De repente tudo ficou escuro e perdi os sentidos.
Acordei dentro da ambulância preocupada com minhas lentes de contato. Perguntavam meu nome e idade e minha mãe estava do meu lado. Foi tudo muito rápido. Mais rápido que um raio. Para mim parece que tinham passados dois minutos. Mas foi o tempo de eu chegar no hospital e toda a minha família já estar lá. Deitada na maca não tinha ideia do que aconteceu. Abri os olhos e vi meu tio com cara de alívio, eu sorri pra ele e senti um arrepio de ver todo mundo lá, me ajudando.
Minha tia, que é oftalmo, me ajudou a tirar as lentes de contato, eu cortei a testa muito perto dos olhos. Tinha medo de ficar cega. Minha mãe foi pro outro lado tirar raio X. Eu acordei com o soro no braço e precisei de ajuda pra ir ao banheiro passar mal, de tanta adrenalina. E, depois, fiquei tomando anestesia na testa e na boca para dar os pontos. O médico era engraçado, mas não ficou feliz com os palavrões que eu soltava a cada picada da anestesia. Pausa pra piadinha: quando falam que de graça, até injeção na testa, mentira, pensa bem.
Enfim, passei dois dias no hospital sem conseguir comer nada nem podia levantar direito. Meu rosto foi inchando do lado direito e depois do lado esquerdo. Meus olhos não abriam direito e eu fiquei com a boca toda cortada por dentro. Eu só pensava na sorte absurda que tive de, mesmo usando um piercing na lingua, não ter quebrado nenhum dente. Mais sorte ainda de não ter lesionado a cervical. Fiz vários exames e o neurologista vinha me visitar sempre, medindo minha reação e fazendo testes.
Minhas tias vinham me visitar com sopa feita em casa e canudinho (eu choro de alegria de lembrar disso, porque é muito amor). E meu irmão chegou com orquídeas. Recebi muitas visitas. Estava sempre acompanhada e feliz. Eu estava feliz. Engraçado estar feliz numa situação dessas…
Mas vou te contar que
esse apagão, esse acidente, o rosto deformado, essa dificuldade para comer, me colocaram no lugar de onde eu tinha saído faziam muitos anos: o de valorizar a vida.
Durante dias depois de voltar para casa, não conseguia dormir sozinha no meu quarto, com medo de morrer. Eu ainda fiquei semanas elaborando o medo da morte. Minha mãe ficou dias sem trabalhar e a gente ficava a tarde inteira deitada na cama resolvendo problemas de Sudoku.
Peguei gosto por comer sopa e comer devagar e pouco, a ansiedade que eu tinha, que era descontada na comida, passou.
Fiquei semanas sem poder sair de casa porque não podia tomar sol no rosto. Zero sol. E porque tinha um curativo no meio da minha testa e meus olhos demoraram quase um mês para desincharem. Eu me sentia calma, dentro do meu corpo, paciente, ancorada. O medo da morte me deu gosto pela vida. A sensação da sorte de eu estar bem, andando, e apenas com uma cicatriz na testa era de muita gratidão.
O acidente foi uma sorte. Hoje eu lembro e vejo como se fosse um acorda d21o Universo me dizendo para valorizar mais o que eu tinha.
Eu vejo que as doenças, os acidentes, tudo isso serve para gente acordar, é um chamado, significa que a gente está saindo do nosso propósito, desencontrando demais da nossa essência, e essas coisas acontecem para despertar.
Hoje, você me olha e nem percebe a cicatriz. E se eu quiser, poderia fazer um laser e tirar. Mas eu adoro elas. Quero sempre lembrar da importância desse momento na minha vida, das pessoas que me ajudaram, da força que saiu de dentro de mim, de tudo que aprendi.
De tudo isso que te contei, tiremos uma outra conclusão: agradecer pelos apertos que passamos, pois aprendemos. Mas também abrir espaço para aprender pelo amor, sem sofrimento. Aprender pelo amor é possível. E é isso que busco cada vez mais.
Você também pode gostar de outros artigos da autora: Quem muda o mundo somos nós