Quando escutamos de alguém que há muita coisa acontecendo, como iniciativas com natureza, escola e espaços locais, acabamos não acreditando. Afinal, essas iniciativas não estão nos grandes veículos de comunicação.
Mas, acredite, tem muita gente preocupada com a forma que levamos a vida, seja na economia, em novos modelos de negócios ou com a sustentabilidade. Um exemplo é o casal Viviane Noda e Guto Zorello, que criaram o PorQueNão, um projeto para tentar explicar aquela tradicional resposta: “As coisas são assim mesmo”.
Juntos, o casal viaja pelo país para mostrar iniciativas de uma sociedade que está revendo seus conceitos e modelando uma nova sociedade, mais conectada com a natureza e com respeito ao próximo. Confira a entrevista e reflita sobre o seu papel nesta sociedade.
Eu sem Fronteiras – Me conte um pouco sobre vocês. Onde moram e como se conheceram?
PorQueNão: Nos conhecemos em 2007. Ainda estávamos na escola, cursávamos o segundo colegial em São Paulo no Consa em Moema. Morávamos em São Paulo na época e não fazíamos a menor ideia do que estava por vir.
Hoje, moramos na estrada a bordo de nosso carro-casa (uma Fiorino) e atualmente estamos em Alto Paraíso em Goiás.
Eu sem Fronteiras – Como surgiu o projeto “PorQueNão”?
PorQueNão: A ideia surgiu a partir de alguns questionamentos. É quase que impossível colocar um marco para esse “despertar”. É um conjunto de fatos. Mas a curiosidade surgiu a partir de um documentário chamado “Zeitgeist”. A partir daí, começamos a buscar cada vez mais informações para entender o que acontece além do que está “imposto”. Isso aconteceu no ano de 2013.
Quase que imediatamente, começamos a participar de cursos, conversar com pessoas e imergir em inúmeros documentários e filmes para entendermos melhor o nosso tempo.
Antes dessa transformação em nossas vidas, nunca tivemos muita ligação com a sustentabilidade. Simplesmente não sabíamos o que acontecia com os povos tradicionais, com as florestas, com a saúde, com a educação. Assim que começamos a estudar e conhecer, ficamos indignados.
Estávamos no fim da faculdade e nunca tínhamos ouvido falar em Permacultura, Educação Democrática, o sumiço das abelhas, os agrotóxicos e por aí vai. Foi aí que sentimos um “chamado” para mudar esse cenário.
Eu sem Fronteiras – Você estão encontrando muitas iniciativas legais sobre buscas de alternativas mais sustentáveis?
PorQueNão: Muitas! Mais do que nosso pensamento positivo tinha capacidade de imaginar. É incrível saber que existe tanta coisa boa acontecendo e não sabemos de praticamente nada. Por que essas iniciativas não estão na TV e em meios de comunicação de massa?
Eu sem Fronteiras – É até chato quando a população se fecha em círculos e diz que não há saída pra nada. Que o fim está próximo. Mas, ao mesmo tempo, não se mostram abertos, até para iniciativas locais. Como é a reação das pessoas quando têm conhecimento sobre tantas iniciativas em busca de um ambiente mais sustentável?
PorQueNão: Falar que estamos no “fim dos tempos” (como pregam muitas igrejas evangélicas) ou que “não tem mais jeito” (o pensamento que habita o status quo) pode ser um modo muito confortante de pensar a realidade. Tudo está perdido, portanto não precisamos fazer nada para mudar a realidade.
Mas agora, em 2016 depois de Cristo, as máscaras estão caindo numa velocidade absurda. Os sistemas humanos autodestrutivos estão mostrando sua face macabra e sua insustentabilidade no médio e longo prazos. Nesse processos começam a emergir os velhos paradigmas da nossa sociedade que evoluiu na base da guerra, da competição e da conquista à base da força.
Ao mesmo tempo, brotam diversas iniciativas criativas desse caos. Iniciativas ancoradas em outros paradigmas; mais cooperativos, amorosos e com visão sistêmica e democrática.
O mais legal é que essas iniciativas estão fazendo barulho nas mídias sociais, nas mídias alternativas e em veículos fora das grandes mídias cuja base de seus impérios é o incentivo ao consumo (na maioria das vezes de futilidades). Com essa visibilidade, torna-se claro para as pessoas que existem alternativas e que só não tem mais jeito pra quem não respira mais.
Algumas pessoas podem até se sentir ameaçadas com esse tipo de informação, pois agora não existe mais a desculpa de que não existem soluções. Mas a maioria das pessoas se sente feliz e se mostra aberta ao novo. Elas querem buscar novos conhecimentos, evoluir e trabalhar junto com essas iniciativas transformadoras.
Nesse exato momento, estamos trabalhando com outras pessoas numa plataforma virtual para facilitar esse processo de fortalecimento dessas iniciativas. Ela conectará pessoas interessadas a iniciativas já existentes ou em processo de inicialização.
