências Jurídicas, com suas implicações nas áreas de Saúde Pública, Saúde Mental, desenvolvimento psíquico infantil e reflexos nas áreas sociais (saúde, religiosa e jurídica), a fim de tentar definir a diferenciação entre uma doença mental denominada Pedofilia em contraponto ao ato de abusar sexualmente de uma criança.
Primeiramente, temos que definir pela Psiquiatria atual o conceito de Pedofilia:
1 – Doença Mental;
2 – Perversão que leva um indivíduo a se sentir sexualmente atraído por crianças;
3 – Prática efetiva de atos sexuais com crianças (estimulação genital, carícias sensoriais, coito, etc).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a Pedofilia é uma doença em que o indivíduo possui um transtorno psicológico, assim sendo, apresenta um desejo, uma fantasia e/ou um estímulo sexual por crianças ou pré-púberes. Para isto, necessariamente, não necessita que o pedófilo tenha contato físico ou mesmo cometa o ato de abuso sexual infantil propriamente dito.
Para ser pedófilo, é preciso que o indivíduo tenha única e exclusivamente atração ou desejo por crianças. Não necessariamente ser pedófilo significa que a pessoa cometeu o crime de abuso sexual infantil. Muitas vezes, a condição fica em sua mente e não vai para o ato em si. Diferentemente da pessoa, homem ou mulher, que abusa de uma criança por motivos torpes ou falta de caráter e também sente desejo e atração por adultos, sejam homens ou mulheres.
Já o abuso sexual infantil não pressupõe que o indivíduo seja necessariamente portador do transtorno de pedofilia. Trata-se de uma pessoa qualquer que sente desejo sexual e atração sexual também por adultos, mas que não tem critérios de caráter e muito menos de culpa para obtenção de prazer sexual, voltando-se também para a libido e o corpo em si de crianças e adolescentes para encontrar conscientemente algum tipo de prazer.
Isto pode acontecer e, normalmente, acontece com crianças próximas do agressor, como alguém da família, escola, igreja, etc. E, também, além do grau de parentesco com a vítima, possui um contato social fácil e constante ou uma posição hierárquica de poder com a criança.
É de se pensar o óbvio que o abusador sexual propriamente dito fica naturalmente “escondido” por trás de uma família dita “perfeita”, sem grandes problemas. Trata-se de um indivíduo em sua grande maioria do sexo masculino, heterossexual, pai de filhos, religioso e, por vezes, de boa condição econômica e financeira e reputação ilibada na sociedade.
Deste modo, quero dizer que nem todo abusador sexual infantil é pedófilo e que nem todo pedófilo comete o ato em sua vida de abusar sexualmente de uma criança!
Vou me explicar: o indivíduo portador de pedofilia é um doente psiquiátrico, passível de tratamento, que sente desejo apenas por crianças ou pré-adolescentes e que, muitas vezes, se esconde por trás de um comportamento sexual adequado e socialmente aceito. Quer dizer que o pedófilo sente desejo por crianças (algo intrínseco e subjetivo) e nem sempre o transforma em ato, comportamento de abusar física ou verbalmente com uma criança.
Assim sendo, muitas vezes, por se tratar de algo interno, psíquico, que se passa apenas na mente do pedófilo, se ele não contar a ninguém e nem ao menos cometer o crime de abusar sexualmente de crianças, por óbvio apenas ele sabe que sofre desta doença e deve procurar tratamento médico psiquiátrico e psicoterapia. E se, porventura, vier a cometer tal crime de abusar sexualmente da criança (seja por ato, exposição sexual ou verbal), ele deve ser colocado em um manicômio judicial como medida protetiva, e não em um presídio comum, por se tratar de uma doença psiquiátrica.
Já o ser humano que abusa sexualmente de menores, ao contrário do pedófilo, seja homem ou mulher (apesar de mais ou menos termos 95% de homens abusadores para 5% de mulheres em minha experiência clínica), é uma pessoa que não é um pedófilo e que também sente desejo sexual por adultos, mas que no intuito da obtenção de seu prazer, se utiliza também das crianças para satisfazer seu prazer sexual, por mais ascoroso que pareça. Trata-se de uma realidade escondida e burlada pelos padrões sociais e religiosos.
