Convivendo

Por que não?

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Escrito por Sol Felix

Era quinta-feira, na hora do almoço, quando ouvi um amigo afirmar com certeza e seriedade ser a reencarnação de um santo famoso e bastante influente no ocidente.

Estávamos em um grupo de umas 25 pessoas — entre amigos e amigos de amigos — e, enquanto ele apresentava sua teoria e contava como foi essa descoberta, observei os rostos incrédulos. Observei também as poucas fisionomias gentis que perguntavam sobre os detalhes deste acontecimento.

Este nosso santo amigo sempre chamou a minha atenção pela incrível capacidade de se expressar sem medo. E, nesses tempos de redes sociais e tecnologia, além de falar conosco, ele fazia filmagens com o próprio depoimento e jogava na rede. Coragem invejável!

Mesmo com os comentários sarcásticos e maldosos, ele persistia na afirmação. E, cada vez que ele reiterava ser o tal santo — confessava com humildade —, eu sentia medo e angústia por ele, fora a vergonha.

Recentemente, ele havia largado tudo. Largou a pós-graduação, deixou os cachorros aos cuidados de amigos, parou com a carne e outros hábitos mundanos. Deixou o cabelo e a barba crescerem e alguns diziam que até o banho não foi mais tão frequente. E sumiu. Antes, porém, gravou a si em algumas posições de yoga e atualizou seu canal do YouTube. Nós — os amigos — não ficamos tão preocupados com seu desaparecimento, já que seu canal era atualizado às segundas e quintas.

Durante sua fala, já sabíamos que não se tratava de uma brincadeira. Afinal, não se brinca com essas coisas! Pelo que tudo indica, meu santo amigo retornou apenas para nos contar a grande novidade.

A vergonha que sentia por ele é a inveja de quem é valente o suficiente para viajar para dentro de si e gritar ao mundo sobre a própria descoberta

Eu sempre tive uma enorme dificuldade em esconder meus sentimentos, principalmente quando estou constrangido. Portanto, rapidamente pedi licença e, enquanto me direcionava ao banheiro, alguém me interrompeu: “Por que não? Por que ele não pode ser quem diz ser?”

Retornei a nossa mesa ainda em choque pela reflexão. Na verdade, a vergonha que sentia por ele é a inveja de quem é valente o suficiente para viajar para dentro de si e gritar ao mundo sobre a própria descoberta.

Eu nunca fui religioso. O grande problema seria se ele cismasse em ser o Jimi Hendrix, pois aí o ciúme pelo meu ídolo falaria mais alto.

Dias depois, nosso amigo nos reuniu novamente. Contou que foi pego por uma armadilha do ego: ele não era o tal santo, apenas teve contato com sua energia e acabou se confundindo. O que ele é, na realidade, é um anjo.

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Mais uma vez anunciou sua descoberta ao mundo de forma indomável e corajosa.

Por que não?

Sobre o autor

Sol Felix

Atriz formada pela Fundação das Artes de São Caetano do Sul e Designer Gráfico (Universidade Paulista). Nesta vida, resido em São Paulo desde sempre. Não sou viciada em tecnologia e amo chocolate amargo. Acredito, de forma encantada, que o ser humano é, por excelência, Arte e Artista.