Eu sem Fronteiras – Iniciativas como as de vocês não têm espaço como Jornal Nacional, ao qual muitas pessoas ainda assistem, mas há uma proliferação da informação em veículos mais alternativos que querem mostrar para os brasileiros que tem muita gente fazendo a diferença e se questionando. E vocês são um exemplo. O que mudou desde a ideia até hoje na vida de vocês depois de abraçar esse projeto?
PorQueNão: Conhecemos muita gente boa, afim de transformar a si mesmo e a realidade que a cerca.
Eu sem Fronteiras – Das pessoas que têm iniciativas legais e se mostram abertas, o que elas têm a dizer em vez de reclamar e falar que nada dá certo?
PorQueNão: Têm a dizer — e principalmente a mostrar — que um outro mundo é possível.
Eu sem Fronteiras – Alguma iniciativa marcou vocês?
PorQueNão: Difícil citar uma em especial.
Eu sem Fronteiras – Das regiões do país que visitaram, quais perceberam que estão mais preocupadas e buscando soluções?
PorQueNão: Todos estão preocupados e agindo cada um de sua forma, mas definitivamente a região Sul tem mais organização política e social.
Eu sem Fronteiras – As pessoas têm como desculpa a falta de tempo para começar qualquer coisa. Mas como com pequenas ações elas podem fazer a diferença na sociedade e começar a construir um ciclo de uma vida mais sustentável?
PorQueNão: A grande mudança começa de dentro. Do nosso olhar para o mundo. Somos inimigos ou somos irmãos? Pra onde vai meu lixo? O que eu estou comendo? Como funcionam os sistemas humanos? A política? A educação? A mídia? Por que tem algumas pessoas de iate enquanto outros tantos passam fome? Por que consumimos tanta besteira? Por que estamos tão doentes? Por que destruímos a Natureza? Por que intoxicamos a água?
Perguntas como essas podem mudar a nossa visão de mundo. Mudando nossa visão de mundo, tudo muda. Começamos a procurar alternativas para tudo aquilo que outrora era normal. Começamos a CRIAR alternativas a partir dessa expansão de consciência. E, nessa caminhada, percebemos que não estamos sozinhos. Tem um monte de gente começando a questionar os padrões autodestrutivos da nossa sociedade e procurando alternativas.
A alimentação, por exemplo, pode ser uma grande porta de entrada para outros questionamentos: estamos comendo quantidades absurdas de veneno e nossas comidas têm muito menos micronutrientes. Começamos a procurar por alimentos melhores. Orgânicos. Podemos não parar por aí: e a questão da terra? Ela é extremamente concentrada na mão de poucos latifundiários. Vamos comprar do pequeno produtor agroecológico? Todos ganham.
Ao mesmo tempo, podemos procurar alternativas mais inteligentes e saudáveis em todas as áreas para o nosso dia a dia: cosméticos naturais, diversão gratuita e em lugares públicos, medicinas alternativas, uma outra educação para nossos filhos, autoconhecimento… e por aí vamos.
Eu sem Fronteiras – Como vocês decidem viajar? Como é feita esta escolha e quando tempo ficam em cada lugar e aonde?
PorQueNão: Isso depende muito. Às vezes passamos só um dia no lugar, às vezes passamos um mês. Às vezes ficamos sabendo da iniciativa pela internet, às vezes pelo boca a boca. Às vezes dormimos na nossa casa-carro, às vezes dormimos em camas que nos concedem.
Eu sem Fronteiras – Fiquem a vontade para escrever algo.
PorQueNão: É muito importante frisar que estamos vivendo um período muito ímpar na história da humanidade. Somos agora uma comunidade global cada vez mais conectada e interdependente. Sete bilhões de pessoas consumindo cada vez mais recursos naturais.
Esse fenômeno tem seu lado negativo e seu lado positivo. Talvez o lado mais negativo seja o da destruição ambiental, principalmente nos países mais pobres que continuam a servir como colônias agrárias das grandes potências econômicas mundiais. Com o avanço tecnológico muito mais rápido do que o debate ético, estamos, a largos passos, destruindo a teia que sustenta a vida.
Em outras palavras, o equilíbrio ecológico, do qual depende a vida humana e todas as formas de vida, está sofrendo um gigantesco ataque da nossa parte, mesmo que involuntário.
O ser humano, que evoluiu acostumado com a abundância de recursos naturais, agora está começando a sofrer as consequências dessa inconsciência do sistema Terra. Já o lado mais positivo talvez seja que somente um problema que nos una globalmente, como as mudanças climáticas, poderá ajudar na formação de uma sociedade global pacífica.
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Nesse cenário entram todas as pessoas que começam a tomar consciência de sua própria existência e de como funcionam os sistemas humanos. Muitas dessas, insatisfeitas, acabam por tentar o novo; sem medo.
E, experimentando, acabam construindo outras possibilidades que, por sua vez, facilitarão o caminho de outras pessoas nessa caminhada por um presente e um futuro mais saudáveis, individual e coletivamente. Uma realidade que esteja em equilíbrio com as leis naturais.
Imagens: Reprodução/Acervo Pessoal
- Entrevista realizada por Angelica Weise da Equipe Eu Sem Fronteiras.