Neste momento, fica claro que o presente artigo: “Pedofilia: o lobo mau mora dentro de casa”, tem como objetivo principal tentar subtrair o estigma do pedófilo e mostrar que este é portador de um transtorno mental e que deve ser tratado de forma médica-psiquiátrica e com tratamento psicológico e, que em caso de cometer o crime, o ato de mexer com crianças, deve juridicamente ir para um manicômio judicial, por ser inimputável, e não para uma penitenciária. Ser portador de Pedofilia não é crime, e sim uma doença mental, o crime consiste no ato de abusar sexualmente de crianças!
O pedófilo em si pode sentir grande sofrimento psíquico, culpa e, por vezes, tentar se punir (em alguns casos até cometer suicídio). Ao contrário da pessoa psicopata, hoje denominada sociopata que não sente culpa e nem necessidade de punição.
Já a pessoa que está próxima da criança e abusa dela, se não for um pedófilo, e acreditem, isto acontece muito, talvez uns 90% dos casos de abuso sexual sejam cometidos por estas pessoas que não são doentes, mas sem caráter, sem critério, moram ao lado das crianças e se escondem por trás da máscara social e da religião e, por muitas vezes, são aquelas que querem a justiça e a punição com relação ao pedófilo.
Nesta experiência pessoal de ser há mais de dez anos psicoterapeuta de crianças vítimas de abuso sexual infantil, pude cientificamente e clinicamente observar alguns fatores importantes:
1 – Comumente a pessoa que abusa sexualmente das crianças é alguém familiar ou próximo delas, como: pai, padrasto, tia, irmãos, primos, madrasta, mãe, pastores de igrejas, padres, professores, etc;
2 – Existe sempre algum tipo de “chantagem emocional” vinculada ao abuso sexual da criança com uma suposta punição grave se a criança relatar o ocorrido;
3 – Sendo assim, a criança é obrigada a se calar e consentir com a repetição do ato sob pena de punições severas do agressor com ela ou com alguém que a criança ama ou preza;
4 – Grande parte dos agressores estão dentro de casa ou dentro do círculo familiar e com bom relacionamento na família, na igreja ou na sociedade e não estão na rua como prega a imprensa sensacionalista;
5 – Quase nunca o abuso se dá uma única vez, mas repetidas vezes com o mesmo agressor e a mesma criança;
6 – O fato do agressor sexual normalmente se esconder por trás de uma reputação social com moral ilibada para com os outros, o faz conseguir repetir os atos sem punição. Quando o assunto dos abusos sexuais infantis vem à tona, eles condenam os pedófilos apenas e se sentem escondidos e seguros. São psicopatas? Não sentem culpa? Ou acreditam que nunca haverá um flagrante ou que a justiça é lenta demais e retrógrada?
7 – A deficiência do sistema judiciário e policial também pode se dar por conta da falta de flagrante e de vestígios físicos nestes casos de abuso sexual infantil. A pessoa faz sem violência, por vezes, com pretexto de ser carinhoso com as vítimas e, portanto, se tem dificuldades processuais e criminais em se provar o ocorrido. Sem contar com a incompetência da justiça criminal brasileira;
8 – Mesmo em casos de flagrante delito, dependendo de quem é o agressor, a pessoa que deveria proteger a criança, como a mãe, pai, etc, dependendo do ganho secundário que se tem, em um primeiro momento denuncia, mas depois volta atrás em seu depoimento e no processo penal;
9 – Por vezes, as carícias e o abuso são feitos de forma tão “carinhosa” que a própria criança, dependendo de sua tenra idade, não se dá conta do que está acontecendo;
10 – Os traumas psíquicos infantis podem ser irreversíveis no desenvolvimento da criança. Quando cominado com questões religiosas ou de incesto, o abuso sexual infantil pode trazer danos psíquicos e psiquiátricos por toda a vida adulta deste ser.
Estas são apenas algumas observações clínicas e jurídicas acerca deste tema tabu e estigmatizado.
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“Pedofilia: o lobo mau mora dentro de casa” é um início de uma reflexão sobre este tema tão denso, polêmico e hipocritamente encoberto, que pretendo continuar a escrever e refletir sobre uma série de artigos no mesmo tema. Neste momento, serve apenas para alertar que o “lobo mau” mora dentro de casa, e não lá fora como a imprensa propaga. Dessa forma, devemos ter mais cuidado e prestar atenção com o que ocorre com as nossas crianças que estão embaixo de nossos narizes.